Por Valter Pomar na Caros Amigos
Dilma
venceu o primeiro turno. Mas não venceu no primeiro turno. A grande
mídia, o Demo-PSDB e seus aliados no PV comemoraram. Mas havia jeito de
ser diferente?Lula disputou três eleições antes de vencer, em
2002. No segundo turno. Candidato à reeleição, novamente teve que
enfrentar um segundo turno. Como é que com Dilma poderia ser diferente?Aliás,
é curioso: quando iniciamos a campanha, Dilma foi alvo de críticas,
ironia e descrença da parte de quem a “acusava” de nunca ter dispu
tado uma eleição.
Quem compartilhava desta impressão negativa,
certamente foi surpreendido pelo seu crescimento eleitoral, vendo-o como
algo inesperado, capaz inclusive de gerar a proeza de uma vitória em
primeiro turno.
E, paradoxalmente, aqueles mesmos enxergaram na
ida para o segundo turno uma derrota, quando o surpreendente é
exatamente o oposto: que apesar de ser estreante, Dilma quase tenha
vencido já no primeiro turno, mostrando que ela era a pessoa certa, no
lugar e hora adequados.
Infelizmente, parte importante dos
apoiadores da candidatura Dilma acabou caindo no conto de que era
possível vencer no primeiro turno. Isso se deve, em alguma medida, a um
erro da coordenação de campanha, que embora dissesse o contrário, não
adotou as vacinas necessárias, talvez porque no fundo acreditasse em
Papai Noel.
A verdade é que em 2010, igual ocorreu em 2006, uma
parte de nós evoluiu do pessimismo para um otimismo
irresponsável, que dava como praticamente garantida a vitória no
primeiro turno; e, pior ainda, em nome desta suposta vitória garantida,
adotou uma postura defensiva e despolitizada que, ironicamente, nos
levou não à vitória no primeiro turno, mas sim ao segundo turno.
Qual a necessidade de dizer isto, neste momento? Simples: não repetir o erro.
Para
ganhar no segundo turno, é fundamental saber que podemos ser
derrotados, que nosso lado comete muitos erros, que a oposição de
direita é muito forte, que pode haver uma virada. Quem acha que é
impossível perder, não está preparado para vencer.
Este foi,
talvez, o principal erro que cometemos no primeiro turno: retranca
excessiva, às vezes justificada pela possibilidade de uma vitória no
primeiro turno, às vezes pela amplitude das alianças, às vezes pelas
características da candidata. A retranca foi tanta que, pela primeira
vez, não divulgamos oficialmente nosso
program a de governo!!!
Esta postura defensiva teve como
decorrência certa subestimação do debate político e da polarização, que
acabou entrando na campanha pela porta dos fundos, seja por elogiáveis
rompantes de algumas lideranças (por exemplo, algumas críticas de Lula
contra certa imprensa), mas geralmente por iniciativa da própria
direita.
Claro que a oposição de direita não tem interesse em
fazer o debate político da maneira como nós gostaríamos. Isto foi
interpretado por alguns, erroneamente, como se a direita estivesse “sem
projeto”, “se perdendo” em acusações sobre terrorismo, Farc, tráfico,
dossiês, radicais e aborto. Quando na verdade a direita estava operando a
polarização e politização nas catacumbas, inclusive manipulando em seu
proveito aquilo que gostamos de apontar como uma das provas de nosso
êxito: o crescimento da classe média.
Aliás, é curioso: quando se
pergunta de onde vem
grande parte da animosidade contra o governo Lula, contra o PT e contra
Dilma, a resposta é: de setores da classe média. Mas quando se pergunta
qual é um dos grandes êxitos do governo Lula, a resposta é: o
crescimento da classe média. Algo não bate nesta conta.
Deixemos
de lado os equívocos conceituais e os exageros estatísticos na discussão
sobre a tal classe média e nos limitemos ao seguinte: a elevação das
condições materiais de vida de amplos setores da população brasileira,
ocorrida nos últimos anos, não foi acompanhada de similar elevação
cultural, ideológica e política. A diferença entre uma coisa e outra,
numa aproximação grosseira, é a diferença entre a aprovação do governo
Lula e a votação de Dilma, neste respectivo setor social.
Falando
noutros termos: não basta e nunca bastou o lulismo. Se a simpatia em
Lula não for politizada e organizada, em sindicatos, em partidos, noutra
visão de mundo
propagada por outros meios d e comunicação, corremos o risco de
assistir segmentos amplos das camadas populares, embora vivendo melhor,
continuarem sendo manipulados pela mesma mídia, pela mesma direita e por
igrejas conservadoras que se opuseram àquelas medidas que fizeram a
vida melhorar.
Por analogia: não basta e nunca bastou a campanha
eletrônica. Se não houver militância, corpo-a-corpo, trabalho de formiga
cotidiana, seremos vítima dos instrumentos de que a direita dispõe,
inclusive a pregação direta feita por religiosos conservadores de
variados credos.
No segundo turno, Dilma vencerá se mantiver ao
seu lado quem já votou nela; se recuperar quantia significativa de
eleitores simpáticos a ela, mas que no primeiro turno escolheram Serra
ou Marina; se conseguir parte dos votos de quem não optou por nenhum dos
candidatos ou nem mesmo foi votar (este contingente é maior do que o
total de eleitores de Serra).
Dilma
conseguirá manter ou conquistar estes eleitores, se nossa campanha
politizar, polarizar e mobilizar. Agindo assim, neutralizará o
terrorismo religioso e a onda de calúnias, que ganharam espaço na exata
medida em que nossa campanha deixou de explicitar o debate político de
projetos.
Sobre isto, um detalhe: os “analistas políticos” da
direita fazem questão de divulgar pesquisas “científicas” dizendo que
foi o caso Erenice --e não o tema do aborto-- que levou a disputa ao
segundo turno. A rigor, foi de tudo um pouco e haverá tempo para um
debate mais científico a respeito. Mas a preocupação dos “analistas
políticos” revela, talvez, que eles tenham percebido que o exagero na
sordidez pode ser contraproducente, por fazê-los perder votos, mas
principalmente por estimular a mobilização dos setores democráticos e
progressistas contra a volta da TFP, Opus Dei e CCC.
Sobre o tema
do aborto, aliás, a campanha deve
sustentar tranquilamente o que foi inscrito no T ribunal Superior
Eleitoral, a saber: Promover a saúde da mulher, os direitos sexuais e
direitos reprodutivos. O Estado brasileiro reafirmará o direito das
mulheres ao aborto nos casos já estabelecidos pela legislação vigente,
dentro de um conceito de saúde pública. Como disse a candidata no debate
da Band, entre prender e tratar, ela prefere tratar.
Olhando o
conjunto da situação, não há como não recordar certo bordão: a burguesia
nunca nos falta. E, como de outras vezes, está nos obrigando a
politizar, polarizar e mobilizar a base política e social que apóia o
governo Lula e a candidatura Dilma, em defesa do que fizemos, mas
principalmente do que faremos.
Comparar os governos FHC e Lula e
confrontar os dois projetos que estão em disputa: passada a confusão dos
primeiros dias, esta vem sendo a linha de campanha no segundo turno,
como ficou visível no debate da Band e no
horário eleitoral gratuito.
Não se trata, port anto, de mudar de
opinião sobre nada; do que precisamos, simplesmente, é colocar em
pauta, no centro do debate, o que realmente interessa: o futuro do povo
brasileiro.