sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Gênero e resistência na Palestina: a luta das mulheres contra a ocupação israelense

Leila Khaled participou do painel mediante teleconferência por skype | Por Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Samir Oliveira no SUL21

Tema bastante discutido no Fórum Social Mundial Palestina Livre, o papel das mulheres na luta pela construção de um Estado Palestino soberano foi retomado em um painel no início da tarde desta sexta-feira (30). Na quinta-feira (29), outra conferência havia exposto a situação das mães que lutam pela independência palestina.
Desta vez, o foco foi a discussão em torno da resistência protagonizada pelas mulheres – inclusive com fortes auto-críticas a essa atuação. O público questionou, por exemplo, até que ponto a luta de mulheres por libertação não acaba dominando a pauta de movimentos sociais e camuflando ações em torno de mudanças mais profundas nos governos e sociedades da região.
Uma das presenças mais ilustres no painel foi a de Leila Khaled, que participou via teleconferência por Skype, já que não pôde vir a Porto Alegre. Leila é uma das lideranças da Frente Popular pela Libertação da Palestina (FPLP) – considerada uma organização terrorista pelos Estados Unidos e por Israel.
Em 1969, Leila e um outro colega da FPLP sequestraram o voo 840 da Trans World Airlines, que viajava de Roma em direção a Tel Aviv. O objetivo era tomar como refém o embaixador israelense nos Estados Unidos, Yitzak Rabin, que acabou não embarcando naquele avião. A ação terminou na Síria, onde a aeronave foi forçada a pousar, e não houve mortos ou feridos.
Atualmente, a FPLP integra a Organização Palestina pela Libertação (OLP), da qual faz parte do Fatah, partido que comanda a Cisjordânia e a Autoridade Nacional Palestina, com o presidente Mahmoud Abbas. Em sua fala no painel do Fórum Social Mundial Palestina Livre, Leila explicou que não há divisão de tarefas ou responsabilidades entre homens e mulheres na luta pela independência palestina.
Angela Davis tinha ligação com os Panteras Negras nos Estados Unidos | Por Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“A partir de 1967, muitas mulheres começaram a se engajar nessa luta, fazendo exatamente as mesmas coisas que os homens. No movimento pela libertação da Palestina, não há divisão de tarefas por gênero”, disse.
Ela acredita que, atualmente, é preciso que as mulheres ocupem cada vez mais os espaços de comando da resistência. E defendeu veementemente o direito de o povo palestino lutar – inclusive militarmente – pela soberania do seu território.
“Mulheres e homens palestinos não podem se sentir orgulhosos de sua identidade por qualquer outra via que não seja a resistência. É preciso resistir de todas as formas à ocupação israelense – inclusive através das armas, conforme assegura a ONU, quando diz que um povo tem o direito de se insurgir contra um governo opressor”, esclareceu.
Professora da Universidade Estadual de São Francisco, nos Estados Unidos, Rabab Abdulhadi é especialista em estudos étnicos e em diásporas do povo árabe e muçulmano. Ela falou sobre os estereótipos que as forças contrárias à causa Palestina tentam imprimir nas mulheres que resistem às ocupações.
“Dizem que a mulher se junta à luta porque sente atração pelas lideranças masculinas da resistência. Atribuem à mulher militante um caráter de não-feminilidade, alegando que elas têm pelos pelo corpo e são todas lésbicas”, explicou. Para a professora,”a revolução palestina não é uma exclusividade masculina”.
Também esteve presente no painel a ativista norte-americana Angela Davis. Líder do Partido Comunista dos Estados Unidos nos anos 1960, ela tinha vínculos muito próximos com os Panteras Negras, apesar de nunca ter integrado formalmente a organização. Atualmente, Angela é professora aposentada da Universidade da Califórnia. Em 1969, chegou a ser demitida da instituição a mando do presidente Ronald Reagan, devido à sua ligação com os comunistas.
Rabab Abdulhadi é especialista em diásporas árabes e muçulmanas na Universidade Estadual de São Francisco, nos Estados Unidos | Por Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Angela Davis chegou a criticar a organização da marcha de abertura do fórum. “Eu estive o tempo inteiro atrás de um caminhão de som. De todas as pessoas que falaram, nenhuma delas era uma mulher palestina. Parece que algumas coisas ainda não mudaram muito”, observou. A mesma crítica foi feita por uma refugiada palestina que estava na plateia e disse ter conseguido, depois de muito esforço, subir no caminhão para se pronunciar.
A ativista avalia que, atualmente, as mulheres palestinas ocupam um papel central na mobilização feminista ao redor do mundo. “Quero agradecer às mulheres palestinas. A luta delas trouxe à tona a mobilização contra o racismo, o apartheid e o colonialismo”, elogiou.
Provocada a fazer uma avaliação do governo de Barack Obama, a norte-americana qualificou como “horrendo” o apoio incondicional do país a Israel e lembrou da resolução da ONU que reconheceu, nesta quinta-feira (29), a Palestina como um Estado observador não-membro das Nações Unidas. “Israel ficou totalmente isolado do mundo inteiro e, ainda assim, os Estados Unidos os apoiaram. Esse voto contrário foi horrendo. Ainda temos muito trabalho a fazer”, disse.


quinta-feira, 29 de novembro de 2012

FSM - PALESTINA LIVRE

Inicia hoje o FSM PALESTINA LIVRE, mas desde ontem iniciou-se o encontro dos militantes de 36 países que vieram a Porto Alegre debater a questão palestina, estratégias e saídas para enfrentamento do genocídio que acontece na faixa de GAZA, promovido pelo sinismo israelense.No mesmo dia que será votado na ONU a participação efetiva do estado palestino nas resoluções mundiais, esse encontro na capital gaucha será de importância fundamental para o fortalecimento da causa palestina.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

43,5 mil mulheres foram assassinadas em dez anos

 

43,5 mil mulheres foram assassinadas em dez anos no Brasil
A sociedade capitalista é fundamentada na opressão e exploração do povo trabalhador para garantir privilégios a uma minoria que nada produz e de tudo se apropria, gerando desigualdade e violência, sobretudo contra os pobres e as mulheres.
A desigualdade entre homens e mulheres se instala sempre pelo crescimento da ideologia burguesa da submissão da mulher ao homem. Essa ideologia responsabiliza as mulheres pelos cuidados dos filhos e tarefas domésticas, garantindo ao capitalismo ganhos exorbitantes com a exploração da mulher dentro e fora do espaço doméstico.
Dados do Censo 2010, divulgados pelo IBGE, afirmam que no Brasil cerca de 37% das mulheres são chefes de família, isto é, são responsáveis pelo sustento da família, lembrando que grande parte dessas são constituídas apenas pela mãe e seus filhos.
Dados da OIT mostram que mais 42% das mulheres da América Latina estão no mercado de trabalho, no entanto, são submetidas a condições degradantes de trabalho e salários inferiores aos dos homens. No Brasil, a diferença salarial entre homens e mulheres chega a 30%.
É nessa sociedade capitalista que milhões de mulheres morrem todos os anos, vítimas das mais diversas formas de violência. Na última década, 43,5 mil mulheres foram assassinadas no país.
A cada 15 segundos, uma mulher é agredida no Brasil. Essas agressões, em geral, são cometidas por pessoas do seu convívio: namorados, maridos, irmãos ou pais, que expressam através da violência a posse sobre a mulher.
O problema precisa ser enfrentado de forma séria pelo Estado e pela sociedade. Às mulheres vitimadas deve ser garantido o apoio necessário para superação das condições de violências a que estão submetidas, principalmente às mulheres pobres que, muitas vezes, dependem economicamente do agressor.
Na cidade de São Paulo, as mulheres de baixa renda que sofrem violência têm à disposição apenas dez Centros de Defesa e Convivência da Mulher, que são equipamentos públicos com o objetivo de apoiar e fortalecer mulheres em situação de risco social e violência doméstica. Nesses serviços, as mulheres são acolhidas, orientadas e encaminhadas para outros serviços conforme a necessidade: delegacia de defesa da mulher para denunciar o agressor, abrigos, quando há risco de morte, serviços de saúde, etc. Em alguns equipamentos são oferecidos cursos e oficinas de geração de renda. Já na Grande São Paulo, várias cidades não possuem sequer um abrigo.
As mulheres que desejam romper com a situação de violência na qual estão inseridas não contam, portanto, com políticas públicas que viabilizem esta ruptura. As mulheres pobres têm ainda menos condições, pois, muitas vezes, não têm para onde ir com seus filhos e filhas. Por isso, para garantir alimento e moradia para suas crianças, muitas mulheres aguentam caladas essa opressão.
É fundamental fortalecer as mulheres para que compreendam as raízes dessa violência se fortalecendo e se unindo ao conjunto das mulheres para lutar contra essa barbárie. O dia 25 de novembro é uma data simbólica desta luta, já que é o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra a Mulher. É um dia importante para se intensificar a denúncia e o combate à violência e para conscientizar todas as mulheres que sofrem essa triste realidade sobre a necessidade de se organizarem e lutarem pelo fim de tais crimes.
Toda essa situação é fruto da sociedade em que vivemos, que lucra milhões com a exposição do corpo feminino e com o estímulo direto ou indireto à exploração sexual e à violência. Por isso, é necessário também lutar contra esse sistema. Lutar para construir uma sociedade na qual todos possam ser, de fato, iguais.
 
