sábado, 12 de abril de 2008

4º Festival da MPB - TV Record (1968)


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Agronegócio, desenvolvimento e meio ambiente (1)





Rogério Grassetto Teixeira da Cunha

Já escrevi nesta coluna sobre como, por uma destas viradas da vida, passei, há pouco mais de dois anos, a escrever artigos sobre temas ligados à criação animal e ao processamento de carnes, o que me levou a freqüentar feiras ou encontros científicos ligados ao agronegócio. Nas palestras a que assisto nesses eventos, noto alguns aspectos constantes, como comentários (obviamente acríticos) enaltecedores das virtudes do agronegócio em termos de participação e expansão do PIB, geração de empregos, volume de exportações etc. É corriqueiro ainda perceber um enfoque, subjacente ou explícito, de defender-se ou procurar-se sempre mais e mais crescimento, esta insana e insustentável obsessão da economia.

Por outro lado, também vejo muitas ressalvas à questão ambiental do tipo: "e podemos crescer ainda respeitando o meio ambiente". Tenho cá as minhas dúvidas sobre a sinceridade destas afirmações e o quanto elas refletirão a realidade dos nossos campos. Para mim, parecem discursos vazios, incluídos apenas porque o tema está na moda e porque certos países importadores são rigorosos neste quesito. Mas qual é a relação real entre agronegócio, desenvolvimento e meio ambiente? Não pretendo, obviamente, esgotar o assunto, que daria material para um livro inteiro. Mas pretendo aqui estabelecer um contraponto crítico a esta visão dogmática reinante.

Em primeiro lugar, considero que usar o termo "agronegócio" já é problemático de saída, pois ele abrange setores bastante distintos em termos econômicos e sociais, colocando coisas muito diferentes num mesmo balaio. Por exemplo, o setor da soja abrange uma produção rural altamente mecanizada (portanto geradora de poucos empregos), com propriedades de tamanhos diversos (menores na região Sul e de grandes a enormes no Centro-Oeste, Norte e em parte do Nordeste). Em termos de processamento e exportação, o setor é dominado por poucos e fortes grupos intermediários, uma porção substancial deles de origem estrangeira (as famosas empresas do grupo ABCD: ADM, Bunge, Cargill e DuPont). O processamento também não é muito sofisticado (logo não gera muitos empregos) e uma parte do dinheiro que entra com as exportações sai de volta na remessa de lucros, pagamento de royalties e ‘otras cositas’ do gênero. Aliás, os governos gostam de falar só na balança comercial do país, mas escondem ao máximo a balança de pagamentos, que é tudo que entra menos tudo que sai de dinheiro. Isto porque esta última é minguada, minguada, e divulgar estes dados evidenciaria a real contribuição (ou a falta dela) ao país.

Já o setor de frangos, por exemplo, possui uma lógica bastante diferente. A produção é concentrada no sul do país, em pequenas propriedades integradas a grandes empresas, em sua maioria de capital nacional (Aurora, Perdigão, Sadia etc.), e o setor possui uma maior agregação de valor que no caso anterior, portanto gerando mais empregos. O dinheiro das exportações não volta ao exterior, como no caso da soja.

E assim poderíamos seguir com cada um dos principais setores ligados ao campo: álcool/açúcar, gado, milho, suínos, tabaco (sim, infelizmente um dos setores nos quais o Brasil se destaca), laranja, arroz e produtos florestais, madeireiros e não madeireiros. Cada um apresenta suas especificidades em termos de regionalização, nível de mecanização da produção, tamanho das propriedades, presença e nacionalidade de processadores/empresas intermediárias, número de empregos gerados, nível de agregação de valor ao produto etc. E as diferenças obviamente seguem também no campo ambiental.

Então, não há essa relação absoluta que se quer estabelecer entre agronegócio considerado como um bloco monolítico e desenvolvimento do país. Há que se pensar em cada cultura separadamente. Há setores que promovem mais emprego, renda e geração de divisas e setores que geram menos de tudo isto. Seria preciso ainda, a meu ver, considerar a contribuição de cada setor em termos relativos e comparativos a outros setores industriais e de serviços. Assim, para cada cultura, quantos empregos são produzidos por milhão de reais de receita, de lucro, de exportação ou de qualquer outro índice relativo que permita comparações, geralmente obscurecidas por números absolutos? Este índice é certamente maior para a maioria dos setores industriais e de serviços quando comparados à maioria dos setores do agronegócio. Para exemplificar, a produção de um milhão de reais em chips de computador seguramente gera muito mais empregos que o mesmo valor em grãos de soja.

