segunda-feira, 25 de abril de 2011

Criança, entre livros e TV


A vantagem da leitura sobre a TV é que, frente ao monitor, a criança permanece inteiramente receptiva, sem condições de interagir com o filme ou o desenho animado



Frei Betto

Foi o psicanalista José Ângelo Gaiarsa, um dos mestres de meu irmão Léo, também terapeuta, que me despertou para as obras de Glenn e Janet Doman, do Instituto de Desenvolvimento Humano de Filadélfia. O casal é especialista no aprimoramento do cérebro humano.
Os bichos homem e mulher nascem com cérebros incompletos. Graças ao aleitamento, em três meses as proteínas dão acabamento a este órgão que controla os nossos mínimos movimentos e faz o nosso organismo secretar substâncias químicas que asseguram o nosso bem-estar. Ele é a base de nossa mente e dele emana a nossa consciência. Todo o nosso conhecimento, consciente e inconsciente, fica arquivado no cérebro.
Ao nascer, nossa malha cerebral é tecida por cerca de 100 bilhões de neurônios. Aos seis anos, metade desses neurônios desaparecem como folhas que, no outono, se desprendem dos galhos. Por isso, a fase entre zero e 6 anos é chamada de “idade do gênio”. Não há exagero na expressão, basta constatar que 90% de tudo que sabemos de importante à nossa condição humana foram aprendidos até os 6 anos: andar, falar, discernir relações de parentesco, distância e proporção; intuir situações de conforto ou risco, distinguir sabores etc.
Ninguém precisa insistir para que seu bebê se torne um novo Mozart que, aos 5 anos, já compunha. Mas é bom saber que a inteligência de uma pessoa pode ser ampliada desde a vida intrauterina. Alimentos que a mãe ingere ou rejeita na fase da gestação tendem a influir, mais tarde, na preferência nutricional do filho. O mais importante, contudo, é suscitar as sinapses cerebrais. E um excelente recurso chama-se leitura.
Ler para o bebê acelera seu desenvolvimento cognitivo, ainda que se tenha a sensação de perda de tempo. Mas é importante fazê-lo interagindo com a criança: deixar que manipule o livro, desenhe e colora as figuras, complete a história e responda a indagações. Uma criança familiarizada desde cedo com livros terá, sem dúvida, linguagem mais enriquecida, mais facilidade de alfabetização e melhor desempenho escolar.
A vantagem da leitura sobre a TV é que, frente ao monitor, a criança permanece inteiramente receptiva, sem condições de interagir com o filme ou o desenho animado. De certa forma, a TV “rouba” a capacidade onírica dela, como se sonhasse por ela.
A leitura suscita a participação da criança, obedece ao ritmo dela e, sobretudo, fortalece os vínculos afetivos entre o leitor adulto e a criança ouvinte. Quem de nós não guarda afetuosa recordação de avós, pais e babás que nos contavam fantásticas histórias?
Enquanto a família e a escola querem fazer da criança uma cidadã, a TV tende a domesticá-la como consumista. O Instituto Alana, de São Paulo, do qual sou conselheiro, constatou que num período de 10 horas, das 8h às 18h de 1º de outubro de 2010, foram exibidos 1.077 comerciais voltados ao público infantil; média de 60 por hora ou 1 por minuto!
Foram anunciados 390 produtos, dos quais 295 brinquedos, 30 de vestuário, 25 de alimentos e 40 de mercadorias diversas. Média de preço: R$ 160! Ora, a criança é visada pelo mercado como consumista prioritária, seja por não possuir discernimento de valor e qualidade do produto, como também por ser capaz de envolver afetivamente o adulto na aquisição do objeto cobiçado.
Há no Congresso mais de 200 projetos de lei propondo restrições e até proibições de propaganda ao público infantil. Nada avança, pois o lobby do Lobo Mau insiste em não poupar Chapeuzinho Vermelho. E quando se fala em restrição ao uso da criança em anúncios (observe como se multiplica!) logo os atingidos em seus lucros fazem coro: “Censura!”
Concordo com Gabriel Priolli: só há um caminho razoável e democrático a seguir, o da regulação legal, aprovada pelo Legislativo, fiscalizada pelo Executivo e arbitrada pelo Judiciário. E isso nada tem a ver com censura, trata-se de proteger a saúde psíquica de nossas crianças.
O mais importante, contudo, é que pais e responsáveis iniciem a regulação dentro da própria casa. De que adianta reduzir publicidade se as crianças ficam expostas a programas de adultos nocivos à sua formação?
Erotização precoce, ambição consumista, obesidade excessiva e mais tempo frente à TV e ao computador que na escola, nos estudos e em brincadeiras com amigos, são sintomas de que seu ou sua querido(a) filho(a) pode se tornar, amanhã, um amargo problema.

Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org - twitter:@freibetto

Texto publicado originalmente na edição 424 do Brasil de Fato.

Seduc vai retomar Escolas Itinerantes


A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) vai retomar as atividades das escolas nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), as chamadas Escolas Itinerantes. O Rio Grande do Sul foi o primeiro Estado do Brasil a reconhecer e regulamentar as Escolas Itinerantes, autorizados pelo Conselho Estadual de Educação por meio dos pareceres no 1.313/96 e 1.489/02. O Estado desenvolvia cursos experimentais nos acampamentos do MST nos níveis de Educação Infantil, Ensino Fundamental e na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Ensino Fundamental. As escolas nos acampamentos foram fechadas no ano de 2009, deixando aproximadamente 500 crianças sem acesso a Educação, a partir de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), assinado pelo Ministério Público Estadual (MP) e pela então secretária de Estado da Educação.

A decisão para o retorno das escolas foi tomada a partir de um parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE) que informa a nulidade do TAC, pois o termo deveria ter sido assinado pela governadora do Estado e pelo procurador-geral do Estado. O TAC foi assinado pela então secretária de Estado sem a prévia autorização da governadora Yeda Crusius, o que deixa o documento sem respaldo legal na legislação do Estado. Além disso, o processo ocorreu sem o acompanhamento de um procurador do Estado como determina a lei.

Ao assumir a Seduc, o secretário de Estado da Educação, Prof. Dr. Jose Clovis de Azevedo, solicitou parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE). Sendo constatada a irregularidade da ação descrita acima, determinou a retomada das atividades.

De acordo com a assessora técnica da Seduc para Educação do Campo, Nancy Pereira, o setor de educação do MST está fazendo um levantamento sobre a situação escolar das crianças nas mil famílias acampadas no Estado.

Para a secretária de Estado em exercício da Educação, Maria Eulalia Nascimento, as escolas itinerantes são uma alternativa adequada, legítima e possível para as comunidades dos acampados.


Escolas Itinerantes

É uma escola pública estadual, e está onde as comunidades rurais sem terra estão e fazem a sua luta: nos acampamentos de reforma agrária, nas marchas, nas ocupações e nas mobilizações. É importante ressaltar que não se aplica as escolas localizadas nos assentamentos já regularizados, onde há escolas formais, e que a Seduc está estudando um conjunto de ações para a efetiva implantação da modalidade Educação do Campo, conforme dispõe o decreto lei no 7.352 de 04/11/2010.  O formato pedagógico e estrutural para retomada das Escolas Itinerantes ainda está em análise pela Secretaria. 
 
Fonte: sitio da SEDUC

Falta igualdade para a democracia brasileira, diz Stédile

Guilherme Kolling
Marcelo G. Ribeiro/JC
 
''Brizola foi o primeiro homem público que fez uma lei de reforma agrária'', afirma Stédile.
''Brizola foi o primeiro homem público que fez uma lei de reforma agrária'', afirma Stédile.

Nome mais conhecido do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile avalia que o Brasil tem uma democracia apenas formal, em que, apesar do direito ao voto, a população não conquistou igualdade de oportunidades. Crítico das diferenças sociais entre ricos e pobres, o líder do MST fala, nesta entrevista ao Jornal do Comércio, sobre as raízes do ativismo pela reforma agrária, das dificuldades do MST com a mudança no perfil da agricultura brasileira e projeta o futuro do movimento. Vê avanços no projeto dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, que, para ele, estão substituindo o neoliberalismo pelo “neodesenvolvimentismo”. E aponta que falta envolvimento da sociedade e debate na imprensa e na universidade sobre o modelo de desenvolvimento do Brasil.

