Escrito por Gabriel Brito, da Redação do CORREIO DA CIDADANIA |
Cerca de dois meses após a renúncia de Ricardo Teixeira da
presidência da CBF, absolutamente nada no futebol brasileiro oferece
sinais de mudança. Seu sucessor, José Maria Marin, entulho malufista e
da ditadura, continua candidamente no cargo que parecia prestes a ser
disputado em novas eleições, com o crescente beneplácito dos clubes,
federações e governo federal.
Dessa forma, ficou até fácil para os asseclas de Teixeira, certamente
em tom de gratidão, exaltarem o “legado” e o “brilhantismo” de sua
gestão, que teria tornado o futebol brasileiro vencedor como nunca. Não
faltaram exemplos da mídia, capitaneada pela Globo, ressaltando os
títulos conquistados pela seleção em todas as categorias, e o
esquecimento, nada inocente, das variadas formas de devastação que
Teixeira e sua turma promoveram em nosso futebol.
Cabe, portanto, uma análise a respeito do que foram, de fato, os anos
de Ricardo Teixeira à frente do futebol nacional e sua verdadeira
herança.
O Ministério do Bom Senso adverte:
Antes que alguns precipitados saiam em defesa do que Romário definiu
como “câncer extirpado”, é bom se ater a tais fatos, vide a
subserviência com que certa parte da mídia tratou o cartola, inclusive
em sua vexatória despedida através de carta lida por um “desconhecido”
vice.
Em primeiro lugar, os atuais valores astronômicos que giram em torno
da CBF e da camisa da seleção nacional não são nada mais que produto da
valorização global adquirida pelo futebol a partir dos anos 90, tornado
um grande e bilionário negócio em escala mundial. E nesse sentido, o
Brasil ainda se encontra atrás de outros países, apesar de ser hoje a
sexta economia do mundo e o propalado “país do futebol”.
Em segundo, quem trouxe e bancou a Copa do Mundo no Brasil foi o
governo federal, cuja chancela foi fundamental para receber o voto de
confiança da FIFA, que por sua vez tem escolhido somente países que
permitem uma fácil ramificação de seus negócios – e também de seus
parceiros. Além disso, a federação internacional estabeleceu, no fim dos
anos 90, um rodízio de continentes para receber a Copa. Quando chegou a
vez da América do Sul, o Brasil foi candidato único. E ainda a respeito
do mundial, cabe lembrar que Teixeira garantiu que seria financiado
pela iniciativa privada, algo que comprovadamente não acontecerá.
Em relação aos títulos da seleção, não passa de “apropriação
indébita”, provavelmente a maior especialidade da figura cuja gestão
distanciou como nunca a seleção brasileira de seus torcedores. Aceitou
passivamente uma patética imposição da FIFA (em 2003), por pressão da
UEFA (a Confederação Européia), de só realizar amistosos da seleção em
território europeu (ou a 4 horas de distância de avião), o que caiu como
uma luva em sua estratégia de terceirizar os jogos da seleção para uma
empresa de marketing esportivo, que por sua vez se ocupa de “vendê-los”
pelos mais lucrativos preços. Por isso a equipe canarinho acumulou
dezenas de “clássicos” inexpressivos mundo afora, inclusive mantendo
relações com os mais repugnantes governos.
Além do mais, jamais propiciou um ambiente de profissionalismo e
organização nas federações e nos clubes, que passaram a maior parte
desses anos acumulando dívidas estratosféricas e, mais diretamente,
sendo roubados e degradados pelos mais diversos conluios de cartolas e
empresários – assim como os estádios. Aliás, foi sob sua gestão que essa
nova categoria surgiu com toda a força no futebol nacional, sem
barreiras para atuação, o que levou ao assalto de inúmeras categorias de
base. Acabou-se a velha Lei do Passe para que todo o poder fosse
transferido aos empresários.
