sexta-feira, 18 de maio de 2012

Euforia com mega-eventos pode manter intactos retrocessos da era Teixeira

Escrito por Gabriel Brito, da Redação  do CORREIO DA CIDADANIA

Cerca de dois meses após a renúncia de Ricardo Teixeira da presidência da CBF, absolutamente nada no futebol brasileiro oferece sinais de mudança. Seu sucessor, José Maria Marin, entulho malufista e da ditadura, continua candidamente no cargo que parecia prestes a ser disputado em novas eleições, com o crescente beneplácito dos clubes, federações e governo federal.

Dessa forma, ficou até fácil para os asseclas de Teixeira, certamente em tom de gratidão, exaltarem o “legado” e o “brilhantismo” de sua gestão, que teria tornado o futebol brasileiro vencedor como nunca. Não faltaram exemplos da mídia, capitaneada pela Globo, ressaltando os títulos conquistados pela seleção em todas as categorias, e o esquecimento, nada inocente, das variadas formas de devastação que Teixeira e sua turma promoveram em nosso futebol.

Cabe, portanto, uma análise a respeito do que foram, de fato, os anos de Ricardo Teixeira à frente do futebol nacional e sua verdadeira herança.

O Ministério do Bom Senso adverte:

Antes que alguns precipitados saiam em defesa do que Romário definiu como “câncer extirpado”, é bom se ater a tais fatos, vide a subserviência com que certa parte da mídia tratou o cartola, inclusive em sua vexatória despedida através de carta lida por um “desconhecido” vice.

Em primeiro lugar, os atuais valores astronômicos que giram em torno da CBF e da camisa da seleção nacional não são nada mais que produto da valorização global adquirida pelo futebol a partir dos anos 90, tornado um grande e bilionário negócio em escala mundial. E nesse sentido, o Brasil ainda se encontra atrás de outros países, apesar de ser hoje a sexta economia do mundo e o propalado “país do futebol”.

Em segundo, quem trouxe e bancou a Copa do Mundo no Brasil foi o governo federal, cuja chancela foi fundamental para receber o voto de confiança da FIFA, que por sua vez tem escolhido somente países que permitem uma fácil ramificação de seus negócios – e também de seus parceiros. Além disso, a federação internacional estabeleceu, no fim dos anos 90, um rodízio de continentes para receber a Copa. Quando chegou a vez da América do Sul, o Brasil foi candidato único. E ainda a respeito do mundial, cabe lembrar que Teixeira garantiu que seria financiado pela iniciativa privada, algo que comprovadamente não acontecerá.

Em relação aos títulos da seleção, não passa de “apropriação indébita”, provavelmente a maior especialidade da figura cuja gestão distanciou como nunca a seleção brasileira de seus torcedores. Aceitou passivamente uma patética imposição da FIFA (em 2003), por pressão da UEFA (a Confederação Européia), de só realizar amistosos da seleção em território europeu (ou a 4 horas de distância de avião), o que caiu como uma luva em sua estratégia de terceirizar os jogos da seleção para uma empresa de marketing esportivo, que por sua vez se ocupa de “vendê-los” pelos mais lucrativos preços. Por isso a equipe canarinho acumulou dezenas de “clássicos” inexpressivos mundo afora, inclusive mantendo relações com os mais repugnantes governos.

Além do mais, jamais propiciou um ambiente de profissionalismo e organização nas federações e nos clubes, que passaram a maior parte desses anos acumulando dívidas estratosféricas e, mais diretamente, sendo roubados e degradados pelos mais diversos conluios de cartolas e empresários – assim como os estádios. Aliás, foi sob sua gestão que essa nova categoria surgiu com toda a força no futebol nacional, sem barreiras para atuação, o que levou ao assalto de inúmeras categorias de base. Acabou-se a velha Lei do Passe para que todo o poder fosse transferido aos empresários.

