sexta-feira, 9 de março de 2012

Kelli Mafort: É preciso unificar a luta da mulher do campo e a urbana

 Vanessa Ramos página do MST

Há tempos que as mulheres brasileiras não seguem o exemplo das “Mulheres de Atenas”, de Chico Buarque. “… Quando fustigadas não choram, se ajoelham, pedem imploram mais duras penas; cadenas…”. Em vez disso, hoje as mulheres lutam, juntam forças, fazem exigências e protestos.
Mesmo com todos os problemas que ainda persistem em relação às questões de gênero em nossa sociedade, as mulheres têm se mostrado fortes e desafiadoras ao se colocarem na linha de frente de muitas lutas e, assim, dão passos largos para transformações históricas na sociedade.
O dia 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, simboliza também o dia internacional de lutas das mulheres do campo e da cidade. “Toda vez que as mulheres se põem em movimento dentro das organizações, ajudam-nas a trilhar por um caminho de ofensiva, que é o caminho dos trabalhadores”, avalia Kelli Mafort, do Setor de Gênero do MST, que atua no estado de São Paulo.
Em entrevista à Pagina do MST, Kelli conta como as mulheres se posicionam em relação a algumas questões políticas, sobre a violência contra a mulher e sobre as distintas lutas que participam.
Leia abaixo a entrevista.

Qual é o objetivo da Jornada de Lutas das Mulheres neste ano?

A jornada tem como temas principais a questão do veto da presidenta Dilma às alterações do Código Florestal. Essas alterações apenas favorecem os ruralistas e o agronegócio. Então, já estamos nos mobilizando para exigir o veto da Dilma.
Outro tema também presente é a questão dos agrotóxicos. Esse já foi um tema discutido no ano passado e que persiste, dada à posição que o Brasil ocupa no cenário mundial, como um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, favorecendo principalmente as empresas ligadas à produção de venenos.
Além disso, a jornada também pauta a paralisia da Reforma Agrária. O ano de 2011 foi um dos piores anos da Reforma Agrária. Queremos reverter esse quadro, pois o Estado brasileiro tem se organizado para dar suporte ao agronegócio. As mulheres vão às ruas no dia 8 de março para denunciar essa situação de privilégio e exigir que a Reforma Agrária saia do papel.

Como vocês se posicionam e discutem no campo a questão da violência contra a mulher?

A questão da exploração, no caso das mulheres, está inserida, em geral, na classe trabalhadora. Por isso, quando falamos em gênero no MST, também está ligado a questão da classe. São as mulheres inseridas na classe trabalhadora. Ainda vivemos numa sociedade patriarcal. A nossa luta é contra a sociedade patriarcal e contra a sociedade capitalista. O capital opera em diferentes dimensões e também na questão do patriarcado. A violência a qual as mulheres são submetidas são expressadas de diferentes formas. A violência física, a violência doméstica é uma dessas formas, mas, na realidade, a nossa luta é contra todos os tipos de violência contra as mulheres.

Por que o sistema capitalista afeta principalmente as mulheres?

O sistema capitalista afeta principalmente as mulheres porque a luta por uma igualdade de direito, na caso das mulheres, é uma luta que não pode ser efetivada dentro desse sistema. A luta histórica do feminismo tem a bandeira da emancipação. No entanto, uma igualdade substantiva, que não é uma igualdade superficial, só na aparência, só é possível com alteração do modelo de sociedade.
Essa luta fica mais forte, mais intensa, no dia 8 de março. Apesar disso, muito ainda se faz o uso inadequado desse dia, como um dia de embonecar a mulher, além de uma série de deturpações do que é o dia 8 de março. Pra gente, o dia 8 de março é um dia internacional de lutas, uma vez que os nossos direitos de igualdade não foram alcançados e não serão alcançados nessa sociedade.
A história tem mostrado que quando os trabalhadores e as trabalhadoras se colocam em movimento, eles obtém conquistas. Não podemos esquecer que somos a maioria da população. Acho que a gente precisa ter essa concepção e acreditar que podemos ser muito mais feliz do que somos na sociedade atual e pra isso, temos que nos organizar, nos colocar em movimento.
A luta não pode ser só pela Reforma Agrária. A luta tem que ser por uma transformação social não só do MST, mas também de outras organizações e de outras mulheres que não estão ainda engajadas em nenhuma organização. A gente precisa se dispor a fazer trabalho de base, a se movimentar para garantir essas conquistas.

A luta da mulher do campo está separada da luta da mulher urbana?

Sem dúvida, é preciso uma unificação. As ações do dia 8 de março desse ano já revelam essa indicação. Em vários estados, as ações das camponesas vão acontecer junto às trabalhadoras urbanas. Por exemplo, a indignação com o despejo das famílias do Pinheirinho, uma ação que aconteceu no estado de São Paulo, no município de São José dos Campos, é um tema que está bastante presente na nossa jornada, que representa também a luta dos movimentos sociais de uma maneira geral.
Nossa luta é contra a repressão do Estado, contra a repressão aos trabalhadores. Isso mostra que não é uma luta somente do campo ou que há diferenças na luta do campo e da cidade. A própria ação que aconteceu nesta terça-feira (6), no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, da ocupação do Ministério da Fazenda, foi uma ação do MST, da Via Campesina e das trabalhadoras urbanas. Várias outras ações 
também estão nessa direção.

De que forma as camponesas pretendem contribuir para a construção da soberania alimentar no país?

A partir de 2006, a ação que nós realizamos na empresa Aracruz, no Rio Grande do Sul, foi um marco tanto da mudança na forma da luta do dia 8 de março como também uma luta que revelou as alterações no meio rural. Hoje, nós temos um campo organizado para o capital, que não garante a soberania alimentar.
A ação de 2006 revelou um campo com pouca gente, de reprodução do capital e para empresas do agronegócio. As mulheres se organizam para dizer que não é esse o campo que nós acreditamos. Defendemos um campo que garanta a soberania alimentar, que seja um espaço da reprodução da vida e não da reprodução do capital.

Qual o papel da mulher na luta pela Reforma Agrária?

Tem uma canção que diz “ser mulher, a luta vai pela metade”. Nós acreditamos nisso. Além disso, tem uma questão na base material da luta das mulheres que ajuda a puxar o Movimento para uma ofensiva ousada, uma vez que a exploração das mulheres trabalhadoras é dupla. Ela é dupla no sentido de que é uma exploração da classe, mas também há uma violência contra a mulher. A nossa manifestação da luta também é dupla.
Essa dupla exploração puxa as mulheres para ações mais ousadas e com isso ajuda a puxar o interior das organizações, sejam elas do campo ou da cidade. Toda vez que as mulheres se põem em movimento dentro das organizações, ajudam-nas a trilhar por um caminho de ofensiva, que é o caminho dos trabalhadores.