Dentro de tamanha desordem e insolvência financeira, não surpreende
que as últimas gerações de jovens tenham se acostumado a assistir nossos
melhores jogadores pela televisão, nas competições européias, nos mais
diversos países e em clubes de todos os níveis. Em muitos casos, não há
televisão que resolva, pois também mandamos enormes contingentes do
nosso “pé-de-obra” para os países árabes, asiáticos, do leste europeu,
dentre outros destinos que oferecem enorme comodidade estrutural e
salários com os quais os clubes brasileiros não podem concorrer.
E a respeito da retórica estelionatária de que sua gestão trouxe
incríveis 112 taças, de todas as categorias, incluindo as Copas de 94 e
2002, só nos resta o desprezo e aquele riso de canto de boca, de quem
sabe que no futebol, especialmente o brasileiro, jamais se coloca na
conta de dirigentes os títulos conquistados pelos jogadores. Um discurso
francamente abusivo, pois jamais se viu Teixeira vivenciar e debater o
futebol, de modo a demonstrar algum conhecimento que pudesse ser
colocado na conta dos resultados da seleção, para bem ou para mal.
O futebol doméstico continuou parado no tempo, com um calendário
extenuante e a eterna troca de favores com dirigentes de federações
estaduais dando as cartas e mantendo tais competições com fórmulas
caça-níqueis, desgastantes e cada vez piores tecnicamente. Já as
divisões nacionais de acesso seguem ao relento, sendo absolutamente
insuficientes para acomodar os cerca de 600 clubes profissionais que
militam no país. Fora que as séries C e D são ainda muito precárias e
desprestigiadas.
Com isso, privilegiam-se enormemente os grandes clubes, com um ano
inteiro repleto de competições e jogos atraentes, o que obviamente os
faz mais rentáveis, criando um grupo seleto de poucas dezenas, que
basicamente são os times das séries A, e mais modestamente, B. A imensa
maioria fica relegada a competições fracas e pouco úteis, ou
simplesmente no ócio por meses, o que as impede de se sustentar com
consistência e revelar novos jogadores.
Um tiro no peito do Norte/Nordeste
Na esteira de tamanho descaso com os clubes, por conta da excessiva
atenção destinada aos negócios, não é de surpreender que as equipes das
regiões Norte e Nordeste, e dos estados mais fracos em geral,
sucumbissem aos tempos modernos. Descuidada a organização do futebol
doméstico, por sua vez guiado pelos interesses particularistas da Rede
Globo, é esperado que as equipes de segundo ou terceiro escalão também
se vejam diante de dificuldades imensas.
Preocupada somente com audiência e retorno publicitário, a Vênus
Platinada, grosso modo, só quer saber de Corinthians e Flamengo, o que
relega equipes tradicionais e importantes, menos populares e de força
mais regional, a papéis cada vez mais decorativos no cenário
futebolístico, por vezes sequer servindo como formadoras de novos
atletas, algo que em última instância prejudica todo o conjunto.
Contra a vontade da associação que congregava os clubes nordestinos,
Teixeira e Globo extinguiram o Campeonato do Nordeste, competição que
reunia os principais clubes da região e era um grande sucesso de renda e
público, encerrado em 2002. O mesmo se deu com a Copa Norte, que mesmo
de forma mais modesta também fortalecia alguns clubes da região.
Com esse fator, somado a uma distribuição cada vez mais elitizada do
dinheiro e a eterna covardia dos dirigentes dos clubes, gente
absolutamente do mesmo nível de Teixeira, talvez apenas com menos
habilidades, o século 21 marcou o início da marginalização dos times
dessas regiões, cuja distância para os grandes do Sudeste/Sul não parou
de crescer.
Mesmo algumas potências campeãs nacionais como o Bahia e o Sport
sofrem para se manter na primeira divisão, que dirá a respeito de ter
grandes equipes por longo período, como se via antigamente. Hoje em dia,
a principal divisão nacional abriga poucos clubes nordestinos, que via
de regra lutam apenas pela permanência, jamais pelas primeiras posições.
Ao Norte, potências regionais como Remo e Paysandu não conseguem
lugar sequer na segunda divisão, mesmo possuindo admiráveis massas
torcedoras. Já os amazonenses, a despeito de sediarem a Copa, têm um
futebol que mal pode ser chamado de profissional, sendo que seu
campeonato amador supera o ‘oficial’ em popularidade.
