quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Derrota em referendo é 'alerta', diz Maringoni



Mateus Alves

Para comentar a derrota do governo venezuelano no plebiscito sobre as reformas constitucionais propostas por Hugo Chávez, o Correio da Cidadania conversa com o jornalista e historiador Gilberto Maringoni.

De acordo com Maringoni, autor do livro “A Venezuela que se inventa”, o resultado das urnas na Venezuela é um alerta a Chávez para que haja uma reaproximação com setores moderados e um reparo nas insuficiências do processo de reformas iniciado com a chegada do presidente ao poder em 1999.

Correio da Cidadania: Qual você acredita ter sido o principal fator que levou Chávez à derrota no plebiscito sobre a reforma constitucional?

Gilberto Maringoni: Se olharmos os números, vemos que a oposição manteve a quantidade de votos conseguida nas eleições passadas. O que houve foi uma abstenção de quase metade do eleitorado; o surpreendente não foi a oposição ter ganho, mas sim o chavismo ter reduzido sua votação.

CC: Tamanha abstenção foi, então, a única causa da derrota? Por que tantos chavistas não compareceram às urnas?

GM: Segundo Chávez, essa foi a causa. O certo é que não foi a oposição quem ganhou, mas sim o governo quem perdeu. Claro que, ainda observando os números, houve uma vitória da oposição por uma pequena margem, mas não se pode ficar dizendo que “foi apenas por uma pequena margem” como maneira de amenizar a situação e resolver o problema.

Quando diz que a abstenção ganhou, Chávez passa um dado real, mas não diz qual é a causa disso. Ele não fala quais foram as razões que motivaram os seus apoiadores a não comparecer às urnas para aprovar a reforma constitucional, forçada por ele como se fosse uma espécie de plebiscito que o aprovasse.

Tais fatores são vários. Precisam ser procurados nas insuficiências de um processo que evoluiu bastante desde 1999, mas que ainda possui problemas. Como principais questões conjunturais, que aconteceram de um ano para cá, temos a certa “forçada de mão” que o governo e Chávez deram em alguns episódios.

O primeiro desses é a formação do PSUV, o Partido Socialista Unificado da Venezuela. É um partido criado de cima para baixo, que foi formado desta maneira pois não existem movimentos sociais autônomos na Venezuela. O partido tem 6 milhões de militantes, mas estes não compareceram às urnas – se o tivessem feito, as mudanças na Constituição teriam sido aprovadas. Há problemas na estruturação do partido e em sua participação no governo – Chávez diz que “quem está com ele está no PSUV”.

O governo Chávez tem uma característica de não ter sido resultado de movimentos de massa, mas sim de um cansaço popular com o projeto neoliberal das décadas de 80 e 90 e da crise vivida no país que não resultou em um crescimento da mobilização popular.

Isso fez com que não houvesse movimentos autônomos. O que existe são iniciativas políticas populares tomadas pelo governo.

O grau de fragmentação da sociedade venezuelana resultante dos 40 anos de democracia do Pacto do Ponto Fijo, estabelecido em 1961, e da crise estrutural enfrentada no país durante os anos 1980 e 1990 criou uma sociedade com um potencial de rebeldia muito grande, mas de escassa organização.

CC: Desde que foi levado ao poder, em 1999, Chávez não foi capaz de aglutinar os descontentes no país?

GM: Ele conseguiu aglutinar de certa forma, mas se vemos organizações como a UNT, central sindical do país, trata-se de uma organização sem vida autônoma, sem muita expressão.

Isso faz com que as mobilizações no país sejam apenas de apoio a Chávez, como observamos durante o golpe de 2001 e em suas vitórias nas eleições.

CC: Quais outros motivos contribuíram para a ausência de chavistas nas urnas?

