quinta-feira, 25 de março de 2010

Tarik Ali sobre o Iêmen

 Infeliz Iêmen

Há excelente mapa aqui.

por Tariq Ali, em London Review Books

Parti para o Iêmen, já que Obama anda insistindo que “grandes fatias” do país ainda não estariam “sob completo controle do governo”, depois de o senador Joseph Lieberman ter alegremente anunciado que o Iêmen seria alvo adequado para mais guerra e mais ocupação.
O infeliz portador daquela cueca-bomba que tentou explodir o avião de Amsterdam no dia de Natal deflagrou nova onda de interesse pelo país e pela “al-Qaida in the Arabian Peninsula (AQAP)” – porque se disse que, embora o homem tenha sido convertido ao Islã linha-dura na Inglaterra, seu abraço felizmente fracassado com o terrorismo teria sido viabilizado pela AQAP em algum ponto do Iêmen.
O Iêmen é país sóbrio, diferente dos postos imperiais de gasolina espalhados por outras partes da península arábica, onde as elites dominantes vivem em arranha-céus construídos em prazos sempre recordes, projetados por arquitetos-celebridades, cercados por shopping-centers em que se vendem produtos com todas as griffes ocidentais, atendidos por escravos que chegam em ondas do Sul da Ásia e das Filipinas. Sana’a, capital do Iêmen, foi fundada em tempos em que o Velho Testamento ainda estava em produção, sendo escrito, editado e costurado. É verdade que o novo hotel Mövenpick, no coração do enclave diplomático que há na cidade, faz lembrar o pior de Dubai (estive lá quando todos eram obrigados a engolir um menu “Valentine’s Day Dinner Menu”), mas a elite iemenita é cuidadosa e não ostenta riqueza.
A velha cidade murada foi resgatada da extinção-por-modernização, pela Unesco (depois, também pelo Aga Khan Trust) nos anos 80s, e a antiga muralha foi reconstruída. A Grande Mesquita do século 9º está atualmente sendo restaurada por equipe de especialistas italianos associados a arqueólogos locais e têm encontrado objetos e imagens do passado pré-islâmico daquela região. Se vão ou não localizar uma pequena estrutura que se diz que teria sido construída ainda em vida do profeta Maomé, não se sabe.
A estrutura de Sana’a é deslumbrante, diferente de tudo o que se vê no mundo. As construções – arranha-céus de oito ou nove andares – foram erguidas no século 9º e restauradas 600 anos depois, conservando-se o estilo original: tijolos de argila decorados com padrões geométricos em gesso e pedra esculpida (não havia madeira em quantidade suficiente para construir). Faltam só os jardins suspensos em cada piso, que cativaram a imaginação dos viajantes medievais.[1]
Resultado líquido das preocupações ocidentais com a Al-Qaeda AQAP é que, esse ano, os EUA darão 63 milhões de dólares em ajuda ao Iêmen. Um quinto disso já está reservado para comprar armas, e o restante, praticamente todo, irá para o presidente e sua trupe, sem esquecer o que irá para os bolsos dos altos comandantes militares. O que sobrar será disputados pelos chefetes das várias regiões do país. (No total, não está incluído o que o Pentágono enviará para combater o terrorismo, e que ano passado chegou a 67 milhões.) Um empresário iemenita contou-me que ficara boquiaberto, há alguns anos, quando o primeiro-ministro, aparentemente homem moderado e respeitável, exigiu comissão de 30% em negócio que estavam planejando. Percebendo que o empresário ficara chocado, o primeiro-ministro tratou de tranquilizá-lo: 20% iriam diretamente para o presidente.
Não sei se a AQAP é ameaça séria, ou o quanto é séria, de fato. Quantos membros da organização estariam no país, quantos seriam meros visitantes vindos do outro lado da fronteira com a Arábia Saudita?
Abdul Karim al-Eryani, 75 anos, ex-primeiro-ministro e ainda conselheiro do presidente recebeu-me na grande biblioteca no subsolo de sua casa. É homem de fala interessante e falou longamente sobre a história do Iêmen, destacando as continuidades desde o período pré-islâmico até as culturas islâmicas na região. Lastimou que o dialeto árabe falado pelos beduínos de Nejd (que hoje é parte da Arábia Saudita) tenha sido a principal fonte para o moderno dicionário árabe, esquecendo-se assim a real fonte da língua, o dialeto dos Sabeans [talvez “sabinos”? Só o Arnaldo Carrilho saberá dizer!] que viveram onde hoje é o Iêmen, de cujo idioma os autores do dicionário excluíram 5.000 palavras.
Mais adiante, contou-me que, graças ao nigeriano da cueca-bomba, tinha sido visitado por Thomas Friedman, colunista do New York Times. Friedman fez as perguntas que quis, voltou aos EUA e contou aos leitores que “a cidade não é Cabul… ainda”; que a AQAP é um ‘vírus’ que merece urgente atenção antes que a doença se espalhe e torne-se incontrolável. Não cogitou, sequer, da causa da infecção.
Mas quando pedi que Eryani estimasse o tamanho da AQAP, ele riu. “Trezentos? Quatrocentos” – insisti. “No máximo”, disse ele. “No máximo, mesmo. Os americanos exageram enormemente. Temos nossos problemas reais e muito mais importantes.”
O mesmo ponto de vista foi reiterado por Saleh Ali Ba-Surah, ministro da Educação Superior, formado na Alemanha Oriental, como muitos nascidos na república que, até 1990, foi a República Popular Democrática do Iêmen, a porção sul do atual Estado.
