quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Os vícios e as virtudes

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ONTEM falávamos do Ike financeiro que enlouquece o império. Ele não dá um jeito para conciliar o consumismo com as guerras injustas, as despesas militares e os enormes investimentos na indústria de armamentos, que matam, mas não alimentam os povos, nem satisfazem suas necessidades mais elementares.

Nada iria descrever melhor a alienante contradição que as palavras do senador Richard Shelby, o principal republicano da Comissão de Bancos do Senado dos Estados Unidos, quando declarou ao canal de televisão BBC: "Não sabemos quanto vai custar isto. Provavelmente, de US$500 bilhões até um trilhão de dólares, e isso prejudicará os contribuintes mais tarde mais cedo, ou será uma dívida cobrada a todos nós ou aos nossos filhos", relata a agência de notícias Reuters, da Grã-Bretanha.

Ninguém pode duvidar do destino do mundo capitalista desenvolvido e da sorte que promete a bilhões de pessoas no planeta.

Atualmente, a luta é o único caminho dos povos para atingirem uma comunidade em que possam viver com justiça social e decoro, a antítese do capitalismo e dos princípios que regem o odioso e injusto sistema. Na dura batalha por esses objetivos, o pior inimigo é o instinto egoísta do ser humano. Se o capitalismo significa a constante utilização desse instinto, o socialismo é a batalha incessante contra tal tendência natural. Se outras vezes a alternativa na história era voltar ao passado, hoje tal alternativa não existe mais. Trata-se de uma batalha que cabe travar fundamentalmente a nosso glorioso Partido.

Toda manifestação de privilégio, corrupção ou roubo tem que ser combatida e não há justificativa possível para um verdadeiro comunista. Qualquer tipo de fraqueza nesse sentido é absolutamente inadmissível. Nunca foi a característica dos milhares de homens e mulheres que foram voluntariamente cumprirem os deveres internacionalistas, que encheram de glória e prestígio a Revolução Cubana. Nesses princípios de ética e pureza se inspirou o pensamento de José Martí e de todos os que o precederam.

Agora, em meio ao embate recente e destruidor dos furacões, é quando devemos demonstrar aquilo que somos capazes de fazer.

O roubo nas fábricas, armazéns, serviços automotivos, hotéis, restaurantes e em outras atividades onde se manuseiem recursos ou dinheiro, tem que ser combatido sem trégua pelos militantes do Partido. Quando um membro incorrer em tão vergonhosa atividade, além das medidas legais que lhe serão impostas, deverá ser sancionado pelo Partido, sem extremismos, mas de forma madura e eficaz. O capitalismo é vítima do delito comum e defende-se dele mediante sofisticados meios técnicos, do desemprego, da exclusão social, do assassinato e até da violência extrema, que é já inútil perante o tráfico de drogas, que custa centenas e até milhares de vidas a cada ano nalguns países latino-americanos.

Não é fácil a tarefa dos dirigentes em um mundo onde a incitação ao consumismo é permanente através de todos os meios de rádio, televisivos, eletrônicos e escritos, e os métodos de seduzir o ser humano são extraídos de laboratórios e centros de investigação. Observe-se o que acontece com o que chamam de publicidade, pela qual os consumidores pagam anualmente mais de US$1 bilhão. Os anúncios comerciais se repetem tantas vezes que desesperam quase todas as pessoas por sua banalidade.

Mas o roubo fica longe de ser o único mal que prejudica a Revolução. Estão os privilégios conscientes ou tolerados e as invenções burocráticas. Recursos destinados para uma situação temporária, convertem-se em despesas e consumos permanentes.

Tudo atenta contra as reservas em materiais e em divisas do país, o que pode trazer escassez de produtos e excesso de dinheiro circulante. A mesma coisa ocorre quando os que têm dinheiro abundante correm a comprar em excesso aquilo que lhes venderem nas lojas em divisas.

Há mecanismos do Estado com a tendência para generalizar os privilégios ou dar muito mais na concorrência que desatam pelos técnicos e pela força de trabalho disponível. Às vezes, tornam-se camelôs com métodos genuinamente capitalistas na busca de receitas, para administrar recursos com os quais representar o papel de eficientes e ganhar o apoio complacente do seu pessoal. São costumes burgueses e não proletários, e todos temos o sagrado dever de lutar contra eles.