Seria interessante também avaliar e comparar como a renda é distribuída ao longo de toda a cadeia produtiva. Aqui, imagino que alguns poucos setores agrícolas (baseados em propriedades menores, por exemplo) estejam melhores que certos setores industriais. Embora, no geral, o nosso sistema econômico atual trabalhe sempre com uma grande desigualdade na distribuição da riqueza gerada.

No item comércio exterior, se formos pensar em primeiro lugar na nossa população e país, concluiremos que é um absurdo exportarmos tanta comida, quando ainda há bolsões de fome e miséria no país. Neste caso, pouco importa se a culpa é do agricultor, do intermediário, do exportador, do governo ou do sistema. O que importa é que isto é, conceitualmente, um disparate e os governos deveriam ser firmes na reversão deste quadro. Mais absurdo ainda é exportarmos litros e mais litros de combustível (e querermos exportar mais ainda), produto com baixíssimo valor agregado, ocupando (e ampliando) espaço de terras produtivas e ajudando o desenvolvimento de outros países, sem nem ao menos termos completado a conversão de toda a nossa matriz de transportes.

Mas nos quesitos de emprego e renda, a agricultura poderia dar uma contribuição muito maior ao desenvolvimento do país com algumas modificações na estrutura do modelo adotado. Por exemplo, deveríamos contar com um plano decente de reforma agrária, com apoio técnico qualificado e constante após a distribuição de terras e também critérios mais claros e objetivos para a cessão de terras, controle do uso e punição de eventuais abusos. Deveríamos incentivar mais fortemente a agricultura familiar. Outros pontos interessantes são o favorecimento do cooperativismo e o incentivo ao estabelecimento de agroindústrias pelas próprias cooperativas.

Finalmente, seria necessário exercer um maior controle sobre a atuação dos intermediários no processo (agroindústrias, esmagadoras, processadoras, usinas, frigoríficos) para evitar a exploração do produtor, a formação de cartéis, a uniformização de preços. Com tudo isto, a distinção entre agronegócio, agricultura familiar e reforma agrária poderia aos poucos ir tornando-se menos aguda e ideologizada.

Isto tudo no quesito desenvolvimento. E no campo ambiental, preocupação tão relevante para esta coluna e colunista quanto a social? Aqui também quase todos os setores do chamado agronegócio patinam, mas isto é assunto para o próximo artigo.

Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews. E-mail: rogcunha@hotmail.comEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email

O desastre midiático

O jornalista espanhol Pascual Serrano construiu um "arquivo da vergonha jornalística", reunindo flagrantes demonstrações da deterioração de uma profissão que ameaça ruir. Hoje, a verdade informativa é quando toda a mídia (imprensa, rádio, televisão e Internet) diz a mesma coisa sobre um tema, diz que uma coisa é verdade… mesmo que seja mentira.

Epílogo do livro "Pérolas 2. Balelas, disparates e trapaças nos meios de comunicação", de Pascual Serrano.

Indispensável. Este é um livro indispensável para tomar consciência da amplitude do atual desastre midiático. E temos que agradecer Pascual Serrano pelo talento que esbanjou ao constituir o “arquivo da vergonha jornalística” conseguindo arrebanhar tão flagrantes demonstrações da deterioração de uma profissão que ameaça ruir.

O que Pascual Serrano revela com esta nova coleção de “balelas, disparates e trapaças” é que alguma coisa deixou de funcionar nos nossos meios massivos de comunicação. E que, por isso, a informação – ou, melhor dizendo, a desinformação – passou a ser uma das principais ameaças que pairam sobre nossas democracias na hora da globalização econômica.

Uma das razões desta situação mora no fato de que a maioria dos grandes jornais do mundo, se formos falar da imprensa escrita, não são, hoje, dirigidos por jornalistas. Agora são quase sempre dirigidos por egressos das Escolas de Comércio, de Escolas de “Ciências Empresariais”, que são os que, evidentemente, estão com as rédeas da empresa midiática, que irá se comportar como uma empresa que, antes de mais nada, vai pensar em suas relações com os “clientes”, e os clientes são os compradores dos jornais ou os ouvintes do rádio ou os telespectadores da televisão, mas são percebidos principalmente como “clientes”.

Quando se trata de globalização, os principais poderes são o poder econômico e o poder midiático. O poder político vem em terceiro lugar. E o poder econômico, quando se alia com o poder midiático, constitui uma enorme alavanca, capaz de fazer tremer qualquer poder político. Esta é uma das grandes realidades de hoje, ainda que, às vezes, continuem nos apresentando a realidade de maneira diferente. E isso é democraticamente escandaloso, porque o poder político é eleito nas urnas, mas o poder midiático e o poder econômico não são e, assim, não têm legitimidade democrática. Além disso, o poder econômico domina cada vez mais o poder midiático, porque controla, compra e concentra esses meios. E nós estamos em uma situação orwelliana, na qual os donos da produção industrial são, ao mesmo tempo, os senhores dos sistemas de manipulação das mentes.