As duas partes do que hoje constitui a República do Iêmen – controlada há 20 anos por Ali Abdullah Saleh, o qual, como Mubarak e Gaddafi, está criando o filho para sucedê-lo – representaram duas muito diferentes sociologias ao longo de grande parte do século passado. O norte, das terras altas – onde está a capital Sana’a –, foi dominado por tribos armadas; e no interior da região de Aden, dominavam os operários, intelectuais, sindicalistas, nacionalistas e, depois, os comunistas.
O país foi unificado séculos antes, sob a liderança dos imãs xiitas Zaidi, cujos poderes temporais dependiam da lealdade tribal e da aquiescência dos camponeses. O sul do Iêmen separou-se em 1728; o império britânico em expansão ocupou Aden e a área litorânea em 1839 (no mesmo ano em que começou a ocupar Hong Kong).
O já enfraquecido império otomano ainda abocanhou, pouco depois, uma fatia do norte do Iêmen, mas teve de cedê-la depois da I Guerra Mundial. Sob o império-do-bem dos britânicos, os imãs da família Hamid-ed-Din reassumiram o controle do norte. Em 1948, o governante, Yahya Muhammad, foi assassinado por um de seus guarda-costas, e o filho de Yahya, Ahmad, isolacionista obcecado, assumiu o poder.
Para Ahmad, a escolha foi fácil: seu país poderia ser dependente e rico, ou pobre e livre. Aos poucos, o descontentamento popular cresceu, à medida que Ahmad ia-se tornando cada vez mais excêntrico, mergulhado em morfina a maior parte do dia, ele e os amigos, num quarto iluminado com lâmpadas de neon, brincando com os brinquedos que colecionava desde criança. Não havia no país sequer uma escola moderna, uma estrada de ferro ou fábrica moderna, praticamente nenhum professor e nenhum médico.
Todos apostavam na volta de um irmão exilado do imã, que viria para expulsar Ahmad; ou, antes disso, em que os apoiadores de Nasser no exército do Iêmen perdessem a paciência. Ahmad combatera o nacionalismo árabe de Nasser em 1960, instigado pelos sauditas, fez divulgar pela rádio estatal uma denúncia contra Nassar, e havia quem esperasse por resposta do Cairo. A Rádio Cairo, sim, declarou guerra ao Iêmen. Mas antes que chegassem às vias de fato, Ahmad morreu.
Em menos de uma semana, o chefe da guarda pessoal de Ahmad, al-Sallal, reuniu oficiais nacionalistas e tomou o poder. O imanato chegara ao fim. Em Aden, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas a favor do novo regime. Nas mesmas manifestações deixaram bem claro também que resistiriam contra a ocupação colonial do sul do país pelos britânicos.
Com medo tanto dos radicais nacionalistas quanto de seus muito prováveis apoiadores comunistas, Washington e Londres decidiram que o melhor a fazer seria devolver o poder aos imãs. Os britânicos, doidos para dar uma lição a Nasser e vingar a humilhação de Suez, foram com muito mais sede que os EUA ao pote das armas. A principal preocupação dos norte-americanos era que a infecção iemenita se espalhasse pela península e que, se a intervenção saudita fracassasse, as correntes nacionalistas engolfassem também a Arábia Saudita – o que poria em risco a monarquia. Os sauditas passaram a alimentar os apoiadores dos imãs e as tribos mais conservadoras do norte – com uma mistura barata de islamismo primitivo e muito dinheiro.
Os líderes políticos e militares do novo Estado do norte eram fracos e atrapalhados. Os intelectuais nasseristas no governo aproveitaram-se da indecisão deles e, finalmente, conseguiram convencer o exército a recorrer diretamente a Nasser. Os egípcios, então, com apoio de soviéticos e chineses, mandaram para o Iêmen uma força expedicionária de 20 mil soldados.
Gerou-se assim uma prolongada guerra civil, disputada por simulacros dos personagens oficiais da Guerra Fria – sauditas versus egípcios, para ser bem claro –, que custou a vida de 200 mil iemenitas e deixou em ruínas todo o norte do país.
Os egípcios eram homens do vale do Nilo e o terreno montanhoso lhes era completamente desconhecido. Mas, certos de que seriam invencíveis, não ouviram advertências nem conselhos e trataram os aliados locais, simultaneamente, como inferiores e irrelevantes. A guerra civil enfrentava impasse completo, e crescia a oposição aos métodos dos egípcios, que incluíam o uso de armas químicas. Foi quando aconteceu o brutal massacre dos operários e sindicalistas que faziam oposição aos egípcios em Sana’a e Taiz.
Em 1970, a guerra acabou sem vencedores e um acordo insatisfatório para todos. Os egípcios trabalharam na direção de subornar as tribos para comprar o poder; como resultado, compraram o poder – que foi entregue associado a entidades divinas e muitos pregadores e clérigos. A guerra custara ao Egito um milhão de dólares por dia e a vida de 15 mil soldados, além de quase 50 mil feridos. A subsequente desmoralização do exército pode ter contribuído para a derrota que sofreu na Guerra dos Seis Dias. Seja como for, a ‘guerra relâmpago’ de Israel, em junho de 1967, foi o túmulo do nacionalismo árabe.
A guerra civil forçou muitos comunistas e nacionalistas de esquerda do Iêmen do Norte a fugir para Aden. Ali, soldados britânicos, veteranos franceses da Argélia e mercenários belgas foram recrutados para a empresa do coronel David Stirling, Watchguard International Ltd., para operar por trás das linhas inimigas. Também no sul os nacionalistas estavam divididos: o Egito apoiava a Frente para a Libertação do Iêmen do Sul [ing. Front for the Liberation of South Yemen (FLOSY)] e grupos mais radicais reunidos sob a bandeira da Frente Nacional de Libertação [ing. National Liberation Front (NF)]. Os dois lados lutavam para expulsar os britânicos, e os britânicos, determinados a continuar onde estavam, agarrados a uma base estrategicamente importante e recorrendo cada vez mais a prisões sem julgamento e à tortur a.