Dentro de tamanha desordem e insolvência financeira, não surpreende que as últimas gerações de jovens tenham se acostumado a assistir nossos melhores jogadores pela televisão, nas competições européias, nos mais diversos países e em clubes de todos os níveis. Em muitos casos, não há televisão que resolva, pois também mandamos enormes contingentes do nosso “pé-de-obra” para os países árabes, asiáticos, do leste europeu, dentre outros destinos que oferecem enorme comodidade estrutural e salários com os quais os clubes brasileiros não podem concorrer.

E a respeito da retórica estelionatária de que sua gestão trouxe incríveis 112 taças, de todas as categorias, incluindo as Copas de 94 e 2002, só nos resta o desprezo e aquele riso de canto de boca, de quem sabe que no futebol, especialmente o brasileiro, jamais se coloca na conta de dirigentes os títulos conquistados pelos jogadores. Um discurso francamente abusivo, pois jamais se viu Teixeira vivenciar e debater o futebol, de modo a demonstrar algum conhecimento que pudesse ser colocado na conta dos resultados da seleção, para bem ou para mal.

O futebol doméstico continuou parado no tempo, com um calendário extenuante e a eterna troca de favores com dirigentes de federações estaduais dando as cartas e mantendo tais competições com fórmulas caça-níqueis, desgastantes e cada vez piores tecnicamente. Já as divisões nacionais de acesso seguem ao relento, sendo absolutamente insuficientes para acomodar os cerca de 600 clubes profissionais que militam no país. Fora que as séries C e D são ainda muito precárias e desprestigiadas.

Com isso, privilegiam-se enormemente os grandes clubes, com um ano inteiro repleto de competições e jogos atraentes, o que obviamente os faz mais rentáveis, criando um grupo seleto de poucas dezenas, que basicamente são os times das séries A, e mais modestamente, B. A imensa maioria fica relegada a competições fracas e pouco úteis, ou simplesmente no ócio por meses, o que as impede de se sustentar com consistência e revelar novos jogadores.

Um tiro no peito do Norte/Nordeste

Na esteira de tamanho descaso com os clubes, por conta da excessiva atenção destinada aos negócios, não é de surpreender que as equipes das regiões Norte e Nordeste, e dos estados mais fracos em geral, sucumbissem aos tempos modernos. Descuidada a organização do futebol doméstico, por sua vez guiado pelos interesses particularistas da Rede Globo, é esperado que as equipes de segundo ou terceiro escalão também se vejam diante de dificuldades imensas.

Preocupada somente com audiência e retorno publicitário, a Vênus Platinada, grosso modo, só quer saber de Corinthians e Flamengo, o que relega equipes tradicionais e importantes, menos populares e de força mais regional, a papéis cada vez mais decorativos no cenário futebolístico, por vezes sequer servindo como formadoras de novos atletas, algo que em última instância prejudica todo o conjunto.

Contra a vontade da associação que congregava os clubes nordestinos, Teixeira e Globo extinguiram o Campeonato do Nordeste, competição que reunia os principais clubes da região e era um grande sucesso de renda e público, encerrado em 2002. O mesmo se deu com a Copa Norte, que mesmo de forma mais modesta também fortalecia alguns clubes da região.

Com esse fator, somado a uma distribuição cada vez mais elitizada do dinheiro e a eterna covardia dos dirigentes dos clubes, gente absolutamente do mesmo nível de Teixeira, talvez apenas com menos habilidades, o século 21 marcou o início da marginalização dos times dessas regiões, cuja distância para os grandes do Sudeste/Sul não parou de crescer.

Mesmo algumas potências campeãs nacionais como o Bahia e o Sport sofrem para se manter na primeira divisão, que dirá a respeito de ter grandes equipes por longo período, como se via antigamente. Hoje em dia, a principal divisão nacional abriga poucos clubes nordestinos, que via de regra lutam apenas pela permanência, jamais pelas primeiras posições.