Há países que não hesitam em aplicar a pena capital contra esses delitos. Não acho realmente que seja necessário em nosso caso. Também não premiar estupidamente os incorrigíveis em nossas prisões; que adquiram um ofício, mas não sonhar em torná-los cientistas.

Ao longo da minha vida revolucionária, vi como esses vícios cresciam ao lado das virtudes. Também se detecta enfraquecimento em alguns cidadãos, que se habituam a receber e dedicam pouco tempo a meditar, ler jornais e se informar das realidades. O inimigo, em sua procura de espiões e traidores, sabe muito bem das fraquezas dos seres humanos, mas desconhece a outra cara da moeda: a enorme capacidade do ser humano para o sacrifício consciente e o heroísmo. Os pais gostariam legar bens materiais a seus filhos, mas preferem lhes deixar a herança de uma vida digna e prestigiosa que sempre os acompanhe.

O império deparou-se nesta ilha com um povo capaz de resistir a seu bloqueio e agressões durante dezenas de anos. Por isso, toma medidas mais duras contra Cuba. Tenta lhe arrebatar pessoal qualificado e sua força de trabalho; escolhe os que lhes outorgam os milhares de vistos acordados por ano, enquanto promove, por sua vez, as saídas ilegais; mantém e reforça sua Lei de Ajuste Cubano, que dá privilégios especiais para a emigração ilegal aos cidadãos de uma única nação no mundo: Cuba. Se os estendesse aos demais países da América Latina, em pouco tempo os latino-americanos seriam mais da metade dos habitantes dos Estados Unidos.

O que é ainda mais cínico: recruta mercenários que pretendem impunidade, fornece-lhes orientação e recursos, promove-os internacionalmente, e se compraz em pôr à prova a paciência e equanimidade do poder revolucionário.

A verdade nunca faltará ao nosso povo.

Não só lutaremos sem trégua contra nossos próprios erros, fraquezas e vícios, mas também ganharemos a batalha de idéias na qual estamos envolvidos.

Porém, os chefes do império sempre devem ter certeza de que nem furacões naturais nem furacões de cinismo conseguirão curvar a Revolução.

Antes, como disse Martí, se uniria o mar do Norte ao mar do Sul e nasceria uma serpente de um ovo de águia.

Fidel Castro Ruz

A dinâmica da grande queda

O declínio da capacidade produtiva dos EUA, em contradição com o aumento impressionante do consumo e do crédito, está na origem da crise. Mas ela foi ampliada pela recusa das autoridades a rever dois dogmas do neoliberalismo: o "livre" comércio e a "livre" circulação de capitais.

Gérard Duménil, Dominique Lévy

Chama a atenção o caráter adocicado da nota publicada no último dia 14 de junho, ao término da reunião dos ministros da economia do G8: “A inovação financeira tem contribuído consideravelmente para o crescimento e para o desenvolvimento mundiais; mas, diante dos riscos à estabilidade financeira, é imperativo o aumento da transparência e da consciência dos riscos”. As palavras-chave são: “desenvolvimento” e “inovação financeira”, de um lado; e “transparência”, de outro. Outros termos estão ausentes, como “regulamentação”, por exemplo. E não se faz menção aos fatores subjacentes à crise: os desequilíbrios crescentes da economia norte-americana.

No cerne dos mecanismos que culminaram na crise atual, encontra-se, além da ausência de regulamentação dos processos financeiros, algo que se pode denominar de “a trajetória neoliberal” da economia dos Estados Unidos, um itinerário iniciado nos primeiros anos da década de 1980, após três décadas de keynesianismo. Cinco grandes tendências estavam presentes. Em primeiro lugar, a redução do investimento produtivo. Com isto, nos referimos ao crescimento de todos os elementos “físicos” necessários à produção: edifícios, máquinas etc. Esse recuo veio acompanhado de uma fortíssima expansão relativa do consumo. Jamais se observou algo parecido no passado. A super-expansão do consumo esteve na origem do aumento do déficit do comércio exterior. Enfim, ecoando tais tendências, é preciso mencionar o duplo aumento da dívida interna (essencialmente a das famílias e a das finanças) e do financiamento da dívida externa pelo resto do mundo.

Uma trajetória bem estranha, impulsionada pelo consumo em detrimento do investimento produtivo, e alimentando-se das importações – demanda sustentada graças ao crédito concedido pelas instituições financeiras norte-americanas, cientes de que nada seria possível sem o financiamento pelo resto do mundo. Isso deveria causar inquietação, mas, ao contrário, a propaganda neoliberal tratou de divulgar a imagem lisonjeira de os Estados Unidos serem a “locomotiva” do crescimento mundial.