Em 1964 Harold Wilson declarou que os britânicos permaneceriam na região, mas que passariam o poder, em 1968, à chamada Federação Sul-arábica [ing. Federation of South Arabia], sob a qual Wilson esperava que a população de Aden fosse mantida sob o controle de sultões do interior.
O plano deu gravemente errado, depois de todas as vilas terem sido bombardeadas, até serem varridas do mapa, pela Força Aérea britânica [ing. Royal Air Force (RAF)]. Em palavras de Bernard Reilly, oficial britânico que viveu praticamente toda a vida em Aden: “Só se pode pacificar país não habituado a governo ordeiro, mediante atos de punição coletiva, assalto e pilhagem.” Os líderes daquelas tribos não desejavam ser pacificados. Começou luta feroz nas ruas do Crater, uma das áreas mais antigas de Aden.
Em 1967, a Frente Nacional de Libertação usava bazucas e morteiros em Aden e atacava diretamente as bases militares britânicas. O governo trabalhista decidiu pôr fim às perdas e ordenou a retirada. “Lamentavelmente” – lê-se em carta do Colonial Office aos seus colaboradores nativos – “não podemos continuar a protegê-los”.
A vitória dos israelenses em junho de 1967 não ajudou os britânicos, porque a Frente Nacional de Libertação não era peão que os Egípcios jogassem como bem entendessem e bem diferente, nisso, da Frente para a Libertação do Iêmen do Sul [ing. FLOSY] a qual, então, estava gravemente enfraquecida. Uma greve geral comandada pela Frente Nacional de Libertação paralisou Aden e ataques de guerrilheiros forçaram a administração colonial a cancelar as celebrações do aniversário da rainha. Seis meses mais tarde, dia 29/11/1967, quando o fechamento do canal de Suez acabou com qualquer importância que Aden tivesse para os britânicos, os britânicos afinal partiram, depois de 128 anos.
Ao mesmo tempo em que Humphrey Trevelyan, último comissário, acenava uma rápida despedida dos degraus do avião que o devolveria a Londres, a Banda da Real Marinha Britânica do HMS Eagle tocava ‘Fings Ain’t Wot They Used To Be’ [as coisas não serão mais como foram, escrito ‘com sotaque’].
A Frente Nacional de Libertação venceu, mas ainda faltava planejar a reconstrução do país. A Frente reunia membros de várias correntes da esquerda: pró-Moscou, maoístas, guerrilheiros à Che Guevara, alguns poucos trotskyistas e nacionalistas ortodoxos. Todos concordaram imediatamente com restabelecer relações diplomáticas com a URSS, o que foi feito dia 3/12/1967. Mas as disputas começaram imediatamente.
O Congresso da Frente Nacional de Libertação aprovou deliberação apresentada pelos radicais, em que se exigiam reformas no campo, o fim do analfabetismo, a formação de uma milícia popular, expurgo nos aparelhos civil e militar, apoio à resistência palestina e cooperação intensa e próxima com a China.
A esquerda dominava no corpo dirigente então eleito. Uma tentativa de putsch liderada pelo exército por pouco não levou à guerra civil; mas comandos guerrilheiros armados cercaram as bases militares e desarmaram os oficiais. Em maio de 1968 já se via que a ala direita da Frente Nacional de Libertação não tinha qualquer intenção de implementar as resoluções do Congresso.
Foi criado um Movimento 14 de Maio, para mobilizar os que apoiavam as reformas. Houve confrontos com os militares, seguidos por um estranho período de calmaria que fazia recordar os Dias de Julho de 1917 em Petrogrado. A direita supôs que havia vencido e declarou que “os organizadores do Movimento 14 de Maio, de tanto ler os escritos de Régis Debray, supuseram que estivessem fazendo “uma revolução dentro da revolução”. Um ano depois, todos entenderam que a esquerda vencera.
A constituição de 1970 declarou o país uma república socialista – a República Popular Democrática do Iêmen – contra os conselhos de China e da URSS. (Em outubro de 1968, o ministro das Relações Exteriores da China, Chen Yi, o qual, ele mesmo, estava então sitiado pelos Guardas Vermelhos, declarou a uma delegação do Iêmen do Sul que visitava a China que “a ideia de vocês, de construir o socialismo, alimentada com slogans irrealizáveis e promessas que não poderão cumprir, pela própria natureza da ideia, afia as espadas de seus adversários.”) O que aconteceu foi tragicamente previsível.
Um Estado economicamente muito atrasado partiu para criar estruturas que institucionalizaram a austeridade e universalizaram a miséria. Promover a industrialização mediante empresas estatais poderia ter ajudado, não fosse pela proibição total de qualquer tipo de produção doméstica, sequer para o consumo das próprias famílias. A isso somou-se o monopólio estatal de todas as modalidades de comunicação, controle estrito sobre tudo que se podia dizer ou publicar, e extinção de todos os partidos do país, exceto o Partido Socialista Iemenita [ing. Yemeni Socialist Party]. Zombaram, ao mesmo tempo, do socialismo e das promessas feitas durante a luta anticolonial. O que é inegável é que o novo sistema de educação e atendimento médico universal, e a aparição da mulher na cena pública marcaram extraordinário passo adiante para toda a região. O que não agradou à Arábia Saudita.