O mesmo vale para o Centro-Oeste, com exceção de Goiás. Mas as sedes
da região na Copa serão os novos estádios a serem erguidos em Cuiabá e
Brasília. O belo e prontíssimo Serra Dourada não tem vez nessa grande
onda de negócios em torno dos estádios/shoppings.
Como se não bastasse, um dos últimos atos de Teixeira foi ajudar a
implodir a negociação coletiva dos clubes com a televisão pela
transmissão do Campeonato Brasileiro, evitando a concorrência exigida
pelo Cade e favorecendo descaradamente a Rede Globo, que mais uma vez
levou a melhor rasgando as regras do jogo e usando seu cacife de
emissora oficial da República.
Com isso, as agremiações partiram para negociações individuais, o que
tende a mostrar efeitos nefastos para o futebol nacional até no curto
prazo, uma vez que as equipes mais populares e com mais “força de
mercado” assinaram contratos por valores incomparáveis. Isso certamente
aumentará o abismo entre os times grandes e pequenos no país. Portanto,
outra punhalada nos clubes do Norte/Nordeste, que, a depender das
medições de mercado, sempre estarão (muito) atrás.
Um legado... para os amigos
Diante do apanhado, fica notório que Ricardo Teixeira não passou de
mero balconista do mundo do futebol, isso na chamada era da
globalização, isto é, no momento em que o esporte, como tudo na vida, se
mercantilizou como nunca, trazendo diversos negócios associados e entes
outrora estranhos interessados em investir. Sequer, portanto, pode ser
chamado de visionário ou qualquer coisa que o valha.
Sua postura pessoal diante da imprensa e do público torcedor sempre
foi marcada pela arrogância e triunfalismo nos momentos de vitórias,
dentro ou fora de campo. Por outro lado, sempre agiu como rato nos
momentos negativos ou de questionamentos, desaparecendo completamente do
radar.
Tampouco utilizou as fortunas angariadas pela seleção brasileira no
sentido de fomentar o futebol país afora, especialmente nos locais com
menos recursos. Preferiu comprar jatinhos e financiar campanhas
políticas de aliados, entre outros investimentos obscuros.
Jamais dialogou ou respeitou torcedores, sendo presença inexistente
nos estádios e grandes jogos dos torneios nacionais, e nunca se importou
com as condições de conforto e respeito aos jogadores e freqüentadores
desses locais que agora passam por um claríssimo processo de
higienização e elitização.
Pois, no que depender de gente como Teixeira, o futebol tem mais é
que se tornar um espetáculo para quem pode pagar, de preferência cada
vez mais, sem que haja problemas na substituição do torcedor pelo
consumidor nas arquibancadas. Aliás, arquibancadas e gerais podem sumir e
dar lugar somente às chamadas numeradas e seu seleto público abastado e
passivo.
O governo, por sua parte, apesar de financiar Copas do Mundo e
dívidas gigantescas desses clubes, nada faz, contentando-se em limá-lo
do cargo, em nome dos fortes apelos públicos, e escrever mais uma página
farsesca de sua “faxina contra a corrupção”, sem qualquer conteúdo
político de fundo e propostas realmente renovadoras. Como dito em
análise anterior, não passa de uma rápida aparada de arestas a fim de
tornar todas as maracutaias vindouras mais discretas e palatáveis, pois,
diante dos mega-negócios que se avizinham, um personagem como Teixeira
só tinha a atrapalhar.
Teixeira foi pra bem longe, mas se o país se recusa a adentrar a
maioridade política, administrativa e moral, não será o futebol, mero
reflexo geral, a tomar a iniciativa. Por aqui isso está claro. E que
venha a Copa e seus ilusionismos, sob a batuta da mesma CBF de sempre.
Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 18 de maio de 2012
Euforia com mega-eventos pode manter intactos retrocessos da era Teixeira
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Marcio Pochmann: ‘Ascensão da classe trabalhadora dá sinais de esgotamento’
Piero Locatelli no CARTA CAPITAL
Prestes a disputar a eleição municipal em Campinas, o economista
Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada), nega a existência de uma nova classe média no Brasil em seu
novo livro A Nova Classe Média?, da Editora Boitempo.