Camila Matos, Carolina Vigliar e Ana Rosa Carrara, São Paulo

MPF/MS denuncia 19 pessoas por homicídio de cacique guarani-kaiowá

 


A ação aconteceu no dia 18 de novembro de 2011 e resultou na morte do cacique Nízio Gomes e em lesões corporais ao indígena Jhonaton Velasques Gomes | Foto: Comunidade Guaiviry
 
Da Redação do SUL21
 
O Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul denunciou 19 pessoas a responderem como réus na Justiça por vários crimes relacionados à expulsão dos indígenas do acampamento Guaiviry, instalado em área mata nativa de propriedade rural, localizada no sul do estado mato-grossense.
A ação aconteceu no dia 18 de novembro de 2011 e resultou na morte do cacique Nízio Gomes e em lesões corporais ao indígena Jhonaton Velasques Gomes. Foram utilizadas ao menos seis armas de fogo calibre 12 na ação, ainda que com munição menos letal. Sete réus continuam presos.
O crime repercutiu internacionalmente e colocou em foco o “ambiente onde imperam o preconceito, a discriminação, a violência e o constante desrespeito a direitos fundamentais” dos 44 mil guarani-kaiowá e guarani-ñandeva que vivem em Mato Grosso do Sul, como descreve a denúncia do MPF.
Crimes
Dos 19 acusados, 3 respondem por homicídio qualificado, lesão corporal, ocultação de cadáver, porte ilegal de arma de fogo e corrupção de testemunha; 4, por homicídio qualificado, lesão corporal, ocultação de cadáver, porte ilegal de arma de fogo; e 12, por homicídio qualificado, lesão corporal, quadrilha ou bando armado e porte ilegal de arma de fogo.
As investigações revelaram que, após a ocupação da área de mata da fazenda pela comunidade indígena, em 1º de novembro de 2011, um grupo iniciou planejamento com o objetivo de promover a retirada violenta dos indígenas. Na madrugada de 18 de novembro, iniciou-se a ação. O objetivo era a expulsão violenta da comunidade indígena. Ao chegar na trilha que dá acesso ao interior do acampamento, o grupo abordou o cacique Nízio Gomes (55 anos), que ofereceu resistência. Iniciou-se intenso confronto, em que Nízio Gomes foi alvejado, resultando em sua morte. O corpo de Nízio Gomes até hoje não foi localizado, mesmo com a realização de buscas até em território paraguaio.
Homicídio apurado mesmo sem o corpo
Sobre a não localização do corpo ou dos restos mortais, para o MPF há provas e indícios suficientes do homicídio qualificado do cacique Nízio Gomes. Além das declarações dos réus e do depoimento de testemunhas, laudo pericial apontou a existência de vestígios de sangue em fragmentos de madeira e na terra do interior da trilha do Tekoha Guaiviry. Exame de DNA confirmou ser “perfil genético de indivíduo do sexo masculino, geneticamente relacionado à mãe e aos filhos de Nízio Gomes”.
Com informações do Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

“Nova classe média”: preferências econômicas e políticas

          

Embora o adensamento das camadas intermediárias seja um fenômeno incontestável, a maior parte das pesquisas que captam essa mudança incorre em dois erros: há uma associação superficial entre renda individual e classe social e há uma relação inadequada entre renda média e estrato médio. Para compreender essas mudanças em sua inteireza é preciso empreender uma análise que incorpore outras variáveis. O artigo e de William Nozaki.


       

Classe C e Nova Classe Média
Em comparação com os últimos cinqüenta anos, o Brasil convive atualmente com uma experiência inédita na transformação de sua estrutura social. As políticas de elevação real do salário mínimo, de expansão da oferta de crédito e de ampliação dos programas de transferência de renda estimularam o crescimento do PIB com base no avanço do mercado interno e originaram um tripé socioeconômico virtuoso caracterizado pelo aumento do mercado formal de trabalho, pela redução da pobreza e pela melhora na distribuição de renda.

Essa combinação de fatores tem como uma de suas principais conseqüências um fenômeno nem sempre analisado com o devido cuidado e rigor: o crescimento daquilo que se chama de modo inapropriado de “classe C” ou “nova classe média”.

Embora o adensamento das camadas intermediárias seja um fenômeno incontestável, a maior parte das pesquisas que captam essa mudança incorre em dois erros:

(i) Há uma associação superficial entre renda individual e classe social. O fato, por exemplo, de um trabalhador industrial qualificado e um professor universitário auferirem a mesma renda pode ser encarado como um indicador macroeconômico de redução da desigualdade. Mas, sociologicamente, diz muito pouco, ou quase nada, sobre seus estilos de vida distintos e seus hábitos de consumo diferentes. Tais ganhos, certamente, serão utilizados a partir de referências culturais e entre redes sociais que não garantem nenhum laço de pertencimento de classe, pelo contrário: o mais provável é que a realização do consumo revele status sociais ainda muito desiguais. Nesse sentido, há muitas diferenças entre o estilo de vida da classe média estabelecida e da chamada “nova classe média” que estão longe de ser transpostas.

(ii) Há uma relação inadequada entre renda média e estrato médio. Na maior parte das vezes, os estudos que abordam o assunto referem-se à média em seu sentido algébrico, ou seja: média é a posição matemática daquilo que está igualmente distante dos pontos extremos. Como a distribuição de renda no país é historicamente severa, como há uma distância muito grande entre os muito ricos e os extremamente pobres, o agrupamento intermediário orbita numa vasta faixa de rendimentos que vai, aproximadamente, de R$ 1000 a R$ 5000. Essa zona de estratificação dilatada impede análises mais criteriosas. Sendo assim, as denominações “classe C” e “nova classe média” são infelizes, posto que transmitem a impressão de que o Brasil está se tornando aquilo que não é: um país em que os remediados são a maioria e no qual a pobreza vai tornando-se um problema residual.

Para compreender essas mudanças em sua inteireza é preciso empreender uma análise que incorpore outras variáveis como estrutura ocupacional, acesso a mercadorias privadas e a serviços públicos, padrões de consumo, entre outros.

Perfil e preferências econômicas:
Sob essa perspectiva o que se evidencia é que o mais adequado é denominar o estrato que ascendeu socialmente e economicamente nos últimos anos de nova classe trabalhadora urbana. Do ponto de vista ocupacional, trata-se de vendedores, balconistas, motoristas, motoboys, profissionais de telemarketing, os diversos tipos de auxiliares que atuam em empresas e comércios, recepcionistas, cabelereiros, garçons e uma heterogeneidade de trabalhadores qualificados.

Do ponto de vista da educação, seus integrantes na maioria são aqueles que utilizam as escolas públicas ou escolas particulares com mensalidades mais baixas; e do ponto de vista da saúde, são aqueles que necessitam dos hospitais públicos ou de planos de saúde mais baratos. Esse balanceio instável entre os serviços públicos e as possibilidades privadas mais “em conta” se reproduz em outras esferas: habitação, transporte, segurança, alimentação, cultura, lazer, entretenimento etc.