O aumento dos desequilíbrios e a crise financeira nasceram nos próprios Estados Unidos, e não seriam possíveis sem o domínio exercido por esse país sobre o resto do mundo. Mas o neoliberalismo também tem uma parcela de responsabilidade, pois os lucros das empresas, dos quais uma grande parte era anteriormente retida para investimento, foram transferidos aos credores, na forma de juros, e aos acionistas, na forma de dividendos. Logo, as empresas passaram a reservar cada vez menos para investir. Além disso, as fronteiras comerciais se escancararam – principalmente para os países da periferia, nos quais o custo de mão-de-obra era baixo (China, México, Vietnã etc.). Uma fração crescente da demanda dirigiu-se para as importações, a tal ponto que, nos Estados Unidos, se pode falar em “desterritorialização” da produção.

A produção diminuiu, e os EUA passaram a depender cada vez mais da generosidade dos estrangeiros. Estranha combinação entre enriquecimento de uma minoria, aumento do consumo dos mais favorecidos e o agravamento dos desequilíbrios da economia nacional

A necessidade de manter a demanda em território norte-americano impôs a injeção massiva de crédito: ano após ano, e cada vez mais, ao passo que a produção era pouco sustentada pelo investimento. Assim, o processo exigiu muito mais crédito do que seria necessário numa economia pouco aberta e voltada para o seu próprio crescimento. Este é o ponto essencial e foi ele o desencadeador da crise financeira: uma trajetória insustentável até as areias movediças do subprime, percorrida mediante o artifício do estímulo sempre renovado, ao preço de um endividamento crescente.

A isso somou-se o papel central do dólar, mundialmente usado nas transações comerciais e financeiras, como divisa de reserva, sobre a qual muitas outras moedas indexaram suas taxas de câmbio. O resto do mundo colaborou alegremente. Derramou-se pelo planeta um fluxo enorme de notas verdes, correspondente ao déficit comercial dos Estados Unidos. Os estrangeiros aplicavam os dólares que recebiam em troca dos bens que exportavam para os Estados Unidos. Compravam ações, obrigações privadas e públicas, bens do tesouro etc. Mesmo porque não tinham escolha. Não havia nenhum meio de absorver tantos dólares desde que essa moeda deixou de ser conversível em ouro. Sem dúvida, o desejo generalizado de se desfazer das notas verdes pressionava sua cotação para baixo e, conseqüentemente, tornava necessária a elevação da taxa de juros nos Estados Unidos. Mas, desde o início dos anos 2000, a taxa de juros de longo prazo permaneceu baixa. Assim, a economia dos Estados Unidos foi derrapando ao longo dessa trajetória em que os desequilíbrios internos e externos, reais e financeiros, se ampliavam progressivamente.

Os detentores de capitais e os segmentos mais elevados da pirâmide salarial (uns e outros se interpenetrando) prosperaram e se distanciaram do resto da população. Mas a produção manufatureira diminuiu, e o país passou a depender cada vez mais da generosidade dos estrangeiros. Estranha combinação entre o enriquecimento de uma minoria, o aumento do consumo dos mais favorecidos e o agravamento dos desequilíbrios da economia nacional, cada vez menos regulamentada.

Como explicar a insistência nesse rumo durante tantos anos? Após as recessões de 1982 e 1990, a atividade foi efetivamente sustentada pelo impulso miraculoso das novas tecnologias, ditas “da informação”. Lentamente no começo, mas de modo particularmente tenaz, a onda agigantou-se na segunda metade da década de 1990: quatro anos de boom, durante os quais os valores tecnológicos foram propelidos a alturas sem precedentes: a bolsa Nasdaq, que negociava ações de 1.053 empresas em janeiro de 1996, passou a abrigar 5.132 em março de 2000. O capital estrangeiro afluiu precipitadamente para aproveitar a inesperada vantagem. Mas ao boom seguiu-se o crack estrondoso: em outubro de 2002, o número de empresas com ações na Nasdaq havia despencado para 1.114.