Ao Norte, potências regionais como Remo e Paysandu não conseguem lugar sequer na segunda divisão, mesmo possuindo admiráveis massas torcedoras. Já os amazonenses, a despeito de sediarem a Copa, têm um futebol que mal pode ser chamado de profissional, sendo que seu campeonato amador supera o ‘oficial’ em popularidade.

O mesmo vale para o Centro-Oeste, com exceção de Goiás. Mas as sedes da região na Copa serão os novos estádios a serem erguidos em Cuiabá e Brasília. O belo e prontíssimo Serra Dourada não tem vez nessa grande onda de negócios em torno dos estádios/shoppings.

Como se não bastasse, um dos últimos atos de Teixeira foi ajudar a implodir a negociação coletiva dos clubes com a televisão pela transmissão do Campeonato Brasileiro, evitando a concorrência exigida pelo Cade e favorecendo descaradamente a Rede Globo, que mais uma vez levou a melhor rasgando as regras do jogo e usando seu cacife de emissora oficial da República.

Com isso, as agremiações partiram para negociações individuais, o que tende a mostrar efeitos nefastos para o futebol nacional até no curto prazo, uma vez que as equipes mais populares e com mais “força de mercado” assinaram contratos por valores incomparáveis. Isso certamente aumentará o abismo entre os times grandes e pequenos no país. Portanto, outra punhalada nos clubes do Norte/Nordeste, que, a depender das medições de mercado, sempre estarão (muito) atrás.

Um legado... para os amigos

Diante do apanhado, fica notório que Ricardo Teixeira não passou de mero balconista do mundo do futebol, isso na chamada era da globalização, isto é, no momento em que o esporte, como tudo na vida, se mercantilizou como nunca, trazendo diversos negócios associados e entes outrora estranhos interessados em investir. Sequer, portanto, pode ser chamado de visionário ou qualquer coisa que o valha.

Sua postura pessoal diante da imprensa e do público torcedor sempre foi marcada pela arrogância e triunfalismo nos momentos de vitórias, dentro ou fora de campo. Por outro lado, sempre agiu como rato nos momentos negativos ou de questionamentos, desaparecendo completamente do radar.

Tampouco utilizou as fortunas angariadas pela seleção brasileira no sentido de fomentar o futebol país afora, especialmente nos locais com menos recursos. Preferiu comprar jatinhos e financiar campanhas políticas de aliados, entre outros investimentos obscuros.

Jamais dialogou ou respeitou torcedores, sendo presença inexistente nos estádios e grandes jogos dos torneios nacionais, e nunca se importou com as condições de conforto e respeito aos jogadores e freqüentadores desses locais que agora passam por um claríssimo processo de higienização e elitização.

Pois, no que depender de gente como Teixeira, o futebol tem mais é que se tornar um espetáculo para quem pode pagar, de preferência cada vez mais, sem que haja problemas na substituição do torcedor pelo consumidor nas arquibancadas. Aliás, arquibancadas e gerais podem sumir e dar lugar somente às chamadas numeradas e seu seleto público abastado e passivo.

O governo, por sua parte, apesar de financiar Copas do Mundo e dívidas gigantescas desses clubes, nada faz, contentando-se em limá-lo do cargo, em nome dos fortes apelos públicos, e escrever mais uma página farsesca de sua “faxina contra a corrupção”, sem qualquer conteúdo político de fundo e propostas realmente renovadoras. Como dito em análise anterior, não passa de uma rápida aparada de arestas a fim de tornar todas as maracutaias vindouras mais discretas e palatáveis, pois, diante dos mega-negócios que se avizinham, um personagem como Teixeira só tinha a atrapalhar.

Teixeira foi pra bem longe, mas se o país se recusa a adentrar a maioridade política, administrativa e moral, não será o futebol, mero reflexo geral, a tomar a iniciativa. Por aqui isso está claro. E que venha a Copa e seus ilusionismos, sob a batuta da mesma CBF de sempre.


Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.