Por esses motivos, ao contrário da classe média estabelecida que se queixa dos impostos inadvertidamente, a nova classe trabalhadora percebe com contrariedade o aumento de impostos, taxas e tarifas pois sua elevação lhe afeta mais diretamente o poder de compra, mas ela também reconhece a importância e a necessidade dos serviços públicos pois depende deles mais frequentemente.

Essa nova classe trabalhadora, em grande medida, trabalha de 10 a 14 horas por dia, tem dois ou mais empregos, trabalha de dia enquanto estuda a noite, e nas grandes cidades enfrenta horas de transporte público enquanto se desloca entre a casa e o trabalho. Também por esses motivos, ao contrário da classe média tradicional que tudo atribui ao mérito individual, a nova classe trabalhadora percebe sua ascensão como fruto do esforço individual e de privações, mas sabe que precisa contar frequentemente com alguma rede de solidariedade e laços fraternos entre os amigos e os vizinhos.

Mais do que outros estratos, esse grupo se beneficia da expansão do crédito ao consumidor e está satisfeito com a possibilidade de adquirir novos bens considerados indispensáveis para o conforto doméstico e para a melhora na qualidade de vida na cidade, esse grupo está disposto a encontrar sua sociabilidade pelos caminhos do consumo.

Idéias e preferências políticas:
Esse conjunto de ambigüidades leva a crer que a nova classe trabalhadora não necessariamente tem uma consciência conservadora. Pelo contrário, esse setor está potencialmente disponível e aberto a visões mais progressistas, seus valores e seu voto podem ser conquistados pela esquerda.

Para compreender a relação entre as preferências econômicas e políticas dessa nova classe trabalhadora é fundamental considerar que o aumento do poder de compra possibilitou o acesso a novos canais de formação e informação, mais do que isso: tais canais têm sido ocupados, sobretudo, por um número significativo de jovens, é a partir desse grupo que se irradiam certas opiniões políticas e eleitorais.

A progressiva ampliação do acesso à educação e à internet tem promovido uma importante mudança em suas exigências e interesses políticos. No atual contexto, o eixo da formação de opinião se deslocou dos pais ou de velhas lideranças locais (representantes comunitários, padres e pastores) para os filhos.

A maior parte desses jovens tem níveis de escolaridade mais elevados do que os dos pais, estão conquistando uma melhor inserção profissional e seguem atentos para as mudanças tecnológicas, por isso eles são ouvidos com maior atenção dentro das suas famílias e comunidades, atuando como referências prioritárias para a formação de opinião, de forma mais incisiva do que as propagandas e a própria televisão.

Os pais dessa nova geração enxergavam o mundo pela ótica da carência que marca a periferia, observavam os políticos considerando aquilo que não havia sido feito e permaneciam mais suscetíveis à promessas de campanhas eleitorais. Já essa nova geração, ao circular por novos espaços como a universidade e as redes sociais, enxerga o mundo por uma ótica mais ampla, dispõem de um maior número de referências para operar comparações, avaliam os políticos e os partidos considerando aquilo que deveria ter sido feito e nutrem maior desconfiança com relação a promessas de campanhas eleitorais. Vale ainda notar que, se, por um lado, eles não desejam o estilo de vida da elite, por outro lado, eles desejam continuar ascendendo socialmente.

Essa disposição para a mudança, entretanto, passa por marcos ambivalentes: esses jovens acreditam na política, mas não crêem em partidos; reconhecem a importância da coletividade, mas almejam crescer individualmente; buscam transformações, mas são pouco afeitos a rupturas; anseiam por novas idéias, mas são também pragmáticos. Em suma, esse novo caldo cultural exigirá renovações tanto na forma como se realiza a política partidária quanto no conteúdo das políticas públicas que se implementam.

A mistura entre valores do liberalismo, do individualismo, da ascensão pelo trabalho e do sucesso pelo mérito, com valores mais solidários e coletivistas relacionadas à atuação do Estado, à universalização de direitos, à ampliação da inclusão social, permeiam a visão de mundo e o imaginário dessa nova classe trabalhadora.

A nova classe trabalhadora entendida como um novo sujeito político pode fazer toda a diferença nos embates sociais, políticos, ideológicos e eleitorais que serão travados de agora em diante.

(*) William Nozaki é Sociólogo e Economista, professor da Universidade Mackenzie e doutorando em desenvolvimento econômico (IE/Unicamp).

domingo, 25 de novembro de 2012

O Fórum Palestina Livre e o movimento sionista

 

 
Se há extremistas na Palestina, são os colonos judeus vindos da Eurásia e seus descendentes, que atacam os palestinos
 
Baby Siqueira Abrão no BRASIL DE FATO
 
Representantes do movimento sionista no Brasil tentam por vários meios impedir o brilho do Fórum Social Mundial Palestina Livre (FSMPL), que será realizado entre 28 de novembro e 1º. de dezembro de 2012 em Porto Alegre, RS. O embaixador de Israel no Brasil e uma comitiva da Federação Israelita do Rio Grande do Sul chegaram a dizer, numa reunião com Tarso Genro, temer o ataque de “extremistas” palestinos a propriedades de judeus no Brasil.
O argumento é falso e os sionistas sabem disso. Sabem também que, se há extremistas na Palestina, são os colonos judeus vindos da Eurásia e seus descendentes, que atacam os palestinos, suas casas, plantações, rebanhos, com o apoio de soldados do Exército israelense. Sabem, igualmente, que o povo palestino há muito optou pela resistência não-violenta à ocupação – esta sim, violenta – militar a que Israel o submete. O objetivo tácito das declarações dos sionistas é criminalizar mais uma vez os palestinos, para justificar os crimes que os governos de Israel cometem contra o povo nativo, semita, da Palestina.
Seja como for, os sionistas venceram em alguns pontos. Persuadiram o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, a retirar o apoio que prometera dar ao Fórum. Até mesmo o local, a Usina do Gasômetro, foi negado. O Fórum só poderá usar um andar, o térreo. Esta semana foi a vez do presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Alexandre Postal, impedir que o FSMPL utilizasse espaços do prédio da Assembleia para a realização de algumas das mais de 100 atividades inscritas no Fórum por organizações de 36 países. O governador Tarso Genro, porém, manteve seu apoio à realização do Fórum.
Por isso mesmo, tornou-se alvo das críticas de um raivoso colunista, conhecido por suas ligações com o movimento sionista, em seu blogue numa revista que chegou a ser pautada pelo crime organizado. O colunista chegou a citar a Constituição brasileira, afirmando que Genro teria violado seu artigo 4o, sem se dar conta de que os princípios citados defendem tudo aquilo que os governos sionistas de Israel nunca observaram em relação aos palestinos: independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação, não intervenção, igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, concessão de asilo político. Vejam-se as resoluções das Nações Unidas sobre Israel – resoluções que o Estado sionista jamais cumpriu – e os vídeos e fotos feitos na Palestina que estão na internet para conferir as violações de Israel ao direito internacional.
A veiculação de comentários falaciosos sobre o Fórum tem o objetivo de, ao desinformar a população, tecendo críticas insensatas ao evento e ao povo palestino, colocar parte da opinião pública brasileira contra a causa palestina e suas iniciativas, bem como impedir que a narrativa palestina sobre a destruição de seu país, sobre o genocídio e a expulsão sofridos por sua população para que os sionistas pudessem criar ali um Estado, seja divulgada e conhecida pelos brasileiros.
Por ter o controle dos meios de comunicação dominantes, o movimento sionista vem divulgando há mais de 60 anos apenas a sua versão sobre a criação de Israel. A verdade, porém, é que essa versão é falsa, constituída sobre uma base histórica fantasiosa e distorcida, como provam os documentos dos próprios sionistas que foram desclassificados (liberados para conhecimento público) em meados dos anos 1970 e que corroboraram tudo aquilo que os palestinos já vinham contando sobre a catástrofe, a Nakba, que se abateu sobre eles com a chegada dos sionistas à Palestina. Um dos objetivos do FSMPL é, precisamente, dar voz à narrativa palestina, para reafirmar a justeza de sua causa: pôr fim à ocupação militar israelense e à violência que a caracteriza; ter de volta um país independente e soberano; reaver os direitos humanos básicos que lhes foram retirados por sucessivos governos de Israel; controlar seus recursos naturais e impedir a continuidade da devastação e do envenenamento de seu ambiente, hoje submetido à exploração comercial israelense e às substâncias tóxicas que o Exército de Israel atira em território palestino com mísseis e bombas que vitimizam civis inocentes; evitar a destruição de sua base econômica e de seu meio de vida – as plantações e as oliveiras –, alvos frequentes das violentas ações de colonos que vivem ilegalmente em território palestino; incrementar sua agricultura sem agredir a Natureza e buscar, de modo independente, outras formas de desenvolver sua economia, sufocada pelo controle exercido pelos governos sionistas; evitar que seu território e suas fontes de água sejam confiscados pelo governo israelense para a construção de colônias – ilegais, conforme entendimento do Tribunal Internacional de Justiça – exclusivamente habitadas por judeus, grande parte deles extremistas vindos de outros países.
Os palestinos, enfim, não exigem nada além daquilo que é garantido a todos os seres humanos – que, pelo simples fato de existirem, são portadores de direitos, assegurados pela legislação internacional. A diferença entre os palestinos e outros povos do mundo é que, no caso palestino, esses direitos são negados pelos governos sionistas de Israel. É por esse motivo que eles se mobilizam e lutam, com firmeza e dignidade, por autonomia, justiça e liberdade.
A causa palestina é hoje defendida por milhões de pessoas em todo o mundo, num movimento crescente de proteção da vida humana e da própria espécie, contra interesses financeiros que têm levado o planeta ao caos social, econômico, climático e ambiental. A sociedade civil internacional não aceita que, em pleno século XXI, um povo – o palestino – seja submetido a um regime de apartheid e de destruição de suas raízes sociais, históricas e culturais. Indivíduos e movimentos organizados em torno dos temas da paz, da justiça social, da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos decidiram organizar o Fórum Social Mundial Palestina Livre para pensar conjuntamente estratégias não-violentasque levem mais rapidamente ao fim da ocupação militar sionista da Palestina. Entre esses indivíduos e movimentos há judeus e israelenses inconformados com a violência e a repressão a que os governos sionistas de Israel submetem o povo palestino. O objetivo dessas estratégias é levar a uma convivência, entre os habitantes daquela parte do mundo, baseada no respeito, na tolerância, na diversidade e na paz.
Quaisquer outras coisas que digam os detratores do FSMPL não passa de propaganda sionista – a hásbara –, que procura por todos os meios deslegitimizar a causa palestina e seus milhões de apoiadores ao redor do mundo para justificar os crimes cometidos pelos governos israelenses contra a população palestina. É preciso mostrar aos sionistas que o povo brasileiro não permitirá que o Brasil seja transformado em palanque para sua pregação – uma pregação que procura criminalizar aqueles que, por estarem ao lado da justiça, dos direitos humanos, do respeito à multiculturalidade, à multietnicidade, à diversidade de crenças religiosas (e da não crença), apoiam sem restrições a causa palestina.

