terça-feira, 23 de junho de 2009

Ainda Keynes....

As duas facetas de Keynes


Chris Harman

Economistas de esquerda e de direita apresentam as idéias e propostas de Keynes como resposta à atual crise do capitalismo. Desde as teorias de Keynes, pretende-se fazer pequenas mudanças que não desafiem fundamentalmente o funcionamento do capitalismo. Não é hora, para quem se reivindica de esquerda, de reconhecer suas debilidades?

"Hoje, todos acham que foi um grande economista". É o que diz um artigo do Financial Times sobre John Maynard Keynes. E é o que aparenta ser. Dizem que Keynes mostrou nos anos 30 como superar as crises e que seus métodos podem ser aplicados aos dias atuais.

Entretanto, há um grande erro nesta mensagem. Keynes nunca mostrou como superar as crises nos anos 30, o que fez foi polemizar impiedosamente contra aqueles que consideravam que as crises poderiam ser superadas a partir da piora das condições de vida dos trabalhadores e que, em última instância, era o preço a ser pago para salvar a economia de mercado. Os argumentos de Keynes sobre a idiotice de acreditar que o mercado solucionaria nossos problemas continuam relevantes para os dias de hoje.

Os economistas convencionais de hoje confiam na chamada Lei de Say que defende que não se pode gerar uma crise de superprodução porque alguém sempre compra algo que alguém vende. Keynes tinha um ponto de vista que já havia sido colocado 60 anos antes por Karl Marx (mesmo que Keynes tenha dito que leu algumas poucas páginas das obras de Marx): tudo que é produzido pela economia apenas pode ser vendido se os trabalhadores gastam todo seu salário e os capitalistas gastam todos seus lucros. Os trabalhadores não podem evitar com que gastem todo seu salário. Mas os capitalistas podem decidir guardar seus lucros em bancos ou "debaixo da cama", ao invés de utilizá-los para investimentos ou gastos próprios. Neste caso, abre-se uma brecha entre o que se produz e o que se pode vender.

Aos que diziam que mais bens podem ser vendidos e que o desemprego pode desaparecer se os trabalhadores aceitassem reduções salariais - o que permitiria uma queda nos preços - Keynes respondeu que isto significava que os trabalhadores comprariam menos bens. E, conseqüentemente, implicaria em mais reduções salariais e diminuição das vendas. Desta maneira, ele destruiu o argumento que era utilizado como justificativa para não fazer nada sobre as massas desempregadas. Mas ele não encarou seus argumentos como "anticapitalistas", mas sim como uma forma de convencer os capitalistas a aceitar mudanças que poderiam salvar o capitalismo.

Keynes escreveu que sua teoria era "moderadamente conservadora em suas implicações". Seu biógrafo, Lord Skidessky, diz que as propostas de Keynes foram adaptadas “levando em conta a psicologia da comunidade empresarial. Na prática, ele foi muito cauteloso”. Tudo o que era necessário era a capacidade de intervenção do Estado para elevar o nível de investimento e de consumo. Dois tipos de medidas eram necessários.

Em primeiro lugar, os governos deveriam reduzir a taxa de juros. Isto poderia encorajar as pessoas a gastarem, ao invés de guardarem, sua renda, o que proporcionaria um mercado para a produção e encorajaria as empresas a investirem. No entanto, Keynes reconhecia que era "um tanto cético sobre a mera aplicação de políticas monetárias". Segundo, os governos poderiam realizar gastos por conta própria que seriam financiados por empréstimos. Tal "déficit de financiamento" seria eventualmente pago por conta própria, já que ao ocorrer crescimento econômico o governo arrecadaria com o aumento de impostos.

Mas quando suas políticas foram postas em prática, Keynes estava preocupado por causar incômodo aos capitalistas, já que a reação psicológica deles determinava de que forma o investimento seria aplicado. Logo, suas propostas eram muito moderadas para poder pôr um fim à Grande Depressão. No início dos anos 30, quando o desemprego aumentava em 100%, Keynes apoiou Lloyd George, líder conservador britânico que havia sido primeiro-ministro na década passada, em um chamado para um programa de obras públicas que diminuiria o aumento do desemprego para 89%. Keynes aconselhou Roosevelt a não pôr em prática "negócios e reformas sociais que deveriam ter sido adotados muito antes" porque "complicavam a recuperação" e incomodariam "a confiança dos empresários".

Uma estimativa afirma que para criar três milhões de postos de trabalho necessários para pôr fim ao desemprego no auge da Grande Depressão dos anos 30 teria sido necessário um aumento de, aproximadamente, 59% nos gastos públicos. Este aumento não era possível com os métodos "gradualistas" de Keynes, já que conduziriam diretamente a uma fuga de capitais ao exterior, um aumento das importações, um déficit na balança de pagamentos e um forte aumento das taxas de juros.