Na obra, o economista defende a tese de que a mudança social dos
últimos oito anos não resultou na criação de uma nova classe média no
País. Segundo ele, os empregos gerados nos últimos anos criaram uma
classe trabalhadora consumista, individualista e despolitizada.
Esse movimento de ascensão da classe trabalhadora, segundo Pochmann, apresenta sinais de esgotamento, e agora o governo deve buscar outras maneiras de gerar emprego.
O economista deve sair em breve do Ipea, onde está desde 2007, para
concorrer à prefeitura de Campinas pelo PT. O livro será lançado no
próximo dia 29, durante debate na sede da PUC, em São Paulo.
CartaCapital: O senhor fala que há um despreparo das
instituições democráticas para canalizar os interesses da nova classe
trabalhadora. Por quê?
Marcio Pochmann: Estamos observando uma
despolitização nesta ascensão social no País. Ela vem envolvida nos
valores do mercado, e não poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70.
Naquela época, havia uma ação mais direta das instituições, o que nós não estamos vendo hoje.
Há um despreparo das instituições para lidar com esse segmento que,
possivelmente, liderará o processo político brasileiro. De alguma forma,
esse segmento conduzirá a política brasileira. Seja pela direita, seja
pela esquerda.
Os sindicatos, associações de bairro e partidos políticos estão
observando esse avanço social que não se traduz em aumento das filiações
nos sindicatos, nas associações de bairros, nos partidos políticos.
Veja que cerca de 1 milhão de jovens ingressaram na universidade
através do Prouni. Isso é uma ascensão na universidade, mas se traduziu
na ampliação e reforço do movimento estudantil? A gente não observa
isso.
Acontece a mesma coisa em relação aos leitores. Houve um avanço de
mais de 40 milhões de leitores no Brasil, mas a ampliação da mídia
escrita não se traduziu nesse mesmo sentido.
CC: Há uma explicação para isso?
MP: As instituições democráticas não entenderam ainda o que tem sido
essa mobilidade social. Como nós temos pouco conhecimento, não temos
uma ação mais identificada. Os sindicatos acabam sendo mais defensores
do passado que protagonistas do futuro porque não conseguem criar um
diálogo com esse segmento. É um desafio evidente para todos nós.
CC: O senhor fala que a classe trabalhadora é consumista. Isso é necessariamente ruim?
MP: Não, é um movimento natural que ocorre quando
você não tem a politização, consegue um emprego e tem a elevação da sua
renda. Você entende como sendo resultado do seu esforço individual
quando, na verdade, nós sabemos que a geração e a elevação da renda
dependeram de um acordo político, de uma decisão política, de um
resultado eleitoral.
Portanto, o que eu quero chamar a atenção é que essa manifestação que se observa de forma mais clara é natural do ponto
de vista da individualidade de cada um. Mas se não vem acompanhada de
um processo de conscientização, essa ascensão pode ao mesmo tempo
retroagir ou ser encaminhada para uma visão de sociedade muito diferente
da que levou a uma ascensão social recente.
CC: Porque as pessoas identificam a ascensão como resultado do próprio esforço individual…
MP: Esse é o papel da politização, até porque você
percebe que as coisas foram feitas com esses segmentos. Eles são
favoráveis ao crescimento, ao emprego e assim por diante. Mas na questão
dos valores mais amplos da política, como pena de morte, eles
majoritariamente estão atrelados a visões muito ultrapassadas.
CC: A maior parte dos empregos gerados foi com rendimento
próximo a um salário mínimo. Como o governo pode gerar empregos com
melhor remuneração?
MP: Primeiro quero dizer que foi muito bom ter
gerado esses empregos acompanhados da formalização e do aumento do
salário mínimo, tendo em vista o estoque de desempregados que nós
tínhamos. Nos anos 2000 eram praticamente 12 milhões de pessoas
desempregadas. Se o Brasil não gerasse esse tipo de oportunidade, se
gerasse empregos de classe média, que exigem maior escolaridade, esse
segmento que ascendeu não teria ascendido. Mas esse movimento está
apresentando sinais de esgotamento. Porque a questão fundamental neste
momento é a ampliação dos investimentos para aumentar a capacidade
produtiva. E o aumento de investimento, novas fábricas, novos avanços da
produção vêm acompanhados de inovação tecnológica, maior exigência de
qualificação, maior demanda de trabalhadores com escolaridade, portanto
maiores salários e ocupações melhores.