Baby Siqueira Abrão é correspondente do Brasil de Fato no Oriente Médio

Israel e a Operação Chumbo Impune

 



Por Eduardo Galeano, no sitio da Adital:
Para justificar-se, o terrorismo de Estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe álibis. Tudo indica que essa carnificina de Gaza que, segundo seus autores, quer acabar com os terroristas, conseguirá multiplicá-los.


Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída desde que o Hamas ganhou limpamente das eleições, em 2006. Algo parecido havia acontecido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então viveram submissos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que haviam sido palestinas e que a ocupação israelita usurpou. E o desespero, à beira da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel; gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel vai apagando-a do mapa.

Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel ‘tragou’ um pedaço da Palestina, e os ‘almoços’ continuam. A ‘devoração’ se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou; pelos dois anos de perseguição que o povo judeu sofreu e pelo pânico que os palestinos geram à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações e as resoluções das Nações Unidas; é o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais; o que se ri das leis internacionais; e é também o único país a legalizar a tortura dos prisioneiros.

Que lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança em Gaza? O governo espanhol não teria podido bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico teria podido arrasar a Irlanda para liquidar a IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica em uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência ‘manda chuva’ que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe a quem mata. Não mata por erro; mata por horror. As vítimas civis são denominadas ‘danos colaterais’, três são crianças. E os mutilados são milhares, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando exitosamente nessa operação de limpeza étnica.

E, como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense.

Gente perigosa, adverte o outro bombardeio, a cargo dos meios de comunicação em massa de manipulação que nos convidam a acreditar que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada comunidade internacional existe?

É algo mais do que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais do que o nome artístico que os Estados Unidos assumem quando fazem teatro?

Ante a tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial brilha uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas rendem tributo à sagrada impunidade.

Ante a tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos.

A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama uma ou outra lágrima enquanto secretamente celebra essa jogada mestra. Porque a caça de judeus sempre foi costume europeu; porém, há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada aos palestinos, que também são semitas e que nunca foram,nem são, antissemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonante, uma conta alheia.

(Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latino-americanas assessoradas por Israel).

sábado, 24 de novembro de 2012

O governo paga para ser criticado nas “linhas editoriais” de direita da grande imprensa

Daniela Novais no BRASILIA EM PAUTA


Crédito : Patricia Piccinini

A distribuição da verba publicitária do governo federal no Brasil é feita da seguinte maneira: 70% fica nas mãos dos dez maiores veículos de informação, entre jornais, rádios e tevês. Não passa despercebido o fato de que os maiores são também os mais conservadores e direitistas do país, apelidados de “PIG” – Partido da Imprensa Golpista. O jornalista e escritor Rui Martins resumiu o fato da seguinte maneira: O governo financia a direita.   
Martins vive atualmente em Berna na Suíça. Foi exilado durante a ditadura, é líder emigrante, membro eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de emigrantes (CRBE) junto ao Itamaraty, criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, escreveu o livro “Dinheiro Sujo da Corrupção”, em que fala sobre as contas suíças secretas de Maluf. Trabalhou em veículos como CBN e Estadão e hoje colabora com o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.

“O Brasil padece de sadomasoquismo, mas quem bate sempre é a direita e quem chora e geme é a esquerda”, escreve em um artigo que analisa o financiamento público a uma imprensa de factoides e manipulação, preterindo a imprensa esquerdista. Reproduzimos o artigo na íntegra e recomendamos não só a leitura, mas principalmente a reflexão.

O governo Financia a direita

Rui Martins – Berna – Suíça - Daqui de longe, vendo o tumulto provocado com o processo Mensalão e a grande imprensa assanhada, me parece assistir a um show de hospício, no qual os réus e suspeitos financiam seus acusadores. O Brasil padece de sadomasoquismo, mas quem bate sempre é a direita e quem chora e geme é a esquerda.

Não vou sequer falar do Mensalão, em si mesmo, porque aqui na Suíça, país considerado dos mais honestos politicamente, ninguém entende o que se passa no Brasil. Pela simples razão de que os suíços têm seu Mensalão, perfeitamente legal e integrado na estrutura política do país.

Cada deputado ou senador eleito é imediatamente contatado por bancos, laboratórios farmacêuticos, seguradoras, investidores e outros grupos para fazer parte do conselho de administração, mediante um régio pagamento mensal. Um antigo presidente da Câmara dos deputados, Peter Hess, era vice-presidente de 42 conselhos de administração de empresas suíças e faturava cerca de meio-milhão de dólares mensais.

Com tal generosidade, na verdade uma versão helvética do Mensalão, os grupos econômicos que governam a Suíça têm assegurada a vitória dos seus projetos de lei e a derrota das propostas indesejáveis. E nunca houve uma grita geral da imprensa suíça contra esse tipo de controle e colonização do parlamento suíço.