GM: As brigas que Chávez comprou, algumas delas bem difíceis, também contribuíram. Criticar a Igreja Católica, às vésperas do referendo, foi muito danoso à sua imagem; todos sabem que a Igreja venezuelana é golpista, conservadora, mas chamar os bispos na TV de “vagabundos” provoca sentimentos no povo que são complicados. Ele começou a brigar com aqueles que, toda semana, estão no púlpito falando diretamente com seus fiéis.

A não-renovação da RCTV - que embora em mérito Chávez tenha sido corretíssimo ao não permitir a continuação das transmissões pela emissora - foi uma decisão tomada de maneira pouco pedagógica para a população. O presidente tinha a prerrogativa legal para não renovar a concessão, mas não foi feito um grande debate nacional sobre a democratização das comunicações, não foi criado um método para tornar tal fato uma questão de formação política, que informasse à população o que é um monopólio, a razão pela qual não deveria ser renovada a concessão da RCTV e qual a razão pela qual a rede não poderia participar de um golpe de Estado e continuar impune.

Não sei se a melhor maneira deveria ter sido levar o caso à Justiça ou à Assembléia nacional, onde Chávez também ganharia por ter quase a totalidade das cadeiras. Fazer isso por um decreto é incômodo – como explicar para a população que ela não terá mais a sua novela? Além disso, a emissora colocada no ar é de muito baixa qualidade, é uma emissora oficial no pior sentido da palavra.

Essas batalhas foram complicadas. No caso da discussão com o rei da Espanha, Chávez estava certo, então não foi um problema. Porém, a briga com o presidente Álvaro Uribe, da Colômbia, veio em péssima hora; Chávez caiu em uma armadilha. De qualquer maneira, Uribe iria romper o diálogo com as FARCs, e o presidente venezuelano foi até condescendente demais ao levar a questão adiante. Uribe esperou para terminar o diálogo exatamente antes do referendo, procurando desgastar a imagem de Chávez.

Avaliações de colegas venezuelanos também dão conta de problemas internos do governo, de ineficiência de serviços públicos, questões administrativas. O fato é que essa derrota de Chávez não é o fim do mundo, mas sim um alerta. O presidente desfruta de uma popularidade igual a que tinha durante as últimas eleições, de algo em torno de 60%. O que aconteceu foi um desligamento dos setores moderados ou para o “não” ou para a abstenção.

Setores da intelectualidade que estavam com Chávez se abstiveram. Raúl Baduel, que faz parte de um setor chavista presente em várias situações nas quais o presidente precisou de apoio, resolveu puxar o freio de mão. É certo que havia divergências entre os dois, mas Baduel não é um opositor histórico, não é um golpista e não pode ser tratado como um traidor.

Há também um tratamento ruim dado pelo governo em relação ao movimento estudantil. O combate que se fez quando começaram as mobilizações foi falar que os estudantes eram “peões do império”; claro que havia manipulação, que havia estudantes filiados a partidos de direita, mas à massa que estava nas ruas não pode ser dado o mesmo tratamento que é dado aos dirigentes, pois têm um descontentamento difuso.

Além disso, a reforma constitucional foi mal conduzida, faltou debate. A proposta original de Chávez continha 35 itens a serem modificados, e a Assembléia Nacional agregou, desnecessariamente, outros 34. A proposta transformou-se em uma árvore de natal, complicada, e Chávez e a oposição forçaram que a consulta para a aprovação da reforma fosse um plebiscito sobre o próprio presidente.

Tais problemas, no entanto, não podem colocar em dúvida os aspectos positivos conquistados pelo governo na Venezuela. A própria direita está espantada com a situação, pois Chávez tem ainda cinco anos de governo pela frente e um poder de aglutinação imenso, sendo capaz de retificar todos os seus problemas para que não perca apoios importantes.

CC: Quais seriam esses aspectos positivos?