Como desenvolvimento esperável, as potências vizinhas – o Iêmen do Norte, os Estados do Golfo, a Arábia Saudita – puseram-se a trabalhar, estimulados pelo governo Reagan, numa contrarrevolução de dentro para fora, do tipo que estava então sendo tentada na Noruega com os Contras. Em Ali Nasser, apparatchik cru, semianalfabeto, obcecado pelo poder absoluto, que se tornou presidente da República Popular Democrática do Iêmen em 1980, aquele grupo encontrou o instrumento de que precisava.
Por mais de um ano o presidente trabalhou contra o carismático Abdul Fateh Ismail, que o precedera na presidência e liderara a luta contra os britânicos, até conseguir que renunciasse por “motivos de saúde” e partisse para longa estadia na Europa Oriental. Havia vários apoiadores de Ismail na liderança local, quando ele retornou de Moscou em 1985; foi rapidamente reeleito para o Politburo da República Popular Democrática do Iêmen, como líder da maioria.
Dia 13/1/1986, o carro de Ali Nasser foi visto na calçada do prédio do Comitê Central (réplica de outras horrendas estruturas que se viam na Europa Oriental), onde deveria acontecer uma reunião do Politburo. Mas Ali Nasser não compareceu à reunião. Em vez dele, apareceu seu guarda-costas, drogado e armado com uma metralhadora Scorpion; entrou na sala e assassinou à bala o vice-presidente Ali Ahmed Antar, para começar; em seguida matou todos quantos estavam na sala. Foram mortos quatro membros-chave do Politburo, inclusive Ismail, além de outro membros do Comitê Central. Em outros pontos da cidade, homens de Ali Nasser destruíram, a tiros de morteiros, a casa de Ismail; e houve pesado tiroteio em vários pontos. Às 12h30, rádios e televisões de Aden noticiaram que o presidente derrotara uma tentativa de golpe dos direitistas e que Ismail e seus colaboradores haviam sido executados. Três horas de pois, o serviço árabe da BBC anunciava que o “moderado e pragmático” presidente do Iêmen conseguira abortar uma tentativa de golpe pelos comunistas extremistas. E a mesma linha foi acompanhada por quase toda a mídia ocidental, que repetiu a versão da derrota de uma tentativa de golpe apoiada por Moscou para radicalizar ainda mais o Iêmen… e, isso, apesar de Gorbachev já estar no poder na URSS.
À medida que se espalhavam em Aden as notícias dos assassinatos, multidões começaram a reunir-se nas ruas, e soldados conseguiram desalojar os novos donos do prédio do ministério da Defesa e da sala de operações, de onde os homens de Ali Nasser foram expulsos. Os confrontos atravessaram a noite. Morreram muitos membros desarmados do Partido, sindicalistas, líderes camponeses, assassinados pelos soldados de Nasser – que tinham listas de nomes antecipadamente preparadas. Seja como for, depois de cinco dias de luta sangrenta, os “moderados e pragmáticos” foram derrotados. Ali Nasser fugiu para o Iêmen do Norte e de lá, depois, para Dubai. Atualmente, é diretor de um “centro cultural” em Damasco, onde dirige também suas várias empresas.
A matança na reunião do Comitê Central foi o começo do fim da República Popular Democrática do Iêmen. Os prepostos do Ocidente na região, que haviam organizado toda a ação, puseram-se a falar contra “os gângsteres socialistas que ocuparam o governo do país”. Enquanto a URSS começava a desmoronar, começaram negociações entre o Iêmen do Sul e do Norte, e o país foi rapidamente unificado em maio de 1990, comandado por um conselho presidencial de cinco membros que representava as duas ‘metades’. Em 1991, uma nova Constituição levantou todas as limitações à liberdade de expressão e da imprensa e à liberdade de reunião e associação.
Mas a unificação também não deu certo. Os iemenitas do sul sentiam que seus interesses haviam sido traídos, e os repetidos confrontos e discussões não auguravam bom futuro para o governo de coalizão criado depois das eleições. Os socialistas do sul acusavam as gangues apoiadas por Ali Saleh, ex-presidente do Iêmen do Norte, e então presidente do país unificado, de atacar sulistas em Sana’a e em outras cidades. As relações deterioram-se rapidamente e houve escaramuças no Sul entre remanescentes do exército da República Popular e soldados que haviam lutado pelo Norte. Chegou a irromper guerra generalizada em 1994, da qual participaram grupos jihadistas e Osama bin Laden – que apoiavam Ali Saleh. Os sulistas foram esmagados, não apenas militarmente, mas também cultural e economicamente. Houve expropriação, roubo de terra, de propriedades urban as, as mulheres voltaram a ter de cobrir-se dos pés à cabeça (“Se não nos cobríssemos, chamavam-nos de prostitutas. Houve muitos estupros. A brutalidade foi imensa. Nos obrigaram a fazer o que queriam” – contou-me uma mulher sem véu, em Aden).
Quando cheguei a Aden, percebi que a Al-Qaeda da Península Árabe (AQAP, em inglês) é o menor dos problemas do país.
A maioria dos sul-iemenitas anseiam desesperadamente por separar-se do Iêmen do Norte. “Aqui não se trata de unificação. Trata-se de ocupação” – ouvi inúmeras vezes.
A população está sem liderança política e há fortes rumores em Sana’a de que o assassino Ali Nasser estaria sendo preparado pelo atual presidente Ali Saleh para fazer uma reestreia política; Ali Saleh o vê como “o homem da unificação”. Enquanto isso, há manifestações nas vilas e cidades menores, nas quais se queimam a bandeira do Iêmen e fotos do presidente Ali Saleh, e vê-se subir o velho estandarte da República Popular Democrática. A repressão é sempre violenta e a amargura só faz crescer, essa sim, de todos.