Jornal do Comércio - Qual é a sua avaliação do atual momento econômico do Brasil?
João Pedro Stédile -
O governo Lula fez uma política macroeconômica de reconciliação de classes. Garantiu os ganhos para aqueles 5% mais ricos e tirou da miséria os 40 milhões que dependem do Bolsa Família. E freou o neoliberalismo, recuperou o papel do Estado, do Bndes (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que financiava privatizações, agora financia fábricas. O governo Dilma ganha as eleições no bojo da continuidade. Porém, isso tem limite. Não dá mais para apenas distribuir renda através do Bolsa Família. Tem que mudar o modelo. E tem que mexer na taxa de juros.

JC - E essa proposta no atual cenário de aumento de inflação?
Stédile -
Esse projeto neodesenvolvimentista da Dilma saiu perdendo para os setores conservadores do governo, que ganharam o primeiro round contra a inflação ao fazer um corte de R$ 50 bilhões no orçamento e ao aumentar a taxa de juros em 1 ponto percentual. O aumento da taxa Selic é uma burrice. Quem vai bater palma são os bancos, o resto da sociedade vai pagar para eles.

JC - Falta debate sobre o modelo de desenvolvimento?
Stédile -
A imprensa tem que ser mais criativa, propor o debate. Tem que discutir problemas de fundo, o agrotóxico - ninguém escapa, vai pegar também donos de jornal, de televisão, o câncer pega todo mundo. E levar esse debate para a universidade, que está de costas. Levar para as igrejas. Enfim, um mutirão de debate político e social. Estamos num momento de letargia na sociedade. Nem nas campanhas eleitorais se discute projetos.

JC - Qual é a sua avaliação da democracia brasileira?
Stédile -
É uma democracia formal, em que o povo brasileiro ganhou o direito de votar. Mas a população quer as mesmas oportunidades. Então, quando todo o povo brasileiro tiver a oportunidade de entrar na universidade, uma moradia digna, uma informação honesta, cultura, e não depender do Bolsa Família, aí viramos uma sociedade democrata.

JC - Falta igualdade na democracia brasileira?
Stedile -
Sem dúvida. A sociedade brasileira é a terceira mais desigual do mundo. É por isso que não consegue ser democrática.

JC - Como o senhor iniciou na luta pela reforma agrária?
Stédile -
Na Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em 1978, Nonoai (RS), uma área indígena, tinha 700 posseiros pobres. E os índios se organizaram e expulsaram os posseiros, que, da noite para o dia, estavam na beira da estrada. Então, comecei a organizá-los, porque parte queria voltar para as terras indígenas, e aí dava morte; outra parte queria ir para o Mato Grosso, que era a proposta do governo. Nosso trabalho na militância social era: quem quiser continuar trabalhando aqui no Rio Grande, tem terra. E reivindicamos duas áreas públicas, remanescentes da reforma agrária do (ex-governador Leonel) Brizola, que tinham sido griladas.

JC - O senhor já falou da importância do Brizola para a reforma agrária. Foi na gestão dele o embrião desse movimento?
Stédile -
O embrião foi a colonização europeia no Rio Grande. Deu uma base para a democratização da propriedade, eles pegavam de 25 a 40 hectares, nem menos, nem mais. Isso criou uma base de sociedade mais justa. Não é por nada que Caxias do Sul tem um PIB mais elevado que o de toda a Metade Sul. Na década de 1960, Brizola retomou esse embate e foi o primeiro homem público que fez uma lei estadual de reforma agrária. Foram ocupadas muitas fazendas, a mais importante delas foi a Sarandi, tinha 24 mil hectares.

JC - E a denominação Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra?
Stédile -
De 1978 até 1984, em todo o Brasil, a CPT começou a juntar as lideranças desses movimentos e a fazer encontros. Quem deu a marca de Movimento dos Sem Terra foi a imprensa - começou a se noticiarem acampamentos dos “colonos sem-terra.” Quando fundamos o movimento nacional, em janeiro de 1984, já havia essa marca. Incluímos uma questão de classe: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

JC - Como está o MST hoje?
Stédile -
O MST sofreu percalços nos últimos 10 anos, houve mudanças na agricultura. Até a década de 1980, o que dominava era o capitalismo industrial. E o latifúndio improdutivo era uma barreira. Quando ocupávamos o latifúndio improdutivo, a burguesia industrial nos apoiava, porque éramos o progresso. A minha turma dividia terras, ia para o banco comprar máquinas, geladeira... E, na essência, essa é a proposta da reforma agrária clássica: dividir a área improdutiva para ela desenvolver as forças produtivas. Por isso, na maioria dos países da Europa, nos Estados Unidos e no Japão, quem tomou a iniciativa de fazer a reforma agrária foi a burguesia industrial, não os camponeses.