GM: Chávez tem feito um governo que, até aqui, mudou a face da América Latina. No essencial, o rumo do governo está correto, ao democratizar a sociedade, ampliar os poderes das camadas populares e da população indígena, reduzir a jornada de trabalho, acabar com a autonomia do Banco Central, proibir o latifúndio, fortalecer o Estado em seu caráter público, ao realizar as “missões” que serviram e servem de assistência a uma grande parcela da população venezuelana que sofria uma exclusão total.

O governo também colocou a questão social no centro da esfera de governo, algo que foi seguido por outros países na América Latina. Chávez mostrou também que é possível romper com o modelo neoliberal e distribuiu a riqueza do petróleo para a população, mesmo embora o Estado venezuelano ainda seja muito burocrático, muito corrompido, ineficiente.

A luta ideológica que faz também é de extrema ousadia. A Venezuela, um país pequeno, conseguir pautar as lutas na América Latina e servir de referência a outros países – não só Cuba, Bolívia e Equador, mas também a Argentina e o Brasil, por exemplo – é algo de extrema importância.

CC: A riqueza proveniente do petróleo torna tal tarefa mais fácil, não?

GM: Claro, com o barril de petróleo a 100 dólares, até você e eu faríamos a mesma coisa. Mas o fato de o petróleo estar valendo tanto se deu muito em função do próprio Chávez; é preciso lembrar que isso não aconteceu por mágica. Quando Hugo Chávez tomou posse, o custo do petróleo era de 9 dólares por barril, e a OPEP estava desarticulada. Em julho de 2000, o presidente convocou, em Caracas, uma reunião geral do cartel petrolífero, algo que não ocorria há mais de 30 anos; ali, a OPEP retomou a política de cotas, de restringir a produção para resguardar reservas e, assim, melhorar o preço de barganha.

Já no final de 2000, o petróleo estava a 22 dólares o barril. Houve, claro, um fator que estava além do controle de Chávez: o aumento brutal do consumo mundial, capitaneado pela China a partir de 2001.

CC: A questão da reeleição indefinida faz parte dos aspectos negativos da proposta de reforma constitucional?

GM: Isso não é um problema tão grande quanto a imprensa alardeia. É uma proposta dentro das regras democráticas, não é um golpe. A pauta da reeleição foi colocada na América Latina pela direita – Fernando Henrique Cardoso, que a critica, foi quem a iniciou no Brasil.

Há alguns regimes europeus atrasados, com reis, imperadores – muito mais atrasados que qualquer república de banana, pois mantêm uma dinastia com dinheiro público à toa –, onde primeiros-ministros ficam no poder enquanto têm apoio, como na Inglaterra. Chávez ficaria no poder enquanto tivesse apoio.

É importante dizer, também, que a Constituição brasileira, de 1988 para cá, sofreu mais de 50 mudanças votadas no Congresso – ou seja, reformas constitucionais qualificadas, feitas por governos neoliberais. Ninguém achou que isso era golpe, e foram feitas sem nenhuma consulta popular. As mudanças que Chávez tenta fazer foram levadas a um debate público, por meio de referendo. A direita precisa deixar de hipocrisia, pois ela nunca foi tão democrática quanto a Venezuela nos dias de hoje.

Como disse uma articulista da Folha de S. Paulo recentemente, Chávez, apesar da derrota nas urnas, ainda pode sair ganhando, pois o resultado da consulta prova que seu regime é democrático, que ele pode perder.

CC: As críticas da falta de democracia na Venezuela, então, são infundadas?

GM: O governo de Chávez é o melhor governo da América Latina, é extremamente avançado, e o presidente teve habilidade ao construir o seu governo.

Agora, trata-se de um governo muito pessoal. Se Chávez é assassinado, o processo venezuelano fica comprometido. Não se criou uma cultura chavista, mas sim uma cultura de agregados, de apoio popular difuso. Não existe um partido com um núcleo de elaboração política para o governo da Venezuela – aliás, a elaboração política e teórica do governo é muito pobre.