CC: No livro, o senhor diz que as pessoas que acenderam
socialmente nos últimos anos não podem ser consideradas de uma nova
classe média. Por quê?
MP: Uma classe média tem ocupações diferentes dessas
que foram geradas. Se fossem vinculadas a bancários, professores ou
dirigentes de empresas, possivelmente nós poderíamos associar isso a
classe média, mas não foram essas ocupações que deram razão a essa
mobilidade social.
No caso brasileiro, parcelas significativas das ocupações não são
geradas pela indústria, mas sim por serviços. Por isso, entendemos que
são novos segmentos no interior da classe trabalhadora. A classe média
tradicionalmente tem uma estrutura muito diferente desses segmentos
novos que surgiram no Brasil. Ela tem mais gastos com educação e com
saúde. O peso da alimentação é muito menor do que o que se identifica
nesse segmento de renda de até 1,5 ou 2 salários mínimos mensais.
Ao mesmo tempo, a classe média poupa, não gasta tudo que ganha. Nela,
a elevação da renda não se traduz necessariamente na elevação do
consumo. Especialmente porque os bens que mais têm sido dinamizados no
país, como eletrodomésticos, são bens que a classe média já possui.
Então a classe média poupa. E isso é uma diferença que nós não
identificamos nos segmentos agora em ascensão.
A classe média tem ativos e patrimônio. São várias características
que infelizmente nós não conseguimos observar nesses segmentos que estão
ascendendo. E são segmentos que, ao nosso modo de ver, dizem respeito à
classe trabalhadora, tal como foi o padrão de expansão do Brasil nesses
últimos dez anos.
CC: Essas particularidades mudam, alguma forma o foco das políticas voltadas a essa parcela da população?
MP: Esse debate, de como se identifica essa ascensão
social no Brasil, tem implicações evidentes no posicionamento do Estado
brasileiro, das políticas públicas. Se nós identificarmos essa ascensão
como um movimento vinculado à classe média, certamente o papel do
Estado estaria ligado à difusão dos serviços privados, por intermédio de
subsídios, como através do Imposto de Renda, que subsidia gastos do
setor privado da classe média. Hoje é possível descontar despesas de
educação, saúde e previdência privada. São interesses diferentes da
classe trabalhadora, que são por bens públicos de interesse coletivo:
saúde pública, educação pública, transporte público.
CC: Quando o senhor deve sair do Ipea para se dedicar à campanha?
MP: Essa é uma resposta que eu não tenho condições
de dar. Até o 6 de julho, eu sei que tenho que sair inexoravelmente. O
dia que eu vou sair depende da presidenta, estou aguardando o
posicionamento dela.
CC: O senhor até hoje só tinha ocupado cargos técnicos e
agora está tentando a sua primeira eleição. Por que tomou a decisão de
ser candidato?
MP: Eu me considero um intelectual de perfil
engajado. Foi a partir de uma conversa com o próprio presidente Lula, em
que ele chamava atenção às mudanças que o Brasil estava passando no
começo desse século. As mudanças são muito diferentes daquela que o
Brasil estava passando nos anos 70, começo dos 80, quando o PT foi
criado. Hoje temos um ciclo de lideranças que foram forjadas num Brasil
que quase não existe mais. Existe uma necessidade de renovação do PT,
especialmente quando o partido está no auge ainda.
E tem também, outro lado. Em geral, a prefeitura existe como um cargo
com menor visibilidade quando se compara com o Executivo estadual e
nacional. No caso do Brasil, uma federação, o exercício de um mandato na
prefeitura é absolutamente fundamental. Quando se lança uma política
pública, se fala da experiência em determinada localidade, para saber se
dá certo, dá errado, de poder tornar um programa de abrangência
nacional. Temos uma oportunidade de testar experiências inovadoras no
ponto de vista da administração pública a partir da experiência local.