En nome da necessidade de ganhar um número de clientes cada vez mais amplo e ter mais consumidores, os meios de informação massiva estão integrando três características:

Primeira característica: cada vez mais o discurso, a mensagem jornalística, é mais simples, mais básica. Uma mensagem simples quer dizer que utilizará muito poucas palavras, um número de palavras muito limitado.
Digamos que se o léxico do castelhano tem, por exemplo, trinta mil termos, cada vez mais os meios de informação irão utilizar apenas oitocentas palavras, para que todo o mundo entenda. Com a idéia de que é preciso expressar-se de maneira muito básica, muito simples, porque tudo o que for raciocínio complexo, tudo o que for pensamento inteligente, acaba sendo complicado demais e sai do sistema de informação tradicional.

Existe uma forte tendência à simplificação, e a simplificação mais elementar é a concepção maniqueísta das coisas: qualquer problema se transforma em um problema simples de dois termos: o bem e o mal, o branco e o preto. Uma coisa tão complexa como a geopolítica internacional, por exemplo, é interpretada em termos de bem e de mal. Ou seja, uma concepção extremadamente maniqueísta. Em qualquer debate não mais se entra em considerações que possam pôr em destaque a complexidade de alguma situação, a necessidade de períodos de adaptação, etc. São suprimidos os matizes. O raciocínio torna-se digital: zeros e uns. O resto é para “intelectuais”.

A segunda característica é a rapidez. A informação deve ser consumida rapidamente, quer dizer que seja qual for o valor da informação se tentará passá-la em um espaço muito curto. Por exemplo, se for a imprensa escrita, irá se expressar não apenas com palavras muito simples, mas em frases muito curtas. As manchetes praticamente farão um resumo, uma síntese, do que diz o texto. Poucas notícias terão mais de duas ou três laudas, e, evidentemente, em duas ou três laudas há muito pouco que se possa explicar. Em outras palavras, a idéia está no fracionamento: é oferecido um fragmento da informação, mas esse fragmento é apresentado como se fosse o todo. É uma concepção metonímica da informação, porque a idéia é que o consumidor não sofra consumindo. Por exemplo, nos telejornais todos os estudos demostram que a duração média de uma informação é, digamos, de um minuto e fração. Em um minuto e pouco não é possível explicar tragédias como a da guerra do Iraque ou questões como as do islamismo radical, etc.

Finalmente, a terceira característica destas informações de palavras simples, maniqueísta e rápidas: suscitar emoções. Por exemplo, o intuito é fazer rir ou fazer chorar, o intuito é distrair. Na verdade, a informação massiva está feita para distrair, é cada vez mais uma forma de distração. A imensa maioria das informações é para distrair; se não chegássemos a conhecê-las isso não seria uma tragédia pessoal para nós. E temos visto como as informações people (gente), anedóticas, cresceram imensamente. Acontecimentos, dramas pessoais, tudo isso ocupa um enorme espaço na mídia.

Ou seja, do que se trata, na verdade, é de construir informações que sejam simples, rápidas e divertidas. Essa é uma característica geral e universal. A mídia norte-americana é, de certa maneira, o modelo e o motor deste tipo de informação que está se impondo em todas partes e que triunfa também na Internet.

Com essas características, a informação muito dificilmente pode construir consciência cidadã, construir um sentimento cívico, construir coesão social, ou coesão nacional. Há uma imensa distância entre este projeto, que teoricamente deveria ser o da informação, e a prática real que Pascual Serrano constata neste livro, no qual, de certa maneira, graças a tantos exemplos insólitos, se pergunta: o que é um discurso cujas características principais são a simplicidade, a rapidez e a distração-emoção?

A resposta aparece muito claramente: um discurso infantilizante. De fato, somente com crianças de pouca idade se fala com uma linguajem limitada, com poucas palavras, para que elas entendam. Não são utilizados conceitos filosóficos, também não é bom alongar-se muito, porque cansaria. E não se fala de maneira séria, porque se pensa que com a reatividade emocional é suficiente. Ou seja, que dispomos de um mecanismo de informação que na verdade está concebido para infantilizar o cidadão.