Hugo Chávez, porém, é um tático excepcional. Entre o que ele fez ao longo dos anos há coisas geniais. A maneira como dividiu a oposição na questão das telecomunicações ao fazer um acordo com Gustavo Cisneros é um ponto alto da tática política mundial histórica.

CC: Em face das estruturas políticas tradicionais que observamos em países em desenvolvimento, você acredita que lideranças carismáticas que flertam com o populismo são um dos caminhos possíveis para que se consigam mudanças?

GM: É errado dizer que Chávez flerta com o populismo; ele é, sim, um populista. Precisamos largar a teorização feita pela direita da ciência política e mesmo por pessoas de esquerda de que o populismo é um mal. O populismo não é uma escolha, é uma situação histórica dada.

No Brasil, durante os anos 30, época em que não havia uma cultura de instituições democráticas urbanas consolidadas e estávamos saindo da República Velha, do voto de bico de pena, o avanço que houve no país no campo econômico e a migração das pessoas do campo para a cidade não tinham nenhuma referência de convívio institucional. A referência era um líder carismático, Getúlio Vargas. Isso também aconteceu na Argentina e no México.

Na Venezuela, por conta da crise profunda vivida no final do século XX, as instituições existentes estavam virando fumaça. A única maneira existente de impedir que o país se auto-destruísse era a chegada ao poder de um líder carismático, populista. Não há nenhum problema nisso; existem, sim, componentes autoritários em um líder populista, mas, naquela situação, não havia alternativa.

Como não há movimento popular estruturado, uma das funções do líder populista foi cumprir o papel de solidificar essas pontas. Chávez é uma etapa histórica na construção de instituições democráticas sólidas, que espero que seja transitória.

É preciso tirar da cabeça que o populismo é uma coisa negativa. Mesmo chavistas dizem que o presidente não é populista, mas é sim. E isso não é uma coisa ruim. Quem diz que o populismo é ruim é a direita, até mesmo pelas características de fortalecer o lado popular da sociedade de um governo do tipo.

Um problema do qual lideranças populistas padecem é a sua incapacidade em organizar a sociedade. Isso faz com que não tenham substituto à altura. Para se manter no poder, tais líderes não podem ter competidores; na Venezuela é assim, não há substituto à altura de Chávez.

CC: Quais os rumos que você acredita que o governo de Chávez deverá tomar a partir de agora? Há mesmo essa possibilidade de o presidente sair fortalecido pois o resultado nas urnas reitera a democracia existente em seu governo?

GM: Inicialmente, o governo sairá enfraquecido. A direita, não só na Venezuela como também na Bolívia e no Equador, tentará se reanimar. Se o governo venezuelano conseguir resolver os seus problemas, reaglutinar suas bases, se reaproximar dos setores moderados que momentaneamente – espero – se afastaram de Chávez, pode se fortalecer, sim.

Chávez não deverá moderar os objetivos estratégicos do processo na Venezuela, mas sim aprimorar sua flexibilidade tática para conseguir conviver com diferenças internas. O país cresce a 10% ao ano, e é muito difícil Chávez cair com estes índices. Agora, se isso acontecer, será algo muito preocupante.

CC: Quais as diferenças principais entre o governo da Bolívia e o governo venezuelano?

GM: O governo de Evo Morales teve sua origem no movimento social, Morales era dirigente sindical, houve mobilizações impressionantes no país entre 2001 e 2004. Na Bolívia, diferentemente da Venezuela, existe uma mobilização popular – por isso a direita, lá, tem um grande problema. Não é um governo sem apoio.

CC: E quais as suas opiniões sobre as mudanças possíveis no Equador de Rafael Correa?

GM: Lá, temos um caso novo. Até agora, Correa venceu uma grande batalha ao conseguir convocar a Constituinte. O Equador tem problemas gravíssimos: não tem moeda própria, é um país pobre, que viveu intensas ebulições nos últimos anos. Elegeram um governo popular, que caiu e foi substituído por um governo de direita; agora, levaram outro presidente popular ao poder.