JC - Quais foram as mudanças no Brasil?
Stédile -
O movimento nasceu na década de 1980 no contexto de reforma agrária clássica. Por isso a burguesia industrial e a imprensa nos toleravam: “Ah, está certo, tem que ocupar mesmo.” Com o neoliberalismo, houve uma expansão das empresas transnacionais e do capital financeiro que veio tomar conta da nossa agricultura, desde os anos 1990. Quem tem a hegemonia da agricultura não é mais o capital industrial. Tanto que, na década de 1970, a economia brasileira vendia 80 mil tratores por ano. Quem comprava? O pequeno agricultor. Sabe qual foi a venda de tratores no ano passado? 36 mil. Então, aumentou a potência do trator e diminuiu o mercado. É um absurdo.

JC - Como isso afeta o MST?
Stédile -
Hoje, quando tem um latifúndio improdutivo, as grandes empresas transnacionais também chegam para disputar com a gente. Quando tentamos ocupar a Fazenda Ana Paula, 18 mil hectares improdutivos, acampamos e fomos despejados. Aí, a Aracruz comprou e encheu de eucaliptos. Quantos empregos gerou? Nenhum. Faz sete anos que tem eucalipto lá. Nenhuma renda para o município. Mas a Aracruz vai ganhar muito dinheiro no dia em que colher aquele eucalipto. Então, agora o MST enfrenta barreiras... Mudaram os inimigos de classe.

JC - E encolheu o MST?Stedile - Não, o movimento até que aumentou, mas a luta ficou mais difícil. Para desapropriar uma área ficou mais difícil, porque a força desses capitalistas pressiona para não ter desapropriação. Querem empurrar os pobres do campo para a cidade.

JC - Como o senhor projeta o futuro do movimento, com a presidente Dilma?
Stedile -
As vitórias do governo Lula (PT) e Dilma colocaram uma barreira ao neoliberalismo. Há uma tentativa de reconstruir o modelo de desenvolvimento, com lugar para mercado interno, distribuição de renda e indústria nacional. Mas isso ainda é uma vontade política. No nível macro, está havendo mudanças de rumo: não é mais o neoliberalismo, agora é o neodesenvolvimentismo. Na agricultura, estamos iniciando esse grande embate entre o modelo do agronegócio e o da agricultura familiar. Nossa esperança é que nos próximos dez anos a sociedade perceba que o agronegócio é inviável.

JC - Por quê?
Stédile -
Economicamente porque os únicos que ganham são as transnacionais. Pode dizer: “o Rio Grande produz 10 milhões de toneladas de soja”. E quem fica com o lucro se a soja sai daqui em grão? Voltamos a ser um simples exportador de grãos. Temos que exportar é o óleo de soja. A longo prazo, esse modelo de monocultura, que só beneficia a exportação, é inviável. Ou seja, não agrega valor e não distribui renda, concentra. E expulsa a população do campo. E, terceiro, o agronegócio tem uma contradição com o meio ambiente: só produz com veneno, que mata o solo, os vegetais e o ser humano pelos alimentos contaminados. Então, é uma questão social, e econômica e ambiental.

JC - Se o governo federal promover o assentamento reivindicado para as famílias sem terra, como fica o MST?
Stédile -
Vamos continuar lutando contra o latifúndio. Mas, ao mesmo tempo, temos que desenvolver, nas áreas de assentamento, programas que combinem com esse novo modelo: ter agroindústria, laticínio, reflorestar áreas degradadas, produzir alimentos saudáveis... Esse novo caminho que vamos trilhar é seguir a luta contra o latifúndio, implantando um novo modelo nos assentamentos.