Em 2001, com o estouro da bolha da informática, veio a recessão, e foi nessa ocasião que se revelaram os efeitos perversos daquelas tendências. O Federal Reserve entrou em cena e fez o seu trabalho habitual:o estímulo ao crédito. Mas as empresas não-financeiras não reagiram ao apelo. Quando faziam empréstimos não era para investimentos produtivos no território dos Estados Unidos, e sim para empreender a pequena batalha das fusões e aquisições ou para incentivar a compra de suas próprias ações . Então, Alan Greenspan aplicou o remédio em dose dupla . Baixou de modo espetacular a taxa de juros, que se tornou cada vez mais baixa e mesmo negativa em termos reais (isto é, uma vez descontada a taxa de inflação).

A ciranda financeira não causou a tendência, pois esta era muito mais antiga e profunda; apenas prolongou a sua duração. Mas as autoridades relutaram em abandonar as regras neoliberais. É que o neoliberalismo não era uma questão de princípios, mas de interesses

O remédio fez efeito. Mas a que preço? O setor financeiro, ou uma fração dele, precipitou-se no espaço aberto pela queda das taxas de juros. E as famílias de classe média responderam pela sustentação da demanda. Convém lembrar que, nos Estados Unidos, a expansão formidável do crédito hipotecário serviu para financiar, ao mesmo tempo, os próprios imóveis e o consumo (como o pagamento dos estudos dos filhos ou o tratamento médico, caríssimo em um país em que a proteção social é deficiente). A partir de 2000, o consumo, que atingira um nível elevadíssimo, parou de crescer mais rapidamente que a produção total; mas a compensação veio da construção civil, aquecida devido à alta dos preços dos imóveis. A economia saiu da recessão.

Essa medalha teve vários reversos: a entrada em cena de um setor financeiro inescrupuloso, que levou à inadimplência muitas famílias endividadas; o aumento acelerado do déficit do comércio exterior e o correspondente crescimento do financiamento desse déficit pelo resto do mundo; a queda das taxas de juros, que instigou as mais temerárias estratégias por parte das sociedades financeiras.

É possível interpretar a conjuntura de saída da crise de 2001 em termos de convergência de interesses entre a política do Federal Reserve e uma grande parcela do setor financeiro privado. Três elementos: 1) uma política de incentivo muito ousada, tornada necessária pela trajetória insustentável; 2) uma resposta eficaz a curto prazo, mas impossível de ser mantida, que levaria ao choque do subprime; 3) uma desvairada efervescência financeira, que prolongou a trajetória além do razoável e multiplicou as conseqüências da crise do crédito hipotecário. A crise e as tendências da macroeconomia alimentavam-se mutuamente. E o endividamento impagável das famílias fez com que se insistisse em uma trajetória perigosa – ao custo do aumento da dívida, ao mesmo tempo em valor e em proporção à renda nacional.

A ciranda financeira não causou a tendência, pois esta era muito mais antiga e profunda; apenas prolongou a sua duração. Não se trata de inconsciência por parte das autoridades monetárias, e sim da relutância em abandonar as regras neoliberais, tal como o exigia a correção da trajetória. Ocorre que o neoliberalismo não era uma questão de princípios, mas de interesses; de modo que as regras encobriam propósitos muito mais importantes e sagrados do que os princípios proclamados. Era o que se veria nos anos seguintes.

Como livrar-se da crise? No início de 2008, podia-se esperar uma intervenção maior do Estado: socorro ao setor financeiro ou a compra dos créditos duvidosos. Mas continuava sendo inconcebível que os dirigentes atacassem o livre-comércio e a livre circulação dos capitais

A amplitude da crise surpreendeu e a urgência da intervenção se evidenciou. Já não estávamos em 1929 e “tudo” se fez para sustentar o sistema financeiro. Primeiro, abriram-se as torneiras da política monetária: ao todo, foram despejados mais de 600 bilhões de dólares, com a perspectiva de novos aportes se necessário, pois agora se tratava de manter em funcionamento um sistema que desabava. Mas isso não foi suficiente, e não faltou quem se emocionasse. Em abril último, o FMI admitia: “Aquilo que começou como uma deterioração relativamente bem contida de certos segmentos do mercado americano dos subprimes degenerou, por metástase, num grave deslocamento para os mercados maiores do crédito e do financiamento, que agora ameaça as perspectivas macroeconômicas dos Estados Unidos e do mundo”

A curto prazo, era difícil impedir a expansão do déficit orçamentário, que já correspondia a 3% da produção do país. E esse incentivo não remediava a crescente dívida externa. Por trás do déficit, perfilavam-se não só a Europa como também, e cada vez mais, os países “emergentes”. Tendo-se em conta as formidáveis reservas financeiras desses novos jogadores e a queda do dólar, a economia dos Estados Unidos transformou-se, para eles, numa pedra no sapato.