Campinas é uma cidade que permite essa oportunidade de iniciar um ciclo
de inovações em políticas públicas que são necessárias para o Brasil de
hoje.
CC: O senhor foi indicado pelo presidente Lula, a exemplo do
que aconteceu em São Paulo com o Fernando Haddad. Há setores do partido
que se incomodam com essas decisões tomadas com base no desejo do
ex-presidente.
MP: No meu caso, tive essa conversa com o presidente
Lula e depois comecei uma conversação longa com os militantes, com o PT
na cidade de Campinas e tanto assim que me submeti a uma prévia dentro
do PT com outro candidato. Foi a prévia com a maior participação na
cidade de Campinas e maior apoio a um candidato. Porque participei de um
processo interno democrático, aprendi muito, gostei.
CC: Tem falado com o ex-presidente?
MP: Eu estive com ele há duas semanas e conversamos
um pouco sobre esse período pós-prévia, organização da campanha. Ele
manifestou desejo de apoiar da melhor forma que puder.
CC: A presidenta Dilma já disse como será a presença dela na campanha?
MP: Eu ainda não tive essa oportunidade. Estou esperando o momento oportuno para conversar com ela.
CC: Quais partidos vão fazer parte da aliança?
MP: Também não há definição. A gente ainda começa a
ouvi-los, vai consultar vários partidos e fazer o balanço das
oportunidades para partidos. E tem tempo para a definição até julho, na
verdade.
CC: Campinas teve um prefeito cassado recentemente, Dr. Hélio (PDT). Haveria algum constrangimento em se aliar ao PDT?
MP: Não. Na verdade, eu imagino que a discussão
nesse âmbito da prefeitura se deu no passado, embora isso seja um
elemento a ser discutido. Se nós ficarmos discutindo o passado, não
teremos respostas para o futuro. Quero ser um candidato do futuro, ter
respostas para a sociedade. O passado serve só para a gente não
repeti-lo nem cometer os mesmo erros.
Baixa aprovação em concurso é alerta sobre formação de professores, diz governo do RS
O debate sobre a qualidade do ensino está aberto novamente no Rio
Grande do Sul. Os novos elementos são o resultado do Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre o estado gaúcho ter o
maior índice de reprovação (20,7%) no Ensino Médio e a baixíssima
aprovação dos professores no recente concurso
público do magistério. As duas notícias saíram esta semana e provocaram
uma coletiva de imprensa do secretário estadual de Educação, José
Clóvis, nesta quinta-feira (17). Na avaliação do executivo, os dados
sobre o ensino médio são os mesmos desde 1975 e a gestão Tarso Genro já
começou a Reforma do Ensino Médio no estado. Quanto aos pouco mais de 5
mil aprovados no concurso, ele anunciou novo concurso público para este
ano e sugeriu uma reflexão sobre a formação dos professores.
“Não quer dizer que eles (professores) tenham baixa formação
cultural, mas aquilo que eles estão aprendendo nas escolas de formação
não está adequado ao necessário aos padrões do profissional para sala de
aula”, afirmou o secretário José Clóvis. De acordo com o titular da
Educação, diferente das críticas sobre o grau de dificuldade da prova
aplicada no processo seletivo do magistério gaúcho, a prova foi
“normal”. Clóvis explicou que a Secretaria Estadual de Educação efetuou
nova verificação dos conteúdos e da bibliografia exigidos para o teste.
“Não houve excesso. Tudo que apareceu nas questões é o que se discute
sobre a prática de educação”, garante.
Foram quase 70 mil candidatos
que realizaram as provas no dia 15 de abril. Destes, 92,45% foram
reprovados. A composição da prova incluía Português, Legislação e
Conhecimentos Pedagógicos, como tradicionalmente ocorria, e inovou com a
exigência de conhecimentos específicos da habilitação do professor por
área. Com a aprovação de apenas 5,2 mil aprovados, entre os 10 mil
inscritos para o quadro em 131 habilitações diferentes, ainda será
contabilizado quais as áreas onde mais pessoas foram aprovadas. “O
importante é que nenhuma escola ficará sem professor. Onde não pudermos
colocar os convocados pela lista do concurso, vamos colocar os
professores contratados”, explica o secretário.