Em alguns trechos de sua obra mais importante, A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, Keynes percebeu que este tipo de moderação talvez não fosse suficiente. Ele sugeriu que alguma coisa fundamental ao sistema estava provocando uma diminuição no investimento – uma diminuição da "eficiência marginal do investimento". Esta idéia é parecida em alguns aspectos à teoria de Marx sobre a queda da taxa de lucro e mostra que essencialmente há algo de errado no capitalismo e que não pode ser solucionado apenas através do ajuste das taxas de juros ou dos níveis de gastos do governo. Isto levou Keynes a sua afirmação mais radical: "A socialização dos investimentos seria o único meio de assegurar uma situação aproximada de pleno emprego".

O próprio Keynes não se aprofundou em suas análises, tampouco seus seguidores. Pelo contrário, assim como Keynes, adaptaram sua teoria ao que o capitalismo poderia aceitar. Hoje, os recém-convertidos ao keynesianismo nos governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e de outros países europeus buscam, assim como defendia Keynes, salvar o capitalismo de si mesmo. Isto significa que eles tentarão nos fazer pagar a conta pela crise para que os capitalistas continuem contentes.

Os keynesianos de esquerda têm que escolher entre duas opções: concordarem com os recém-convertidos ao keynesianismo e buscarem encontrar maneiras de salvar o capitalismo ou refletirem sobre as afirmações e idéias mais radicais de Keynes e unirem-se aos marxistas no desafio ao controle da economia pelo capital.

Tradução: Henrique Sanchez

Artigo de Frei Beto....

Esqueceram de mim ou o Fracasso do G-20






Frei Betto *Adital -

Meu nome é miséria. Comprometo, hoje, a vida de cerca de 1,5 bilhão de pessoas, sobretudo crianças desnutridas, vulneráveis à morte precoce.

Tinha esperança de que na reunião em Londres, no início de abril, o G-20, que reúne as 20 maiores economias do planeta, se lembrasse de mim. Hoje, devido à indiferença dos que governam o mundo, ameaço a maioria da população da África, cuja situação é agravada por cerca de 25 milhões de pessoas contaminadas pelo HIV. Em menor proporção, estou presente também na Ásia e na América Latina.

No Brasil, sou encontrada a olhos vistos no Vale do Jequitinhonha (MG), na fronteira entre Alagoas e Pernambuco, no interior do Maranhão e do Pará, nas tribos indígenas e entre a população quilombola. E, de modo aberrante, nas favelas que circundam as grandes cidades.

Esperava que o G-20, frente à crise financeira mundial, fosse destinar recursos para reduzir a minha incidência global. Segundo as Metas do Milênio, da ONU, bastariam US$ 500 bilhões para erradicar a fome crônica que, hoje, castiga 950 milhões de pessoas.

Os governantes do G-20 sofrem de hiperopia, o contrário da miopia: enxergam muito mal de perto. Em vez de debaterem como livrar o mundo da minha presença, decidiram destinar US$ 1,1 trilhão para "salvar o mercado", entenda-se, FMI, BID, Banco Mundial, grandes empresas e bancos - os responsáveis pela crise.

O capitalismo neoliberal deu um tiro no próprio pé. Agora apela aos cofres públicos para socorrer os "pobres" miliardários que costumam transformar a injeção de recursos em bônus astronômicos aos executivos de empresas sob risco de falência.

Que decepção o G-20! Pensei que daria fim aos paraísos fiscais. Em vez de fechar o bordel, decidiu divulgar o nome de seus frequentadores. Viva o império dos laranjas! Já deve ter gente abrindo empresas capazes de dividir a grana do narcotráfico e da corrupção em porções mais palatáveis.

Por que o G-20 não proibiu governos, empresas e pessoas físicas de terem ativos em paraísos fiscais ou de se associarem a instituições ali estabelecidas? A resposta é óbvia: encarregou a raposa de manter fechado o galinheiro...

Vários países europeus são verdadeiros Éden para as finanças escusas: Suíça, Luxemburgo, Bélgica, Áustria, a City de Londres etc. Quem garante que esses feudos de riqueza ilícita (no mínimo, sonegadora de impostos em seus países de origem) vão mesmo quebrar o sigilo bancário de seus clientes, como quer o G-20?

E por que entregar toda essa fortuna de US$ 1,1 trilhão ao FMI, de triste memória? Todos sabemos tratar-se de uma instituição atrelada à Casa Branca e à política exterior usamericana; mete o nariz nas finanças dos países que lhe tomam dinheiro emprestado; impõe medidas econômicas que favorecem privatizações, aumento da desigualdade social, oligopolização de empresas e bancos etc.

Em suma: os contribuintes, ou seja, o povo, que mais paga impostos, está compulsoriamente convocado a canalizar fortunas para tentar aplacar a crise financeira dos donos do mundo. Estes temem que, sem crédito, os países emergentes deixem de comprar produtos manufaturados das nações ricas, aumentando o desemprego, e sigam o exemplo do Equador, que decretou moratória enquanto durar a crise.

Antes de pensar em contribuir com US$ 10 bilhões para a "vaquinha" do FMI, o Brasil deveria curar-se da hiperopia e olhar um pouco mais para mim: com esse recurso eu seria progressivamente erradicada e haveria aqui mais educação, menos violência urbana e, portanto, mais qualificação profissional e menos desemprego.

[Autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros.


Maria Alcina - Maria Alcina (1974)




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