Por que me parece masoca a esquerda brasileira e nisso incluo a presidente Dilma Rousseff e o PT ? Porque parecem gozar com as chicotadas desmoralizantes desferidas pelos rebotalhos da grande imprensa. Pelo menos é essa minha impressão ao ler a prodigalidade com que o governo Dilma premia os grupos econômicos seus detratores.

Batam, batam que eu gosto, parece dizer o governo ao distribuir 70% da verba federal para a publicidade aos dez maiores veículos de informação (jornais, rádios e tevês), justamente os mais conservadores e direitistas do país, contrários ao PT, ao ex-presidente Lula e à atual presidenta Dilma.

Quando soube dessa postura masoquista do governo, fui logo querer saber quem é o responsável por essa distribuição absurda que exclui e marginaliza a sempre moribunda mídia da esquerda e ignora os blogueiros, responsáveis pela correta informação em circulação no país.

Trata-se de uma colega de O Globo, Helena Chagas, para quem a partilha é justa – recebe mais quem tem mais audiência! diz ela.

Mas isso é um raciocínio minimalista! Então, o povo elege um governo de centro-esquerda e quando esse governo tem o poder decide alimentar seus inimigos em lugar de aproveitar o momento para desenvolver a imprensa nanica de esquerda ?

O Brasil de Fato, a revista Caros Amigos, o Correio do Brasil fazem das tripas coração para sobreviver, seus articulistas trabalham por nada ou quase nada, assim como centenas de blogueiros, defendendo a política social do governo e a senhora Helena Chagas com o aval da Dilma Rousseff nem dá bola, entrega tudo para a Veja, Globo, Folha, SBT, Record, Estadão e outros do mesmo time ?

Assim, realmente, não dá para se entender a política de comunicação do governo. Será que todos nós jornalistas de esquerda que votamos na Dilma somos paspalhos ?

Aqui na Europa, onde acabei ficando depois da ditadura militar, existe um equilíbrio na mídia. A França tem Le Figaro, mas existe também o Libération e o Nouvel Observateur. Em todos os países existem opções de direita e de esquerda na mídia. E os jornais de esquerda têm também publicidade pública e privada que lhes permitem manter uma boa qualidade e pagar bons salários aos jornalistas.

Comunicação é uma peça chave num governo, por que a presidenta Dilma não premiou um de seus antigos colegas e colocou na sucessão de Franklin Martins um competente jornalista de esquerda, capaz de permitir o surgimento no país de uma mídia de esquerda financeiramente forte ?

Exemplo não falta. Getúlio Vargas, quando eleito, sabia ser necessário um órgão de apoio popular para um governo que afrontava interesses internacionais ao criar a Petrobras e a siderurgia nacional. E incumbiu Samuel Wainer dessa missão com a Última Hora. O jornal conseguiu encontrar a boa receita e logo se transformou num sucesso.

O governo tem a faca e o queijo nas mãos – vai continuar dando o filet mignon aos inimigos ou se decide a dar condições de desenvolvimento para uma imprensa de esquerda no Brasil ?

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A criação do "Estado" de Israel - uma breve cronologia

 

 
Foi num 29 de novembro. Reunião da ONU. 1947. Bem longe da Palestina, onde Fátima colhia azeitonas, Marta recolhia as folhas do quintal e Rachid tomava seu chá de maravia à sombra do alpendre da casa simples. Eles não sabiam, mas naquele dia estava sendo decidido seus destinos
 
 
 
Foi num 29 de novembro. Reunião da ONU. 1947. Bem longe da Palestina, onde Fátima colhia azeitonas, Marta recolhia as folhas do quintal e Rachid tomava seu chá de maravia à sombra do alpendre da casa simples. Eles não sabiam, mas naquele dia estava sendo decidido seus destinos. Destino de violência, morte e dor. Havia acabado a segunda grande guerra, guerra feia, dura, grotesca. Nela, o governo alemão tinha promovido o massacre do povo judeu, dos ciganos e de outras gentes que apareciam à seus olhos como “diferentes”. Os judeus foram os mais atingidos, em função do grande número. Foi um holocausto. Por conta disso, no fim da guerra, os vencedores, comandados pelos Estados Unidos decidiram que havia de dar uma terra essa gente oprimida, roubada e esfacelada.
O lugar escolhido para a criação de um estado judeu foi a região da Palestina, por ali estar também o núcleo originário do povo hebreu. Naquele espaço haviam nascido as 12 tribos de Judá e era para onde os judeus sonhavam voltar. Mas, esse desejo nunca foi discutido ou compartilhado com as gentes que ali viviam há outras centenas de anos, os palestinos. Então, numa decisão vinda de cima para baixo, os 57 países que conformavam a ONU naquele então decidiram entregar 57% do território palestino para a formação do Estado de Israel. O argumento era de que lá não havia gente, era deserto, portanto, livre para ser ocupado. Mas, essa não era a verdade. Ali viviam milhares de seres, tal qual Fátima, Marta e Rachid. Ainda assim, numa sessão dirigida pelo brasileiro Osvaldo Aranha – qualificado por Alfredo Braga como um desonesto - 25 países votaram pelo sim, 13 foram contra e 17 se abstiveram. Nascia então, por desejo dos vencedores da grande guerra, o estado de Israel. Já para os palestinos, aquele dia ficou conhecido como o "dia da catástrofe".
Contam os historiadores que, naqueles dias que antecederam a votação – bastante tumultuada – diplomatas receberam cheques em branco, outros foram ameaçados e as mulheres dos políticos receberam casacos de visom. Portanto, foi alavancado na corrupção que vingou Israel.
A proposta da ONU foi de metade do território, o que deixa bem claro que todos sabiam que aquela não era uma terra vazia. A conversa nos corredores é de que também seria criado um Estado Palestino e cada povo seguiria seu rumo. Para os que viviam na terra doada aos judeus, os meses que se seguiram foi de terror. Famílias inteiras tiveram de deixar suas casas, seu olivais, sua história. A maioria foi desalojada na força, e muitos não entendiam o que se passava. Como suas terras tinham sido doadas? Naqueles tristes dias de nada adiantou o grito da gente palestina, não se soube dos mortos, nem da destruição. A informação demorava a chegar nos lugares. Quando o mundo se deu conta do terror, já era tarde demais.
Tão logo se instalou, o governo israelense decidiu ampliar seus domínios. Não aceitou a metade, queria mais e abocanhou, na força das armas, 78% do território. os palestinos tiveram de migrar, abandonar suas vidas e tudo o que era seu. O Estado da Palestina nunca foi criado.
Todo o terror imposto por Israel ao povo palestino não terminou por aí. No ano de 1967, o governo sionista, de novo com a força dos canhões, expandiu ainda mais o território em busca do domínio das regiões mais férteis, passando a ocupar mais de 80% da área,  massacrando outras tantas milhares de famílias palestinas.
Ao longo desses anos todos, por várias vezes Israel arremeteu contra o povo palestino, numa tentativa de dizimar a população. Sem conseguir, decidiu criar então um imenso campo de concentração à céu aberto. Praticamente todo o território ocupado por palestinos está cercado por enormes muros de concreto. As pessoas vivem como prisioneiras, muitas famílias foram separadas e não podem mais se ver. Muitos são os documentários que mostram as famílias se comunicando através dos muros e cercas de arame farpado, aos gritos, sem poderem se abraçar.
Nos últimos dias, Israel começou nova escala de violência, com bombardeios à Faixa de Gaza, onde se concentram os palestinos. O argumento que a televisão e as empresas de jornalismo passam é o que fala de "direito de defesa" de Israel. Vendem a ideia de que é esse estado militarizado e terrorista o que está sendo agredido.
Ora, qualquer pessoa de mediana inteligência sabe que a força de um menino com uma pedra é abissalmente inferior a de um canhão ou mísseis teleguiados. Israel quer destruir o povo palestino, quer "limpar a área", região absolutamente estratégica para a proposta de poder dos Estados Unidos, principal parceiro de Israel nesse massacre continuado.
A resposta dos palestinos é a resposta dos desesperados. Pessoas como Fátima, Rachid, Hadija ou Kaleb nada mais querem do que viver suas vidas, estudar, sonhar com algum amor, casar, ter filhos, comer azeitonas no cair da tarde. Uma vida como a de qualquer ser humano no mundo. Mas, eles não podem fazer isso. Estão continuamente humilhados,  ameaçados pelas balas, pelos soldados, pelos tanques, pelos bombardeios. Vivem em alerta 24 horas no dia. Quando podem, reagem. Com pedras, com bombas caseiras, com autoimolação. Sim, respondem às vezes com violência extrema, mas nada menos do que o que aprendem no cotidiano de uma vida de prisioneiro em sua própria casa, acossado pelo exército invasor.
Agora, nesses dias, as famílias palestinas estão vendo morrer seus filhos, crianças despedaçadas, jovens estraçalhados. Morrem mães e pais, avós, gente simples, que está no quintal varrendo as folhas. Garotinhos que brincam nas ruas de terra. Não são terroristas, nem carregam armas. São pessoas comuns, calejadas na opressão. Não é uma guerra, onde se batem os exércitos. É um genocídio, um massacre, no qual perecem as pessoas comuns.
Pelo mundo inteiro gritam as gentes, as imagens de dor se espalham pela internet, o mundo inteiro sabe o que acontece  no imenso campo de concentração que Israel criou. Mas, toda a ação das gente é inútil. As bombas seguem caindo, armas químicas são usadas (o fósforo, que queima inteira a pessoa) e o que se vê são os governantes do chamado "mundo livre" apoiando a ação de Israel. Os Estados Unidos, que invadiu o Iraque por uma "suspeita" de que estavam fabricando armas químicas por lá, observa o uso das mesmas sobre os palestinos e diz que é um "direito de defesa" de Israel. Ou seja, se quem usa armas químicas é amigos dos EUA, está tudo bem. Hipocrisia, cinismo.
Para os movimentos sociais e militantes da causa humana, o que fica é o absurdo sentimento de impotência. Desde tão longe só o que se pode fazer é gritar, denunciar, contar essa velha história para que ela não se perca no meios da mentiras que os noticiários contam todos os dias. O conflito Israel x Palestina nada tem de religioso. Usa-se a religião para legitimar determinadas ações, os judeus julgam-se o "povo eleito". Mas, o que se esconde por trás da aparência é a configuração geopolítica de poder. Os palestinos estão num espaço da terra que é muito importante para o projeto de dominação do Oriente Médio. Ficam na entrada principal e não são amigos dos Estados Unidos. Por isso é necessário que sejam extintos.
As bombas seguem caindo sobre as famílias palestinas, dor e morte é o que têm. Mas, os palestinos seguem defendendo sua terra e suas vidas. Não haverão de se extinguir. Estão por todo o mundo e nunca esquecerão sua história.  Cabe a nós solidarizar com esse povo valente porque nada no mundo justifica o que acontece hoje na Palestina ocupada. Israel haverá de responder à história pelos seus crimes. Mais dia, menos dia. Porque, se como dizia o grande poeta Mahmud Darwish, "ainda goteja a fonte do crime", há que estancá-la. 