Como evitar tal coisa? Podia-se esperar uma intervenção maior do Estado: o socorro ao setor financeiro ou a compra dos créditos duvidosos, o aumento das despesas públicas, a “re-regulamentação” das finanças (proibição de certas práticas de crédito e maior controle sobre os fundos especulativos). Também era possível implementar a defesa das empresas norte-americanas no exterior e nos Estados Unidos. No entanto, continuava sendo inconcebível que os dirigentes atacassem o livre-comércio e a livre circulação dos capitais, essenciais ao domínio das empresas transnacionais norte-americanas no mundo.

Portanto, podia-se entrever um afastamento simulado e limitado das regras neoliberais. Exceções ad hoc. Uma nova lei sobre os investimentos estrangeiros e a segurança nacional, Foreign Investiment and National Security Act, votada em 2007, deu ao presidente norte-americano importantes poderes para limitar os investimentos desse tipo nos Estados Unidos, em nome de uma definição bem ampla da segurança interna. Esse gênero de neoliberalismo “remendado” configura o esquisito destino de uma potência hegemônica cujo domínio a longo prazo está em jogo.

Lei de licença-maternidade abre debate sobre direitos da mulher

Com caráter facultativo, lei não atinge todas as trabalhadoras brasileiras; especialistas avaliam que o modo como a norma está sendo aplicada gera conflitos entre os direitos da mulher e a responsabilidade do Estado e das empresas



Sancionada no último dia 9 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a nova lei que amplia a licença-maternidade em dois meses recebe o apoio de especialistas no que diz respeito à saúde e desenvolvimento da criança.


Entretanto, no que se refere ao campo de trabalho e conquistas das mulheres na sociedade, há opiniões divergentes. A falta de políticas públicas voltadas ao cuidado com as crianças é apontada como uma falha no sistema brasileiro, que torna a norma de licença-maternidade insuficiente às necessidades de mães e filhos.


O projeto de lei traz como característica a facultatividade, tanto para empresa quanto para a funcionária. No entanto, feministas defendem que esse caráter limita o direito da mulher, já que, para ter acesso ao benefício, ela depende da escolha do empregador em participar do Programa Federal.


Eneida Dutra, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) para as áreas de Trabalho e Previdência, alega que a facultatividade abre espaço para pressões quanto à escolha que a funcionária fará. “Esperamos que não haja assédio moral para deixar a mulher insegura em relação à opção pela extensão”, observa.


Dutra explica que o modo como a lei foi elaborada não constitui um direito de fato às trabalhadoras brasileiras, pois é limitado. “Torna-se um benefício e não um direito, porque o direito é universal”, resume. Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 30/2007), de autoria da deputada Ângela Portela (PT-RR), busca a obrigatoriedade do direito a todas as trabalhadoras. Contudo, ainda está em tramitação no Congresso Nacional.


Entretanto, para a senadora Patrícia Saboya (PDT/CE), autora do projeto de lei que amplia a licença-maternidade, essa é uma forma de chamar o empresariado a ter uma consciência social. “Isso porque só adere ao Programa Empresa Cidadã, criado pelo projeto, a empresa que, por ter responsabilidade social, acredita que possa abrir mão de dois meses do trabalho de sua funcionária em troca de lhe conceder um tempo que trará benefícios a seu filho por toda a vida dele. Aliás, uma das grandes vantagens do projeto é ajudar a consolidar, aos poucos, no país, essa cultura da responsabilidade social, fazendo com que as empresas percebam que, ao adotar essa prática, ajudam toda a sociedade”, defende.


Mercado de trabalho


Patrícia Saboya defende, ainda, que a ampliação da licença não acarretará danos para o desempenho profissional das mulheres nem para o desenvolvimento das atividades das companhias. Para ela, esse aumento “terá um efeito altamente benéfico para as próprias empresas. Isso porque as funcionárias, ao retornarem ao trabalho, estarão muito motivadas, mais tranqüilas e com a sensação do dever cumprido”.


No entanto, dúvidas como instabilidade profissional e perda de competitividade frente ao mercado de trabalho são levantadas pelo empresariado e organizações feministas. Uma das preocupações é com a possibilidade de que os empregadores passem a optar pela contratação de funcionários do sexo masculino por conta do período de afastamento que uma funcionária ficará de suas atividades se engravidar.