JC - Isso depende mais do governo ou da sociedade?
Stedile -
Depende dos pobres do campo lutarem; do governo ter essa vontade política de deixar o agronegócio para o mercado, as políticas públicas de agricultura têm que estar voltadas para o pequeno agricultor; e depende de a sociedade perceber que a luta pela reforma agrária não pode ser criminalizada, porque é o progresso. É para garantir emprego, renda e comida farta e saudável. Tudo que o agronegócio não consegue.

JC - Como o senhor avalia o papel da imprensa nesse processo?
Stedile
- Os quatro grandes grupos que controlam a imprensa no Brasil - Rede Globo, Estadão, Folha de S. Paulo e o grupo Abril - estão a mercê dos interesses do grande capital, das multinacionais e do capital financeiro. Para eles, não só o MST mas qualquer movimento social que lute contra esse modelo se transforma em inimigo. Quando os operários voltarem a lutar como fizeram em Jirau (usina que está em construção no Rio Madeira, em Rondônia), a hora que os sem-teto voltarem a lutar, a imprensa vai chamá-los de vândalos. Ninguém foi a Jirau pesquisar como os operários estavam vivendo. Mas quando colocaram fogo, a primeira coisa que fizeram foi chamá-los de vândalos. É um caso exemplar de como a imprensa criminaliza e tenta derrotar ideologicamente qualquer luta social.

JC - Mas tem havido perda de apoio de setores mais urbanos da sociedade, especialmente a partir de episódios de violência em ações do MST.
Stedile -
O movimento é contra qualquer tipo de violência, sobretudo, contra pessoas. Mas na mobilização de massas sempre há fatores incontroláveis.

JC - Qual é o seu conceito de burguesia?
Stedile -
A burguesia brasileira é aquele 1%, com as 5 mil famílias que controlam 48% do PIB brasileiro e que são subordinadas ao capital internacional. São as 100 maiores empresas que tiveram lucro de R$ 129 bilhões para dividir entre eles. 

Perfil

João Pedro Stédile, 57 anos, nasceu em Lagoa Vermelha (RS). Passou a infância e a adolescência no Interior, com a família, que produzia uva, trigo e produtos de subsistência. Aos 17 anos, veio para Porto Alegre estudar. Cursou Economia na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) e formou-se em 1975. Estagiou e depois fez concurso para a Secretaria da Agricultura. Atuou na Comissão Estadual de Planejamento Agrícola (Cepa), estimulando o cooperativismo e viajando por todo o Estado.
 Ficou na Secretaria de Agricultura até 1984. Paralelamente, atuava junto aos sindicatos dos produtores de uva da região de Veranópolis, Bento Gonçalves e Caxias do Sul, a quem assessorava em um plano de cálculo do custo de produção. Sua militância foi influenciada pela Igreja, através Comissão Pastoral da Terra (CPT), onde atuou e através da qual se envolveu na questão da terra.
Com a redemocratização, nos anos 1980, diversos grupos, em todo o Brasil, se reuniram e formaram em janeiro de 1984 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que luta pela reforma agrária e do qual Stédile é considerado um dos fundadores - embora não goste disso - e integra até hoje a coordenação nacional. Ele está radicado em São Paulo.

Um olhar verde sobre o jornalismo


A presença dos temas ambientais na mídia e a compreensão dos processos de sustentabilidade exigem profissionais bem formados e com uma profunda visão do papel social da mídia como referência e instrumento de transformações. Por Dal Marcondes