Parece-me, à distância, que a situação no país está tranqüila. Quando Rafael Correa for tocar em pontos nevrálgicos do sistema de dominação de classes, tudo pode se radicalizar; quando as propostas de reforma começarem a ser votadas, aí sim haverá enfrentamento.



Caminhos da revolução digital

Apesar de dominante, o capitalismo não consegue mais sustentar a lógica de acumulação e trabalho. Seus principais alicerces — a economia, a ética burocrática e a cultura de massas — estão em crise. Com a internet florescem, em rede, novas formas de produzir riquezas, diálogos e relações sociais

Hernani Dimantas, Dalton Martins

Aprendemos que as redes são orgânicas. Aprendemos também que as redes são emergentes. Emergência é um processo de auto-organização. "A única diferença é o material de que são feitas: células de enxames, calçadas, zeros e uns". Isso não importa. Relevante é observar a tendência do pensamento de baixo para cima, bottom up, modificando a forma da humanidade pensar. Continuamente, ouvimos falar das experiências de organização de comunidades de seres vivos, da capacidade de construção de redes descentralizadas das formigas, dos cupins, das abelhas. Seriam reflexos da capacidade orgânica da colaboração?

Mutação, transformação e modificação são palavras que uso bastante no cotidiano digital. A internet trouxe a idéia de revolução, e traz consigo críticas inequívocas de como a sociedade moderna está estruturada. Romper paradigmas significa destruir os preconceitos nos quais estamos inseridos. E muitos desses preconceitos estão diretamente ligados à forma como nos organizamos e conversamos. Mesmo de forma sutil, sem exatamente compreendermos porque agimos de determinada maneira.

Se debatemos tal desconstrução da sociedade de massa, podemos admitir as mudanças e passar a agir de acordo com essa nova possibilidade. E existe uma tendência de utilizarmos cada vez mais os meios binários — seja para comprar e vender, ou para distribuir informação. Comercial ou não. E essa tendência acompanha a forma de organização dos grupos sociais e sua capacidade de conversarem de múltiplas maneiras.

Nessa corrida maluca, percebemos que os mercados também se transformam. O Manifesto Cluetrain é claro. Propõe o fim dos negócios como conhecemos. Por quê? Os mercados são conversações. E essa conversação faz as pessoas se aproximarem, não só para trocar informações cotidianas, muitas vezes descartáveis. Mas para uma auto-organização da sociedade civil. As conversações seriam a democratização do processo organizacional coletivo?

Linux, o primeiro produto moderno e competitivo criado de modo não-capitalista

Essa é a proposta do movimento dos códigos livres. Uma organização colaborativa, anárquica e disforme. Poderosa pela essência que une as pessoas num projeto comum. A rede faz tal movimento aflorar. O Linux foi o primeiro produto moderno e competitivo criado num modo de produção não capitalista. Entender isso é compreender que as mudanças atingem o meio digital. E devem repercutir construtivamente para outros setores.

Mas o mundo dos negócios é avesso a críticas. Idéias sustentadas em fatos reais são mostradas como se fossem apenas utopia. Lunáticos que não entendem o dinamismo do dinheiro. Pois o vil metal move o mundo. No entanto, qual foi o investimento inicial no Linux? Nada!

E esse nada está apavorando o grande monopólio. É difícil combater a organização de pessoas comuns. Estamos vendo o Linux e outros programas abertos aumentando a participação nos mercados. Essa realidade é inexorável. Uma realidade que modifica a essência da forma como conversamos, como estamos buscando nos organizar. A mudança é estrutural, topológica, elementar e, absolutamente, transformadora.