A realização do concurso foi
pensada justamente para reduzir o universo de cerca de 20 mil
professores contratados sem carreira no funcionalismo, fator que
dificulta o vínculo com a comunidade escolar e influencia na qualidade
do ensino. Com o baixo desempenho dos professores, o governo gaúcho
anunciou a realização de novo concurso para este ano. As provas deverão
ser aplicadas no final do ano ou no começo de 2013, no mesmo padrão de
exigência. “Pensamos um concurso dentro de padrões que consideramos
essenciais para um profissional adequado ao ensino de qualidade. O que
pudemos perceber é que está havendo dificuldades na formação dos
professores”, reforça José Clóvis.
O governo também irá promover o concurso público para funcionário de escola. O número de vagas
não foi fechado, pois a Secretaria ainda está desenhando os cargos que
serão disponibilizados. “Estamos trabalhando outra concepção.
Repensaremos o quadro funcional de acordo com a realidade atual da
escola pública: mais complexa, que oferece mais serviços e recebe mais
aporte financeiro com os programas Mais Educação, Escola Aberta e RS
Inovador. Precisamos de nutricionista para o controle de qualidade da
merenda, que virou uma refeição completa, técnicos de contabilidade para
gerenciar os novos recursos”, exemplificou José Clóvis.
“Melhor fazer novo concurso do que contratar pessoas que não estão preparadas”, diz Mariza Abreu
A ex-secretária de Educação do RS, Mariza Abreu concorda com a
realização do concurso público aplicado na gestão atual. Segundo ela, as
inovações por área do conhecimento e por região já haviam sido pensadas
no governo de Yeda Crusius (PSDB). “Fico feliz que isto foi adequado.
Nos outros estados as provas sempre foram separadas por áreas
específicas, só no RS que não. E a continuidade nas políticas públicas é
fundamental porque as mudanças na Educação acontecem de forma gradual.
Acaba que em quatro anos nunca dá tempo de fazer tudo, porque a rede
estadual é muito grande”, falou.
Mariza entende o baixo índice de aprovados como um fator positivo. “É
melhor realizar um novo concurso do que contratar pessoas mal
preparadas, que não se habilitam com formação continuada depois”, afirma
a ex-secretária. Ela afirma que o fato da modificação por região e não
por município ajuda a evitar desequilíbrios de ter mais ou menos
professores por cidades. “Tínhamos casos em que faltava professores e
outros locais sobravam”, comenta.
Porém, analisando apenas o edital do concurso, Mariza acredita que
possa ter ocorrido algum equívoco na definição dos conhecimentos
específicos. “Podem ter feito por disciplina e não por área. Existem
várias licenciaturas que são por área. E só o fato de ter sido a
primeira vez que se faz provas específicas já pode ter influenciado na
aprovação. Não acho isso ruim. Se temos o estado maior empregador de
professores exigindo no concurso, isso vai contribuir para melhorar os
cursos de formação. Falta uma interlocução entre as agências de formação
de professores e os empregadores. O resultado disso estoura no
professor”, avalia.
“Sobrecarga dificulta preparação para as provas”, acusa Cpers
A discussão sobre os índices de
aprovação dos professores perpassa também outros aspectos da carreira do
magistério, na avaliação do sindicato da categoria, o Cpers. A
presidente Rejane de Oliveira fala que um conjunto de elementos
influenciou os resultados das provas. “Foi um concurso diferenciado.
Nossa categoria saiu das provas dizendo que as questões foram mal
elaboradas, deixavam margem para dubiedade de interpretações. Foi uma
estratégia para contratação de poucos profissionais de carreira”,
acredita.