Dia 1/3/2010, as forças de segurança cercaram e destruíram a casa de Ali Yafie o qual, na véspera, queimara em público uma fotografia do presidente Ali Saleh. Yafie e oito membros de sua família, inclusive a neta de sete anos, foram mortos. A propaganda governamental acusou-o de ser membro da Al-Qaeda da Península Árabe.
Na noite de 4/1/2010, as forças de segurança em Aden cercaram a casa de Hasham Bashraheel, editor-chefe do jornal Al-Ayyam – fundado em 1958 e jornal que sempre noticiou, com abundância de fotos, as atrocidades do Estado. Por exemplo, publicou fotos dos mortos depois que as forças de segurança abriram fogo contra ex-soldados que reclamavam pagamentos atrasados; o jornal foi fechado em maio de 2009, embora a sala da redação tenha continuado a servir como local de reunião de jornalistas, intelectuais e ativistas de direitos civis. Quando as forças de segurança cercaram o prédio, logo surgiram também defensores do jornal que se reuniram na área. Os policiais dispararam para o ar, para dispersá-los. Depois, atiraram granadas na direção do prédio, onde o jornalista e sua família, inclusive duas netas pequenas, ainda estavam. Todos sobreviveram, miracu losamente, porque conseguiram esconder-se no porão do prédio.
Na manhã seguinte, Bashraheel e seus dois filhos renderam-se publicamente, para, pelo menos, tentar dificultar algum tipo de atentado contra eles e a família. Um ativista local disse-me que “amigos que tenho na polícia” disseram-lhe que havia dois cadáveres não identificados no porta-malas de um automóvel sem placa, em frente ao jornal.
Se Bashraheel e sua família tivessem sido assassinados, os dois cadáveres teriam sido plantados no prédio e identificados como membros da Al-Qaeda da Península Arábica, que estariam recebendo abrigo no prédio do jornal e teriam sido mortos por resistir à prisão. Um guarda pago pela família para cuidar da segurança foi morto, ao tentar render-se. O seu pai foi preso no enterro, dia seguinte. O jornalista foi pessoalmente acusado de “formação de quadrilha armada”. Há boatos de que o embaixador britânico, Tim Torlot, teria escrito ao governo, sugerindo que a mídia independente seria o principal problema no Iêmen. Meu informante em Sana’a garante que viu a carta. Torlot é famoso no Iêmen por ter trocado a esposa por uma ofuscante norte-americana que trabalha para o jornal Yemen Observer, jornal cujo proprietário é o secretário de imprensa do p residente Ali Saleh.
Viajei pelo sul, de Aden a Mukallah. Mas quando vi Shibam, esqueci completamente a política, pelo menos por uns instantes. Essa cidade murada, feita de edificações com paredes de argila, muito altos, alguns com 30 metros de altura, é um museu vivo[2]. Não surpreende que tenha sido escolhida por Pasolini para cenário de boa parte de suas “Mil e Uma Noites”. Pasolini fez mais. De volta a Roma, tanto falou sobre a cidade que conseguiu que a Unesco a declarasse patrimônio universal da humanidade (“World Heritage”). Em 2009, ao fotografarem a cidade de cima de uma colina, quatro turistas sul-coreanos foram mortos por um suicida-bomba do Norte.
Perguntei por todos os lados sobre a Al-Qaeda da Península Árabe. Um habitante de Shiban aproximou-se e perguntou-me num sussurro: “Quer mesmo saber onde Al-Qaeda se esconde?” Fiz que sim, com a cabeça e ele respondeu: “Na sala ao lado do gabinete do presidente”.
O mesmo aconteceu, em versão quase idêntica, também em Sana’a e Aden. Na véspera do Natal, o governo bombardeou (com jatos e aviões-robôs coordenados pelos EUA) duas vilas do sul onde, diziam eles, estaria escondido Anwar al-Awlaki, o clérigo iemenita-norte-americano acusado de ser o mentor do nigeriano da cueca-bomba. Não o encontraram, mas mataram mais de uma dúzia de civis.
O governo de Ali Saleh também enfrentou rebelião na província de Sa’ada, no norte, que faz fronteira com a Arábia Saudita. A população das terras altas anda irritada com os grupamentos de Wahhabitas e, sem ajuda do governo de Sana’a, decidiu se autodefender. Milícias tribais capturaram alguns soldados sauditas.
Resultado disso foi que, dia 5/11/2009, o mundo viu pela primeira vez em ação a Força Aérea Saudita (dita a mais poderosa força aérea na Região, depois de EUA e Israel; mas os aviões enferrujam até desmanchar, em hangares no deserto). Ali Saleh, o presidente, descreve a revolta como uma rebelião de xiitas apoiados por Teerã, e que tem de ser contida à força. Já praticamente ninguém acredita nisso.
O exército iemenita promoveu em agosto passado a Operação “Terra Arrasada” [ing. Scorched Land], que destruiu vilas e desalojou de suas casas 150 mil pessoas. Dada a total ausência de notícias e de organizações humanitárias, não se conhece exatamente a extensão das atrocidades cometidas pelo governo de Ali Saleh.
Muhammad al-Maqaleh, líder do Partido Socialista Iemenita e editor do jornal do partido, o Socialist, obteve depoimentos de algumas testemunhas oculares e publicou-os na Internet em setembro passado. Descreveu um ataque aéreo que matou 87 refugiados em Sa’ada, e incluiu fotografias. Foi preso por quatro meses, torturado e ameaçado de execução, por quatro meses. Finalmente foi apresentado a uma corte de justiça, à qual revelou o que sofrera.
Sana’a ainda não é Cabul, sim. Mas se o regime de Ali Saleh continuar a usar a força contra a população na escala em que está acontecendo hoje, novas guerras civis são hoje muito prováveis.
[1] Ver Salma Samar Damluji (2007), The Architecture of Iêmen: From Yafi to Hadramut.
[2] Há boas imagens em http://whc.unesco.org/en/list/192/.