GAZA NÃO ESTÁ SÓ. ESTAMOS EM GAZA! TODO MUNDO CONTRA O FRENESI ASSASSINO DE ISRAEL



Ahdaf Soueif, The Guardian, UK-PATRIALATINA

 
Israel é uma democracia cujos políticos podem ordenar o assassinato de crianças, como ‘ferramenta’ de campanha eleitoral. Sempre, claro, crianças palestinas.
Mas as multidões, em todo o mundo árabe, não são racistas.


Protestos em Londres e em mais de 100 cidades em todo o mundo exigem o fim do ataque de Israel contra Gaza e o fim do cerco.
http://stopwar.org.uk/index.php/palestine-and-israel/2038-gaza-is-no-longer-alone-as-it-faces-israels-killing-spree

Martírio em Gaza: Vídeo de um cineasta e ativista britânico, filmado na cidade de Gaza

http://www.youtube.com/watch?v=B27HH6CFAOU&feature=player_embedded

Gaza Sob Ataque: Emergência! Proteste!
Sábado, 17/11, das 14h às 16h
Embaixada de Israel em Londres (2 Palace Green)
London W8 4QB

http://stopwar.org.uk/index.php/action-a-events/national-events/2033-november-17-gaza-emergency-demonstration-march-from-hyde-park-to-israeli-embassy 

SE VOCÊ CLICAR 
emhttp://audioboo.fm/users/578060/boos, ouvirá os ataques de Israel contra Gaza.

Ouvem-se as explosões, o zunido dosdrones, a sirene das ambulâncias. É a trilha sonora da vida dos palestinos nesse exato momento. Os sons estão sendo gravados e retransmitidos e ouvidos em todo mundo. Todo o mundo árabe está ouvindo. Todos os amigos de Gaza, em todo o planeta, tremem de indignação. Gaza não está só.

Todos passamos a noite lendo e repassando tuítes e distribuindo matérias de blogs de jovens palestinos, em Gaza e em todo o mundo, e todos estamos vendo as imagens que eles distribuem.

Naquele mesmo hospital Shifa em Gaza (
http://www.guardian.co.uk/world/2012/nov/16/gaza-hospital-emergency-reserves), hoje cedo, o primeiro-ministro do Egito, Hisham Kandil, pela primeira vez em 42 anos, estava onde os egípcios querem ver seu primeiro-ministro: solidário ao povo palestino.

Pela primeira vez em 42 anos, um representante do governo egípcio não mentiu ao falar primeiro ao povo egípcio, antes até de se dirigir ao presidente do Egito
. Antes disso, Mursi falara de“coordenar a segurança” com Israel no Sinai; começou por fechar os túneis, que são o único canal de sobrevivência para os que vivem sitiados em Gaza; rejeitou a propostas de uma área de livre comércio na fronteira entre Egito e Gaza; e enviou um embaixador a Telavive com uma carta a Shimon Peres (http://www.thejc.com/news/world-news/87069/letter-morsi-peres-prompts-disbelief). E assim se viu muito inconfortavelmente associado aos restos do governo Mubarak e seus seguidores da ditadura militar.

O pessoal da Fraternidade Muçulmana e seu partido Liberdade e Justiça muito se empenharam em justificar as ações de seu representante no palácio presidencial, ante o resto do país.

Progressistas e todo o campo da esquerda no Egito zombaram do muito que eles falavam e do nada que faziam para defender os palestinos ao longo dos anos em que viveram na oposição, tanto quanto do espantoso silêncio que sobreveio, depois que chegaram ao poder. Os muros e paredes do Cairo cobriram-se de grafitis que zombavam da “carta de amor” que Morsi enviara a Peres. A zombaria que começou nos muros da cidade alastrou-se online e na blogosfera.

Agora, afinal, os próprios israelenses decidiram por Morsi. Agora, afinal, o presidente do Egito poderá dar melhor sentido à sua presidência, mais sintonizada com o desejo do povo egípcio.

Grandes caravanas de jovens egípcios já marcham em direção a Gaza. Com eles vai também minha sobrinha mais jovem. Toda a sociedade civil em todo o planeta está mobilizada; já partiram vários barcos em direção a Gaza, civis egípcios, de todo o país, estão em viagem para Gaza.

No plano mais ‘oficial’, o governo egípcio já enviou médicos, enfermeiros e remédios, que já chegaram a Gaza. Abdel Moneim Aboul-Fotouh, que é médico e foi candidato a presidência do Egito já partiu para Gaza (
http://www.guardian.co.uk/world/feedarticle/10132171) – como também fez em 2008, durante a “Operação Chumbo Derretido”, muito antes de pensar em concorrer à presidência do Egito. O Sindicato de Médicos Árabes já está organizando o transporte de doações e de médicos voluntários para Gaza.

Israel sempre tentou vender-se à opinião pública ocidental como se fosse a única democracia, num mar de fanáticos. A Primavera Árabe desmentiu e destruiu essa narrativa, talvez para sempre. Então os políticos israelenses passaram a trabalhar a favor de uma guerra contra o Irã. E, enquanto esperam, entraram num frenesi de assassinatos em massa em Gaza.