Rejane acusa que o grau de exigência foi intencionalmente seletivo
para não aumentar o número de professores que engrossarão o bolo do
pagamento do Piso Nacional do Magistério. “A precarização das relações
de trabalho continua e o governo ainda tenta jogar na sociedade que
falta qualificação da nossa categoria. Uma categoria com negativa do
governo para pagar o piso tem que se desdobrar em três turnos para dar
conta da sua sobrevivência e sobre pouco tempo para a preparação para
uma prova tão exigente”, defende.
secretária-adjunta de Educação Eulália Nascimento contesta dizendo
que o discurso político da negociação sobre o pagamento do piso não pode
ser caracterizado. “Temos que desmitificar a precarização da carreira
do magistério. Dos 21 mil professores que estão na carreira e que
receberam completivo, 17 mil estão aposentados. Somente 4 mil na ativa
recebiam a menos que o piso. O que comprova que a estrutura salarial e a
carreira do magistério não são a miserabilidade que se anuncia”, diz.
Ela complementa dizendo que “a carreira defendida via Plano de Carreira,
possibilita que do nível médio para graduação seja de 85% o aumento, e
ainda acrescido os índices dos triênios e das possibilidades das classes
que são de 5% a 50%”. O que significaria, segundo ela, uma margem de
composição salarial ao longo da carreira do magistério que varia do 1%
ao 400%. “Queremos mais do que isso ainda, mas não é a tragédia que se
anuncia em relação ao valor do piso”, defende.
Reprovação e Reforma do Ensino Médio
Sobre a taxa de reprovação no ensino médio apresentada pelo Inep esta
semana, em que o Brasil registrou os maiores indicadores desde 1999 e o
Rio Grande do Sul lidera o ranking dos estados, os gestores do governo
gaúcho alegaram não ser um reflexo desta gestão. “É um dado que o RS tem
desde 1975. Sempre variou de 17 a 21%”, falou o secretário de Educação,
José Clóvis comparando aos atuais 20,7%.
A realização do concurso público foi uma das ações citadas pelo
secretário como fatos concretos de uma mudança na qualidade do ensino
público e que impactarão futuramente nos índices do Inep. “Desde 2011
estamos atentos a estes indicadores. Porém, os resultados são de médio e
longo prazo. Estamos licitando 400 obras em escolas para reformas
inovadoras. Escolas com cozinha industrial, áreas de esporte e lazer,
sala de estudos para professores. O ambiente adequado para que a
estrutura não comprometa a qualidade da aprendizagem”, justificou.
A precariedade das instituições públicas de ensino não passa batido
aos olhos do sindicato que acompanha o dia a dia dos professores. “Temos
escolas caindo aos pedaços. Não temos materiais pedagógicos adequados.
Faltam condições de trabalho. Tentam sempre colocar nos ombros dos
trabalhadores as mazelas da escola pública para justificar os baixos
salários”, defende a presidente do Cpers, Rejane de Oliveria.
Na opinião da educadora Mariza Abreu, o índice é recorrente da escola
que não atende as demandas da juventude. “Mas, não podemos
responsabilizar os professores. Tem a responsabilidade da instituição
que formou o professor e dos gestores públicos neste resultado. O
pedagógico não pode ser imposto pela Secretaria de Educação aos
professores. Eles não conseguirão dar aula de um jeito que não
aprenderam, concordam ou se sentem aptos a fazer”, salienta.
Neste ponto, o atual secretário e a ex-titular da Educação no RS
concordam. “O único responsável pela reprovação na concepção dominante
acaba sendo o aluno. E ele não é. É o diretor da escola, o professor, a
Secretaria de Educação e também o aluno. É uma questão que temos que
enfrentar. A reprovação nos mostra algo bom que estamos debatendo: que a
essência do trabalho educativo, que é alcançar a aprendizagem, não está
dando certo”, disse.
Mariza Abreu concorda com o debate. “Temos que transformar o debate
em um problema para podermos modificá-lo. Mas, para mudar isto é preciso
mudar a formação dos professores e mudar os currículos. Tornar o Ensino
Médio mais atrativo”, critica. E argumenta: “Não conseguimos fazer isso
por sucessivos governos porque no fundo tem uma cultura que acha que
ensino é um só. Para não ser discriminatório, os que entram no ensino
superior, por exemplo, tem que saber de todas as áreas para poder entrar
em uma área específica”, explica.
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