Subsidio europeu para a população carente...

O Bolsa-família na Europa

Juremir Machado - blog do correio do povo

Dizem que bolsa-família é coisa de país atrasado. Concordo. Todo país europeu desenvolvido e com algum senso de responsabilidade social tem bolsa-família. Sem esse nome, claro. A Alemanha tem. A França tem. Os países escandinavos tem. Até a Inglaterra tem. Os europeus são dinossauros. Na França, o bolsa-família atende pelo nome de “aides sociales” (ajudas sociais). A França é totalmente insensível aos novos tempos. O seguro-desemprego francês pode durar até 36 meses. Depois disso, se a vida continua dura, o sujeito pode ter acesso ao RMI (renda mínima de inserção): 447 euros para uma pessoa só, 671 euros para quem tiver um filho. Quase 2 milhões 500 mil franceses recebem o RMI (nome válido até este ano). A partir dos 59 anos de idade, a pessoa pode receber o RMI sem sequer ter a obrigação de procurar trabalho. Não dá!
As famílias francesas recebem ajuda financeira conforme o número de filhos. O Estado ajuda a alugar apartamento e até a tirar férias. O sistema de saúde é universal e gratuito, inclusive os medicamentos. Que atraso! Um estudante estrangeiro em situação regular na França pode receber ajuda do Estado para ter onde morar. É muita mamata. Lembrete: o governo francês atual é, como eles dizem, de direita. Mas o Estado francês é republicano. A concepção de Estado dos europeus é muito esquisita: uma instituição para ajudar a todos e proteger os interesses da coletividade, devendo estimular a livre-iniciativa e dar condições de vida digna aos mais desfavorecidos. Agricultores recebem subsídios. Empresas ganham incentivos. A universidade é gratuita para todos os aprovados no BAC, o Enem deles. Há vagas para todos. Obviamente não há necessidade de cotas. Que loucura!
Existem instituições privadas de ensino, cujos salários dos professores são, em geral, pagos pelo Estado, pois se trata de um serviço de utilidade pública. Aí os nossos liberais adoram dizer: “E por isso que a França está quebrada”. Tive a impressão de que a crise mundial mostrou os Estados Unidos mais quebrados do que a França. Os mesmos liberais contradizem-se e afirmam: “A França é rica e pode se dar esse luxo...” É rica ou está quebrada? Quase 30% do PIB francês é distribuído em ajudas sociais. O modelo francês enfurece os capitalistas tupiniquins, leitores de revistas como a Veja, cujas páginas pingam ideologia. Visto que dá mau exemplo de proteção social, o Estado francês é chamado de anacrônico, ultrapassado, assistencialista e outros termos do mesmo quilate usados na guerra midiática. Está certo. Moderno é ajudar a turma dos camarotes e mandar a plebe se virar. Acontece que a plebe do Primeiro Mundo não aceita esse tipo de modernidade tão avançada.
É plebe rude. Se precisa, quebra tudo, mas não cede. Os ruralistas de lá são mestres em incendiar prefeituras quando falam em cortar-lhes os subsídios estatais. Nas cidades, a turma adora queimar uns carros para fazer valer seus direitos. Na Europa, pelo jeito, não se melhora o Estado piorando a sociedade. A França tem muito a aprender com o Brasil. Somos arcaicamente modernos. Numa pesquisa recente, a França tem a melhor qualidade de vida da Europa. Nada, claro, que possa nos superar.