Para a feminista Sonia Coelho, da equipe técnica da Sempreviva Organização Feminista e membro da Marcha Mundial das Mulheres, tal afirmação não pode ser feita de imediato, pois os resultados virão com o tempo. Ela afirma que o mercado de trabalho “não pode prescindir do trabalho das mulheres”.


Sonia explica que existem trabalhos que somente as mulheres podem realizar, com sensibilidade e agilidade, como trabalhos manuais, devido a sua experiência em trabalhos domésticos. E que se as empresas colocassem homens para fazer, eles levariam muito tempo para aprender e isto seria prejudicial para o próprio empregador. “O mercado de trabalho lucra com o trabalho das mulheres, e, sobretudo, com as desigualdades entre homens e mulheres”, alega.


A senadora Patrícia Saboya também acredita que isso não ocorrerá. “Esse mesmo argumento foi usado quando a Constituição de 1988 estabeleceu a licença-maternidade de quatro meses. De lá para cá, o que vimos foi exatamente o contrário. A cada dia, as mulheres conquistam mais e melhores espaços no mercado de trabalho”, opina.


Eneida Dutra, no entanto, teme que a mulher seja alvo de discriminação por conta do aumento da licença-maternidade. Ela afirma que prefere acreditar na “maturidade do empresariado brasileiro” para que esse tipo de situação não ocorra.


Ascensão profissional


Outro ponto questionado se refere à ascensão profissional da mulher. Francisco Gadelha, presidente do Conselho Temático Permanente de Relações do Trabalho e Desenvolvimento Social da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), alega que a licença-maternidade estendida prejudicará o desempenho e o crescimento na carreira da mulher. Já que, ao sair de licença, ela se desconectará do mundo do trabalho e, quando retornar, estará desatualizada em relação àquele que a substitui, e terá de se readaptar, o que levará algum tempo.


Gadelha reconhece que a mulher tem alcançado destaque no mercado de trabalho e melhor qualificação nos concursos públicos, além de possuir maior escolaridade que os homens. Mas defende que o afastamento do emprego por seis meses impedirá que ela ascenda a cargos melhores. “Isso a prejudica, já que ela ainda enfrenta dificuldades para se impor no mercado de trabalho: as mulheres ocupam somente 11% dos cargos de chefia”, acrescenta.


A especialista em trabalho e professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Claudia Mazzei Nogueira, no entanto, rebate que essa é a lógica empresarial, que visa somente a acumulação de lucros. “Sempre que há a possibilidade de acumular ganhos, há uma prevenção muito grande do empresariado”, explica, referindo-se ao custo que trará para a empresa esse período de afastamento e substituição da funcionária em licença.

Para Sonia Coelho, “as empresas se utilizam desse argumento numa forma de abaixar salários e rebaixar as mulheres”. Segundo a lei, têm direito a gozar do benefício apenas mulheres que estejam empregas formalmente, que possuam registro em carteira, não as que estejam na informalidade.


Sonia explica, no entanto, que muitas mulheres continuam em trabalhos precarizados, com baixos salários, e essa medida complica mais a situação delas, pois as deixam à margem de mais um direito. Para ela, é necessário “olhar a situação das mulheres como um todo, como estão inseridas no mercado de trabalho”.


Outra crítica à nova lei diz respeito às sugestões de vetos à proposta original que se concretizaram na sanção presidencial. O presidente Lula vetou o parágrafo que concedia isenção fiscal às empresas enquadradas no Simples (tratamento tributário diferenciado e favorecido para microempresas e empresas de pequeno porte) que permitissem o aumento da licença-maternidade de suas funcionárias, assim como o artigo que isentava patrões e funcionárias do pagamento da contribuição previdenciária nos dois meses a mais da licença.


Para a professora Claudia Mazzei Nogueira, os vetos são nocivos à aplicação da lei e à aceitação por parte do empresariado. Segundo ela, a norma incentivava a participação de um número maior de empresas, mas, da forma como está agora, prejudica tanto estas como as funcionárias.


A senadora Patrícia Saboya disse que já esperava os vetos, que acabaram comprometendo a abrangência da proposta. Mas, para ela, o fato de a lei ter sido sancionada demonstrou “avanço no campo dos direitos”.