Se Israel queria instigar violência crescente contra o próprio governo, não poderia ter encontrado meio mais garantido do que assassinar Ahmed al-Jaabari, comandante do Hamás que, pelos últimos cinco anos, trabalhou para impedir ataques contra Israel.

Assassinado o comandante Jaabari, imediatamente recomeçaram os ataques, exatamente o que se vê agora.

Assim, Israel supõe que possa sequestrar a narrativa da Primavera Árabe e fazer andar para trás o relógio da história. Israel quer voltar ao tempo em que ainda havia quem acreditasse em “terroristas islamistas versus israelenses civilizados”. Simultaneamente, desviam o foco do morticínio na Síria e, claro, ganham pontos para a política de linha duríssima de Binyamin Netanyahu e Ehud Barak, em período de campanha eleitoral, em população anestesiada pela propaganda.

De fato, a única coisa que conseguiram foi expor ao mundo a prova definitiva de que Israel é uma democracia em que os políticos podem ordenar o assassinato de crianças, para vencer eleições. Sempre crianças palestinas, é claro.

Os cidadãos do mundo já não se deixam enganar. Na 5ª-feira começaram protestos em todo o mundo em defesa de Gaza. Continuam na 6ª-feira e no sábado. E isso é apenas o começo.

Em todos os países árabes nos quais a população levantou-se para exigir respeito aos seus direitos, as multidões voltam às ruas para exigir respeito também aos direitos dos palestinos. A Tunísia já informou que seu ministro de Relações Exteriores já está em Gaza. Na Jordânia, hoje, centenas de milhares estão nas ruas e, ali também, ao mesmo tempo em que exigem o fim da monarquia jordaniana, exigem justiça para o povo palestino. Há protestos na Líbia. Do Egito já partiram várias caravanas e outras preparam-se para partir para Rafah e, dali, para Gaza.

Essas multidões em movimento carregam a verdadeira representação popular e manifestam o desejo dos povos da região. Daqui em diante, os governos terão de trilhar o caminho que está sendo aberto, hoje, pelos homens e mulheres que caminham rumo a Gaza, para defender Gaza.
 
Tradução Vila Vudu

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A democracia e o Estado Judeu

 



Por Jair de Souza.

Israel é a quarta maior potência militar do planeta. Os palestinos são provavelmente o povo mais desarmado do planeta. Ainda assim, não dá para aceitar a opinião de Francisco Carlos Teixeira (http://www.viomundo.com.br/politica/francisco-carlos-teixeira.html) de que Israel é uma realidade política (e militar) intocável. Isto está totalmente contrário à lógica da realidade. Todo sionista sabe que este Israel que eles construíram, com o apoio e cumplicidade de todas as potências europeias (incluindo a ex-URSS) e os Estados Unidos, não poderá subsistir por muito tempo a partir da introdução da democracia. Sim, é a democracia o verdadeiro fator que vai levar ao fim de Israel como o Estado judeu que os sionistas delinearam.

Segundo o historiador israelense Ilan Pappe, Israel é o único país racista do Oriente Médio. Por ali, o que menos existe são países onde prime a democracia. Os principais aliados dos EUA e da Europa capitalista (Arábia Saudita, Jordânia, Qatar, Emirados,…) são países governados pelas mais ferrenhas oligarquias, por monarquias absolutistas que não estão submetidas a nenhum controle democrático. Mas, nenhum deles se caracteriza por ser racista. O único país claramente racista que existe na região é Israel.

Como todos sabem (ou deveriam saber), a democracia moderna não pode admitir uma sociedade onde haja discriminação de raças, uma sociedade onde os direitos são atribuídos em ordem preferencial segundo à etnia (ou religião) de seus habitantes. Então, este Israel como Estado judeu deixará de existir a partir do momento em que todos seus cidadãos passarem a ter os mesmos direitos e as mesmas obrigações. A partir do momento em que um cidadão israelense de qualquer etnia (por exemplo, um palestino) puder usufruir dos mesmos direitos que goza um cidadão israelense de religião judaica, podendo inclusive postular-se ao governo do país e ser eleito (se a maioria dos votantes assim o decidir), a partir de então, o Estado judeu como tal deixará de existir.

Todos os sionistas sabem disto. E é exatamente por esta razão que eles (especialmente os autodenominados sionistas de “esquerda”) têm pavor a qualquer alteração que transforme Israel num Estado de todos os seus cidadãos e não o mantenha como um Estado exclusivamente dos judeus. Ou seja, eles sabem que a introdução de uma democracia de verdade, que seja válida para todos seus cidadãos (não a democracia só para os judeus) significará a morte do Estado racista e exclusivista que eles construíram.

Embora eu entenda que o mais lógico seria a existência de um só Estado na região que engloba Palestina e Israel, não vejo como um entrave ao avanço a criação de dois estados. Há muitos lugares do mundo onde dois ou mais estados foram formados para atender às peculiaridades políticas do momento, apesar de que seus habitantes não se constituíam em povos com diferenças significativas. Basta observar o caso do Uruguai. Que diferenças significativas de caráter étnico existem entre os uruguaios e os argentinos? No entanto, como forma de evitar o confronto entre duas outras potências maiores (Brasil e Argentina), o Uruguai foi transformado em um país independente. E continua assim até hoje. Israel e Palestina também podem seguir a mesma trilha.

O fundamental, em meu entender, é defender o direito dos palestinos estabelecerem livremente seu Estado e, ao mesmo tempo, exigir que o Estado de Israel passe a ser um Estado democrático para todos os seus cidadãos. Ou será que a democracia só serve como motivação de campanhas internacionais quando é para derrubar governos enfrentados com as grandes potências capitalistas do ocidente?

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O que acontece na Faixa de Gaza?



Foto: AP/Ashraf Amra
Por Marina Mattar, no sítio Opera Mundi:

A atual investida de Israel contra a Faixa de Gaza, denominada de “Pilar Defensivo”, tem como suposto objetivo defender o povo israelense dos mísseis lançados por combatentes do Hamas que atingem o sul do país. Mas será que é apropriado chamar de guerra ou de defesa quando um dos lados é uma superpotência militar e o outro, um grupo político armado sem a organização e a estrutura de Forças Armadas?

É verdade que a organização palestina dispara foguetes contra o território de Israel, mas é preciso analisar a sua verdadeira capacidade militar. Desde que o conflito teve início, na quarta-feira (14/11), três israelenses foram mortos pelos mísseis, enquanto pelo menos 95 palestinos perderam suas vidas e centenas ficaram feridos. Ao longo deste ano, nenhum israelense foi vítima dos projéteis e apenas alguns ficaram feridos em comparação a dezenas de palestinos mortos que, em sua vasta maioria, eram civis.

Os projéteis lançados pelos palestinos procedem de diferentes locais e estão longe de integrar o moderno mercado de armas. Enquanto muitos são produtos domésticos, outros são equipamentos da década de 1990. Com alcance de 6 a 25 milhas, esses mísseis não possuem a tecnologia necessária para mirar alvos no território israelense e acabam por atingir, muitas vezes, terrenos inabitados. Além disso, na maior parte dos casos, os militares israelenses conseguem interceptar os foguetes pelo seu avançado sistema de defesa, mantendo uma taxa de 90% de sucesso nos casos. Nos últimos seis dias, cerca de 740 misseis foram lançados e apenas 30 atingiram Israel. 

Além de possuir poucos recursos financeiros, o Hamas encontra grande dificuldade em comprar armas por conta do bloqueio israelense nas fronteiras da Faixa de Gaza. Tudo o que consegue provém de túneis ilegais. O grupo palestino tão pouco possui uma estrutura militar comum às Forças Armadas, com treinamento regular e corpo de oficiais. Seus combatentes não atuam em batalhas, mas sim em ações de guerrilha. 

É este o corpo organizacional que uma das Forças Armadas mais potentes do mundo enfrenta hoje. Com orçamento militar anual ao redor dos US$ 12 bilhões, Israel recebe ajuda de US$ 3 bilhões dos Estados Unidos para investir em equipamentos. Jatos de tecnologia militar de última geração bombardeiam a Faixa de Gaza e sistemas de defesa aprimorados derrubam os projeteis. 