Porque o PiG não chama Uribe de ditador e facista??

Por Camilo Raigozo

As mais recentes chacinas têm-se apresentado no estado de Córdoba, onde fica a fazenda O Ubérrimo, de Álvaro Uribe Vélez. Nesse estado, segundo analistas e defensores dos Direitos Humanos, como Iván Cepeda e Jorge Rojas, teve sua origem o modelo paramilitar que depois foi expandido pelo país todo.

Ao respeito, Cepeda e Rojas, contam no seu livro “Às portas do Ubérrimo”, como no coração desse estado não só se criou um modelo paramilitar, mas também, como a perversa estratégia foi aceita pela sociedade cordobesa e as figuras públicas.

O modelo paramilitar cordobés, estendido ou copiado posteriormente em todo o país, era o mesmo que queria para Bogotá, Francisco Santos, segundo manifestaram os chefes paramilitares Mancuso e Jorge 40.

Pois nesse estado de múltiplas covas comuns, deslocamento forçoso, de choro e muita dor, em menos de 24 horas foram assassinadas ao menos 17 pessoas, entre elas um jornalista que se atreveu a denunciar a corrupção, o paramilitarismo e as alianças desses assassinos com a classe política e a força pública.

O passado 19 de março, em Monteria, capital do estado de Córdoba, foi assassinado o jornalista Clodomiro Castilla Ospin, quem denunciava constantemente a corrupção e o paramilitarismo nesse estado.

Em 21 de março anterior, em horas da noite, no vilarejo de São João, do município de Porto Libertador, do estado Córdoba, paramilitares massacraram sete camponeses inermes em um estabelecimento público.

As vítimas foram os irmãos Francisco Javier e María Inés Pertuz de 14 e 16 anos de idade respectivamente, Hamilton José Herrera Ortiz de 17 anos, Edilberto Torres Palacio de 23 anos, Wilber Pantoja Sotelo de 20 anos, Francisco Emiro Rodríguez e Antonio Soto Santamaría de 26
anos.

No vilarejo de João José, do mesmo município, os ‘paras’ assassinaram três pessoas e desapareceram mais uma. No vilarejo Santa Rosita, município de La Apartada, paramilitares massacraram um pai, seu filho e um amigos que viajava com eles. O mesmo sucedeu em Montelíbano, onde foram assassinadas outras duas pessoas.

A comunidade se pergunta: ¿Essa é a aplicação ou é o fracasso da tão anunciada “segurança democrática?
Hora de acordar
Adriano Benayon*   

http://www.anovademocracia.com.br/58/4a.jpgOuro e dólar

Faz tempo que advertimos: manter— se atado ao "sistema financeiro internacional" custará caro a todos os povos, e tanto mais caro quanto maior, em cada país, seu entrosamento com esse "sistema" e quanto mais tempo isso dure.

No artigo Derivatives Collapse and the China Gold and Silver Markets — publicado por Global Research, 10.09.2009 – Bob Chapman mostra que o império anglo— norte— americano amarrou dentro de estreita armadilha os países detentores de créditos em dólares, exercendo sobre eles pressão político— militar e/ou enganando e cooptando seus dirigentes políticos.

Entre outros, chineses, japoneses, alemães e árabes. A China, um dos poucos países com poder para retaliar e exigir compensações, foi induzida a não só acumular dólares em quantidade estarrecedora, mas também a fazer apostas erradas nos mercados financeiros, adquirindo títulos — com a obrigação de, no futuro, entregar ouro e prata — derivados de contratos detidos por bancos estrangeiros.

Dada a tendência, cada vez mais clara, à valorização dos metais preciosos, os logrados que ficaram com esses derivativos sofrerão enormes prejuízos, pois, para entregar esses metais, terão de comprá— los a preços mais elevados. Esses contratos, chamados forward, são, na maioria, negociados fora das Bolsas e exigem o cumprimento da obrigação ao final do prazo estabelecido.