Colaboração é a novidade da sociedade da informação. Linus Torvalds causou um alvoroço enorme ao liberar o código de seu programa numa lista de debates. A frase Release early and release often (Libere cedo e libere freqüentemente) passou a redesenhar um modelo de produção. Colaboração como capital social. Colaboração para fazer qualquer coisa que o desejo provoque. Colaboração como condição de sobrevivência. Colaboração como viés estrutural no desenvolvimento das novas organizações, veia latente dos processos de inovação tecnológica, canal de viabilização da interação entre fornecedores, clientes e comunidades de usuários dos múltiplos produtos hoje oferecidos pela internet.

Por meio das redes sociais, novas geografias de poder, nas quais o link subverte a hierarquia

Com as tecnologias da comunicação e da interação, as redes passam a facilitar a convivência à distância em tempo real. Provocam e potencializam a conversação. Reconduzem a comunicação para uma lógica de sistemas organizacionais capazes de reunir indivíduos e instituições de forma descentralizada e participativa. Reorientam fluxos criativos e abrem novas possibilidades de circulação da riqueza.

O capitalismo, apesar de dominante, não consegue mais sustentar a lógica da acumulação e do trabalho. Seus principais alicerces, a economia, o paradigma da ética burocrática e a cultura de massas, estão em crise. Essa aponta a necessidade de uma nova ordem, uma reestruturação. Marx escreveu sua crítica em O Capital, num momento que a sociedade industrial estava aflorando, mas não se apresentava, ainda, como o paradigma dominante. O século 21 exige, portanto, modificações estruturais no poder para atender a nascente sociedade informacional. É nesse cenário que as redes sociais adquirem importância, pois em seu elemento constitutivo trazem uma nova possibilidade organizacional, logo, estrutural dos fluxos de conversação e da forma como o poder é exercido a partir dos relacionamentos entre pessoas.

A tecnologia catalisa a inteligência das pessoas. A revolução das tecnologias da informação atua remodelando as bases materiais da sociedade e induzindo a emergência de agenciamentos colaborativos como base de sustentação social. Não podemos atribuir tais mudanças apenas à tecnologia. A internet torna possível o florescimento de novos movimentos sociais e culturais em rede. Possibilita organizar a sociedade civil em novas formas de gestão e retornar às redes humanas depois de um longo período de domínio das redes de máquinas e da burocracia. No limite da ruptura dos paradigmas, a colaboração aparece como um potencializador das energias produtivas. A sociedade está se tornando mais aberta e de uma forma ampla, mais colaborativa.

O software livre é o caso mais conhecido da resistência digital — e o que teve maior impacto. Uma nova dinâmica, que demonstra a produção de conhecimento livre como alternativa economicamente viável e sustentável. O código aberto está trazendo para a inovação o que a linha de montagem trouxe para a produção em massa. Estamos caminhando para uma era em que a colaboração substituirá a corporação. Uma opção pela descentralização do poder catalisado pelas conversações de uma sociedade em rede.

Ao invés de telespectadores, pessoas que desejam protagonizar suas existências e colaborar

As pessoas não querem mais ser telespectadores. Elas têm a possibilidade de interagir com as comunidades na internet e, assim, protagonizar as próprias existências. Buscando na comunidade digital os interesses comuns. Uma alternativa para o crescimento colaborativo.

Entra a internet. E por incrível que possa parecer, essa ferramenta fez um estrago nas idiossincrasias dos poderosos. A internet é maquínica. Pois recria um poder nômade no âmago. Um poder que se recria a cada instante. Catalisados pelos nós das redes. Uma reviravolta acontece nos dogmas ocidentais. Onde se lia transcendência, agora se enxerga e vive a imanência

Nesse sentido, estamos num processo de progressão jamais visto. Pois qualquer pessoa tem a possibilidade de publicar na rede, seja em forma de email, artigos, blogs, músicas ou imagem. A internet é um meio multimídia que dá às pessoas inúmeras formas de expressão. A cultura cibernética não é nada mais do que uma compilação de tal diversidade. Está em curso um processo silencioso, uma revolução que não será televisionada, que provocará mudanças profundas na sociedade.