Verde deve ser a cor do jornalismo do século XXI. Não um jornalismo adjetivado de ambiental, praticado por jornalistas especializados em meio ambiente, mas o meio ambiente presente em todo o jornalismo. Os termos jornalismo ambiental e desenvolvimento sustentável são profundamente anacrônicos. Não é desenvolvimento se não for sustentável, assim como é precário o jornalismo que não incluir em suas variáveis a transversalidade ambiental. O jornalista, como um generalista que é, acaba adjetivando seu mister pelo simples fato de que deseja se destacar em uma ou outra área do conhecimento. Sempre haverá o jornalismo econômico, o esportivo, o social e muitas outras variáveis, mas deve estar fadado à extinção a prática exclusiva de uma vertente ambiental.
A mídia e os jornalistas têm um papel fundamental na construção do futuro dentro dos conceitos de sustentabilidade. A ex-primeira ministra da Noruega e diretora da Organização Mundial de Saúde, Gro Brundtland, em seu relatório sobre sustentabilidade definiu o termo de forma muito simples: “Ser sustentável é suprir as necessidades das atuais gerações sem comprometer a capacidade das gerações futuras em suprir suas próprias necessidades”.
O que isto quer dizer? De uma forma bastante simplista isto significa que a humanidade não vai se extinguir na atual geração de pessoas. Nós teremos filhos, netos e bisnetos, que por sua vez também irão se reproduzir. Todas estas gerações vão precisar de água potável, alimentos e todos os benefícios de uma civilização evoluída e tecnológica. Para isto deverão encontrar na natureza os recursos que serão necessários para satisfazer suas necessidades.
O jornalismo ambiental surgiu da necessidade de mostrar à sociedade, aos governos e às empresas que o modelo de desenvolvimento adotado durante o século XX é insustentável em longo prazo. Muitos ambientalistas dizem isto há anos, no entanto a mídia se faz surda diante da necessidade de uma reflexão mais profunda sobre este modelo e da necessidade de transformações. Os argumentos para o distanciamento da mídia dos temas referentes à sustentabilidade, aqui visto como um equilíbrio entre as vertentes econômica, social e ambiental, são de toda a ordem. Um deles, e muito forte, é que a mídia é uma das principais beneficiárias do modelo de desenvolvimento baseado nos princípios da “Sociedade de Consumo”. Isto porque a publicidade é uma das mais importantes ferramentas deste modelo e é esta a forma como a mídia se sustenta. Uma sociedade menos voraz e consumista talvez seja também uma sociedade com menos publicidade.
Na última década do século XX, inicialmente impulsionadas pela realização no Rio de Janeiro da Cúpula da Terra, também conhecida como Rio-92, surgiram as “mídias ambientais” e grandes jornais passaram a ter meio ambiente como uma de suas editorias. As mídias que atuam exclusivamente com pautas ambientais se estabeleceram e se desenvolveram dentro do mesmo princípio das mídias de resistência à ditadura nos anos 70. São jornais, revistas e sites que se mantém à margem do processo de comunicação de massa, mas que conseguem grande audiência entre os formadores de opinião na área de meio ambiente e sustentabilidade.
O jornalista sempre foi vanguarda nas conquistas políticas e sociais. No entanto, esta é uma fronteira mais espinhosa, exige conhecimento, formação e capacidade para lidar com a diversidade de variáveis que formam as sociedades e organizações complexas. No início acreditava-se que o jornalismo ambiental seria um vertente do jornalismo científico. Isto porque havia conceitos da biologia, da física, da geografia que precisavam ser dominados para a elaboração de boas reportagens ambientais. No entanto, a sustentabilidade ambiental não se restringe a um nicho social. É uma variável presente em todas as decisões humanas e que precisa ser explicitada como tal. A sociedade define o que deseja em termos de sustentabilidade quando estabelece seus padrões de consumo de energia, de matérias-primas, de embalagens, de alimentos etc. Tudo o que se faz tem impactos ambientais anteriores e posteriores ao consumo. O jornalista que pretende compreender este planeta megadiverso não pode simplesmente ter um olhar superficial sobre a realidade, deve compreender suas interfaces e sua cadeia de consequências.
No Brasil isto é ainda mais estratégico, na medida que a biodiversidade e os recursos naturais são as commodities do futuro e devem ser compreendidas como tal por toda a sociedade. A vanguarda desta transformação conceitual é formada por jornalistas capazes de compreender esta realidade e seguir atuando de forma objetiva na disseminação de informações e conhecimento para a  sociedade.  (Envolverde)

Dal Marcondes

Dal Marcondes é jornalista, diretor da Envolverde, passou por diversas redações da grande mídia paulista, como Agência Estado, Gazeta Mercantil, Revistas Isto É e Exame. Desde 1998 dedica-se a cobertura de temas relacionados ao meio ambiente, educação, desenvolvimento sustentável e responsabilidade socioambiental empresarial. Recebeu por duas vezes o Prêmio Ethos de Jornalismo e é reconhecido como um "Jornalista Amigo da Infância" pela agência ANDI.