Como outros, os chineses demoraram a perceber a dimensão da enrascada em que caíram ao comprar títulos denominados em dólares. Eles vêm, nos últimos meses, procurando vendê— los e comprar ouro e metais preciosos. Além disso, o governo da China está aconselhando seus cidadãos a fazer o mesmo. Ademais, proibiu as exportações de prata.

Ainda mais preocupante para os concentradores anglo— americanos, controladores das finanças mundiais: diante da escalada nos preços dos metais preciosos, o governo chinês fez saber que cogita renegar contratos forward, por força dos quais teria de entregar quantidades volumosas de ouro e prata.

Um dos objetivos dos anglo— americanos ao induzir os chineses e outros a adquirir esses derivativos foi obrigar os detentores de títulos dos EUA a não despejá— los no mercado, pois, se assim o fizerem, farão elevar o preço dos metais preciosos, sofrendo, em consequência, vultosos prejuízos.

Em setembro, o ouro voltou a ultrapassar US$ 1.000,00 por onça*, apesar das jogadas e pressões dos concentradores financeiros anglo— americanos, coadjuvados por seus satélites europeus, para manter baixo o preço. Nesse contexto, os bancos centrais têm— se desfeito, nos últimos anos, de suas reservas em ouro, o que beneficia adicionalmente os oligarcas, que o têm podido adquirir a preço baixo.

É interessante notar que esses oligarcas, sobre tudo os britânicos, são os maiores detentores do ouro existente no mundo, tanto em cofres de bancos, como em minas de todos os continentes.

Podem— se esperar, portanto, grandes embates no jogo de poder mundial no último trimestre do ano, quando deve ficar desmoralizada a farsa de que a "crise" está terminando.

Novas bolhas vão espocar, como as mencionadas em meus artigos recentes. Só nos EUA, até agora, o Estado gastou com elas US$ 23 trilhões. As emissões monetárias para cobrir os novos rombos certamente farão intensificar a descrença dos fundos soberanos chineses e de outros países em preservar o valor de suas vultosas carteiras de títulos norte— americanos.

Depressão, desemprego e guerra

Com a confirmação, em breve, de que o colapso financeiro mundial e a depressão se aprofundarão, o cenário de confrontação se tornará mais explícito, levando a conflitos armados e/ou a soluções de compromisso entre países dotados de poder real, ou seja, militar — inclusive nuclear — , industrial e tecnológico.

O desemprego, em proporções jamais vistas, acarretará lutas sociais às quais os governos títeres da oligarquia reagirão por meio de repressão e, em parte, de investimentos econômicos e sociais.

Estes, porém, são inviáveis se forem mantidas as atuais moedas e não se cancelar os títulos tóxicos e liquidar os bancos que os detêm. Isso porque a dimensão dos déficits públicos é incontrolável, mesmo sem grandes iniciativas sociais. Mais que isso, elevar, em favor destas, as emissões de moeda, que já são estratosféricas, desencadeará a hiperinflação. A saída clássica, para as poderosas dinastias, é a guerra de grandes proporções.

De qualquer forma, o povo norte— americano é participativo, e os protestos e manifestações já contam com dezenas de milhões de pessoas, embora os grupos estejam, em geral, desorientados e ideologicamente divididos.

O desemprego, altíssimo e crescente, também na Europa, aumentou em mais de 10 milhões nos EUA, nestes dois anos, incluindo os que decidem parar de buscar trabalho, e a cifra segue crescendo a ritmo mensal entre 600.000 e 1 milhão.

A taxa oficial, grandemente manipulada, de quase 10%, mais que dobrou desde 2007. O desemprego que inclui os trabalhadores a título precário e os de tempo reduzido, está perto de 21% da força de trabalho.

A Flórida tornou— se o 19º estado a recorrer a crédito para pagar benefícios sociais. Na Califórnia, onde estão sem emprego 40% das pessoas em idade de trabalhar, o governo, em estado falimentar, cortará, este mês, 140.000 beneficiários.

Brasil

Tenho repetido que os efeitos no Brasil já são graves e que não passa de paliativo a tentativa de elevar os gastos sociais e os investimentos, via BNDES, inclusive elevando, para isso, a dívida pública.

O jogo de poder mundial, sempre pesado, vai sê— lo ainda mais, e para o Brasil é preferível que se prolongue o conflito entre países com poder real a que eles se entendam.

Para países destituídos de poder, a chance de mudar de rumo depende da desordem no sistema imperial, infinitamente melhor que a ordem mundial pretendida pela oligarquia. São condições favoráveis à organização da sociedade brasileira para se dotar de instituições capazes de a levar a evoluir: 1) o impacto da depressão; 2) o choque causado pela transformação em caos do sistema financeiro internacional; 3) a confrontação entre as potências.

Urge, em suma, para o Brasil, encontrar o rumo da independência, saindo da subserviência em que afunda desde 1954, com o Estado financiando e subsidiando as transnacionais. Elas se tornaram a classe dominante no País, têm tido acesso gratuito às suas fabulosas riquezas naturais e feito esmagar as atividades industriais e tecnológicas dos brasileiros.

__________________________
* Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de "Globalização versus Desenvolvimento", editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email
1 Onça (oz) unidade de medida equivalente a a 31,1035g.