Por outro lado, com a explosão da Internet e da Web 2.0 estamos em um universo no qual há muito mais informação do que podemos consumir. Portanto, agora o problema não é a falta de informação; é a seleção da informação. Durante muito tempo, a maioria das sociedades humanas viveu sob sistemas autoritários de poder, que praticaram a censura. O controle da informação era de importância capital para o poder e, por conseguinte, a realidade da informação era a escassez. Havia muito pouca informação que circulava, e o controle dessa circulação era o que dava mais poder ao poder.

Hoje essa situação mudou. A informação circula de modo superabundante e ninguém pode detê-la. Não há nenhum poder suficientemente autoritário para impedir a informação de circular. É muito difícil. A Internet agora nos permite ter acesso, quase gratuito, a jazidas literalmente oceânicas de informação e a dificuldade é como podemos nos orientar por esse labirinto. Isso apresenta enormes problemas. E o primeiro destes problemas é o da censura. Porque a censura mudou.

Antes, a censura era exercida pelo poder político ou pelo poder, digamos, moral ou religioso, havia pouca informação e os cidadãos diziam que era preciso lutar para obter mais liberdade de informação. O que chamamos de liberdade? Liberdade de comunicar, em resumo. A liberdade de pensar livremente, de comunicar suas idéias, a liberdade de reunião, a liberdade de expressar-se ou a liberdade de imprimir, etc., isso é, no plano político, a liberdade. Justamente a liberdade é a margem de possibilidade da expressão dos grupos sociais que constituem uma sociedade.

E então, os cidadãos diziam, quanto mais liberdade tenhamos, mais comunicação haverá; ou, pelo contrário, quanto mais comunicação exista, mais liberdade haverá. E assim foram feitas as revoluções no século XVIII, essencialmente para ter a possibilidade de comunicar, de trocar informações. Os cidadãos tinham, inconscientemente, a idéia de que quanto mais comunicação houvesse, mais libertad haveria em nossas sociedades.

Mas não há dúvida que, já há alguns anos, temos percebido que essa curva, que era quase uma mediatriz, uma diagonal ascendente, proporcional, por assim dizer —quanto mais comunicação, mais liberdade havia— e que parecia que ia subir até o céu, mudou.

Na verdade, como demonstra com brilhantismo, do seu jeito, este livro de Pascual Serrano, percebemos, depois de todas as manipulações midiáticas ligadas ao ocorrido na Romênia, ao assunto Tamisara, à Guerra do Golfo, à Guerra do Iraque, ao 11 de março, etc., que ter mais informação não trazia mais liberdade. E, então, nossa curva que subia como uma diagonal, de repente transformou-se em uma paralela.

Por muita informação que houvesse, nossa liberdade não se modificava, se mantinha inalterável. E o perigo que corremos neste momento é que quanto mais informação tenhamos, menos liberdade teremos. Porque a informação agora me engana, me confunde, me desorienta. Há tanta informação não verificada, tanta “balela" como diz Pascual Serrano, que não sei mais o que pensar. Na verdade, estou percebendo que muitas dessas informações que recebo estão mentindo, como mentiram durante a Guerra do Golfo, como mentiram em Timisoara, como mentiram na Bósnia, como mentiram no Kossovo, ou como o engodo das “armas de destruição massiva” para justificar a guerra do Iraque.

Quanto mais informação existe agora, menos liberdade ela me proporciona. Porque não sei mais o que fazer, e percebo, de fato, que o funcionamento da verdade das nossas sociedades é muito relativo. O que é a verdade em matéria de informação? A verdade informativa é quando toda a mídia: a imprensa, o rádio, a televisão e a Internet dizem a mesma coisa sobre um tema, dizem que uma coisa é verdade… mesmo que seja mentira. Isto está restabelecendo esse princípio que Aldous Huxley desenvolveu em seu romance Um mundo feliz... Huxley diz: “Trinta e seis mil repetições constituem a verdade.” Se a mídia repete algo trinta e seis mil vezes, estabelece a verdade… mesmo não sendo verdade. E assim os cidadãos não sabem mais onde está a verdade. E a mídia, em vez de contribuir para nos guiar neste labirinto, o que faz é nos confundir mais, nos enganar mais, nos manipular mais.

Por isso se criou uma tal desconfiança com respeito à mídia na sociedade. A riqueza principal dos meios de comunicação é sua credibilidade. nenhum capital é mais importante para um meio de comunicação que sua credibilidade, porque o que eles vendem é, na verdade, essa credibilidade. Nós compramos porque eles são confiáveis, se não fossem confiáveis para que iríamos comprar, ou senão, para que vou assistir tal programa de televisão ou escutar o rádio se não confio no jornalista ou no meio que está se expressando? É seu principal capital, e este capital, como demonstra com clareza evangélica este livro de Pascual Serrano, está sendo dilapidado.

Tradução: Naila Freitas / Verso Tradutores