Há uma imensa assimetria na capacidade de cada um dos lados de infligir danos e sofrimento devido ao domínio militar total de Israel na região. Esse fato transparece no número desproporcional de mortos e destruição afligida. Até agora, mais de um terço das vítimas palestinas são civis, incluindo crianças e idosos, e o número parece estar apenas aumentando.

Se Israel é tão superior militarmente ao Hamas e em poucos dias já conseguiu destruir grande parte do território palestino, por que realizar uma operação? Se o objetivo das autoridades era atingir o grupo, por que não optar apenas por ações de seu desenvolvido serviço de inteligência contra seus líderes? 

Essas perguntas parecem ingênuas, mas, com certeza, foram consideradas pelo governo e pelos chefes de segurança do país, que escolheram deliberadamente a opção militar. Não podemos nos esquecer da afirmação de Eli Yishai, vice-premiê de Israel, de que o objetivo da operação "é mandar Gaza de volta para a Idade Média". 

Longe de ser uma ruptura com a política israelense para a Faixa de Gaza, a nova investida integra as iniciativas de ocupar e sitiar o território palestino que vão desde o bloqueio econômico e militar à expansão de assentamentos israelenses.

E, para aqueles que não se lembram, essa não é a primeira vez que as Forças Armadas atacam a Faixa de Gaza em uma suposta luta contra o Hamas. Em 2009, as autoridades realizaram a operação “Chumbo Fundido”, que, em apenas 22 dias, deixou 1.434 palestinos mortos, incluindo 1.259 civis.

Até os dias atuais, os palestinos não conseguiram se recuperar desses ataques pela falta de materiais de construção disponíveis, que permanecem bloqueados por oficiais israelenses nas fronteiras. De acordo com relatório das Nações Unidas de setembro deste ano, apenas 25% dos edifícios danificados na investida foram reconstruídos. 

Analisando os dados da operação, o professor norte-americano Norman Filkenstein conclui que não houve uma guerra, mas sim um massacre contra o povo palestino. Será que o que estamos assistindo nesses últimos dias na Faixa de Gaza não deve receber essa conotação, em vez de “guerra” ou “ação defensiva”?

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Zumbi Vive!


Mario Maestri no CORREIO DA CIDADANIA   


Em 20 de novembro de 1695, Nzumbi dos Palmares caía lutando em mata perdida do sul da capitania de Pernambuco. Seu esconderijo fora revelado por lugar-tenente preso e barbaramente torturado. Mutilaram seu corpo. Enfiaram seu sexo na boca. Expuseram a cabeça do palmarino na ponta de uma lança em Recife. Os trabalhadores escravizados e todos os oprimidos deviam saber a sorte dos que se levantavam contra os senhores das riquezas e do poder.
***
Em 1654, com a expulsão dos holandeses do Nordeste, os lusitanos lançaram expedições para repovoar os engenhos com os cativos fugidos ou nascidos nos quilombos da capitania. Para defenderem-se, as aldeias quilombolas confederaram-se sob a chefia política do Ngola e militar do Nzumbi. A dificuldade dos portugueses de pronunciar o encontro consonantal abastardou os étimos angolanos nzumbi em zumbi, nganga nzumba, em ganga zumba. A confederação teria uns seis mil habitantes, população significativa para a época.
 
Em novembro de 1578, em Recife, Nganga Nzumba rompeu a unidade quilombola e aceitou a anistia oferecida apenas aos nascidos nos quilombos, em troca do abandono dos Palmares e da vil entrega dos cativos ali refugiados ou que se refugiassem nas suas novas aldeias.
 
Acreditando nos escravizadores, Ganga Zumba deu as costas aos irmãos de opressão e aceitou as miseráveis facilidades para alguns poucos. Abandonou as alturas dos Palmares pelos baixios de Cucuá, a 32 quilômetros de Serinhaém. Foi seduzido por lugar ao sol no mundo dos opressores, pelas migalhas das mesas dos algozes.
 
Então, Nzumbi assumiu o comando político-militar da confederação.
 
Para ele, não havia cotas para a liberdade ou privilegiados no seio da opressão! Exigia e lutava altaneiro pelo direito para todos!
 
Não temos certeza sobre o nome próprio do último nzumbi que chefiou a confederação após a defecção de Nganga Nzumba. Documentos e a tradição oral registram-no como Nzumbi Sweca.
***
Nos derradeiros ataques aos Palmares, as armas de fogo e a capacidade dos escravistas de deslocar e abastecer rapidamente os soldados registravam o maior nível de desenvolvimento das forças produtivas materiais do escravismo, apoiadas na superexploração dos trabalhadores feitorizados. As tropas luso-brasileiras eram a ponta de lança nas matas palmarinas da divisão mundial do trabalho de então.
 
Não havia possibilidade de coexistência pacífica entre escravidão e liberdade. Palmares era república de produtores livres, nascida no seio de despótica sociedade escravista, que surge hoje nas obras da historiografia apologética como um quase paraíso perdido, onde a paz, a transigência e a negociação habitavam as senzalas. Palmares era exemplo e atração permanentes aos oprimidos que corroíam o câncer da escravidão.
 
Como já lembraram, nos anos 1950, o historiador marxista-revolucionário francês Benjamin Pérret e o piauiense comunista Clóvis Moura, a confederação dos Palmares venceria apenas se espraiasse a rebelião aos escravizados dos engenhos, roças e aglomeração do Nordeste, o que era então materialmente impossível.
 
Palmares não foi, porém, luta utópica e inconsequente. Por longas décadas, pela força das armas e a velocidade dos pés, assegurou para milhares de homens e mulheres a materialização do sonho de viver em liberdade de seu próprio trabalho. Indígenas, homens livres pobres, refugiados políticos eram aceitos nos Palmares. Eram braços para o trabalho e para a resistência.
 
A proposta da retomada da escravidão colonial em Palmares, com Zumbi com um “séquito de escravos para uso próprio”, é lixo historiográfico sem qualquer base documental, impugnado pela própria necessidade de consenso dos palmarinos contra os escravizadores. Trata-se de esforço ideológico de sicofantas historiográficos para naturalizar a opressão do homem pelo homem, propondo-a como própria a todas e quaisquer situações históricas.
 
Palmares garantiu que milhares de homens e mulheres nascessem, vivessem e morressem livres. Ao contrário, em poucos anos, os seguidores de Ganga Zumba foram reprimidos, reescravizados ou retornaram fugidos aos Palmares, encerrando-se rápida e tristemente a traição que dividiu e fragilizou a resistência quilombola.
 
A paliçada do quilombo do Macaco foi a derradeira tentativa de resistência estática palmarina, quando a resistência esmorecia. Ela foi devassada em fevereiro de 1694, por poderoso exército, formado por brancos, mamelucos, nativos e negros, entre eles, o célebre Terço dos Enriques, formado por soldados e oficiais africanos e afro-descendentes. Não havia e não há consenso racial e étnico entre oprimidos e opressores.
 
O último reduto palmarino, defendido por fossos, trincheiras e paliçada, encontrava-se nos cimos de uma altaneira serra.
***
A serra da Barriga e regiões próximas, na Zona da Mata alagoana, com densa vegetação, são paragens de beleza única. Quem se aproxima da serra, chegado do litoral, maravilha-se com o espetáculo natural.
 
O maciço montanhoso rompe abruptamente, diante dos olhos, no horizonte, como fortaleza natural expugnável, dominando as terras baixas, cobertas pelo mar verde dos canaviais flutuando ao lufar do vento.
 
Se apurarmos o ouvido, escutaremos os atabaques chamando às armas, anunciando a chegada dos negreiros malditos. Sentiremos a reverberação dos tam-tans lançados do fundo da história, lembrando às multidões que labutam, hoje, longuíssimas horas ao dia, não raro até a morte por exaustão, por alguns punhados de reais, nos verdes canaviais dessas terras que já foram livres, que a luta continua, apesar da já longínqua morte do general negro de homens livres.
 
Mario Maestri é professor do programa de pós-graduação em História da UPF.
E-mail: maestri(0)via-rs.net