Marcio Pochmann: ‘Ascensão da classe trabalhadora dá sinais de esgotamento’

Piero Locatelli

Piero Locatelli no CARTA CAPITAL

O presidente do Ipea, Márcio Pochmann, será candidato à prefeitura de Campinas Foto: Agência Brasil

Prestes a disputar a eleição municipal em Campinas, o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), nega a existência de uma nova classe média no Brasil em seu novo livro A Nova Classe Média?, da Editora Boitempo.
Na obra, o economista defende a tese de que a mudança social dos últimos oito anos não resultou na criação de uma nova classe média no País. Segundo ele, os empregos gerados nos últimos anos criaram uma classe trabalhadora consumista, individualista e despolitizada.
Esse movimento de ascensão da classe trabalhadora, segundo Pochmann, apresenta sinais de esgotamento, e agora o governo deve buscar outras maneiras de gerar emprego.
O economista deve sair em breve do Ipea, onde está desde 2007, para concorrer à prefeitura de Campinas pelo PT. O livro será lançado no próximo dia 29, durante debate na sede da PUC, em São Paulo.

CartaCapital: O senhor fala que há um despreparo das instituições democráticas para canalizar os interesses da nova classe trabalhadora. Por quê?

Marcio Pochmann: Estamos observando uma despolitização nesta ascensão social no País. Ela vem envolvida nos valores do mercado, e não poderia ser diferente. Foi assim nos anos 70. Naquela época, havia uma ação mais direta das instituições, o que nós não estamos vendo hoje.
Há um despreparo das instituições para lidar com esse segmento que, possivelmente, liderará o processo político brasileiro. De alguma forma, esse segmento conduzirá a política brasileira. Seja pela direita, seja pela esquerda.
Os sindicatos, associações de bairro e partidos políticos estão observando esse avanço social que não se traduz em aumento das filiações nos sindicatos, nas associações de bairros, nos partidos políticos.
Veja que cerca de 1 milhão de jovens ingressaram na universidade através do Prouni. Isso é uma ascensão na universidade, mas se traduziu na ampliação e reforço do movimento estudantil? A gente não observa isso.
Acontece a mesma coisa em relação aos leitores. Houve um avanço de mais de 40 milhões de leitores no Brasil, mas a ampliação da mídia escrita não se traduziu nesse mesmo sentido.
CC: Há uma explicação para isso?

MP: As instituições democráticas não entenderam ainda o que tem sido essa mobilidade social. Como nós temos pouco conhecimento, não temos uma ação mais identificada. Os sindicatos acabam sendo mais defensores do passado que protagonistas do futuro porque não conseguem criar um diálogo com esse segmento. É um desafio evidente para todos nós.

CC: O senhor fala que a classe trabalhadora é consumista. Isso é necessariamente ruim?

MP: Não, é um movimento natural que ocorre quando você não tem a politização, consegue um emprego e tem a elevação da sua renda. Você entende como sendo resultado do seu esforço individual quando, na verdade, nós sabemos que a geração e a elevação da renda dependeram de um acordo político, de uma decisão política, de um resultado eleitoral.
Portanto, o que eu quero chamar a atenção é que essa manifestação que se observa de forma mais clara é natural do ponto de vista da individualidade de cada um. Mas se não vem acompanhada de um processo de conscientização, essa ascensão pode ao mesmo tempo retroagir ou ser encaminhada para uma visão de sociedade muito diferente da que levou a uma ascensão social recente.

CC: Porque as pessoas identificam a ascensão como resultado do próprio esforço individual…

MP: Esse é o papel da politização, até porque você percebe que as coisas foram feitas com esses segmentos. Eles são favoráveis ao crescimento, ao emprego e assim por diante. Mas na questão dos valores mais amplos da política, como pena de morte, eles majoritariamente estão atrelados a visões muito ultrapassadas.

CC: A maior parte dos empregos gerados foi com rendimento próximo a um salário mínimo. Como o governo pode gerar empregos com melhor remuneração?

MP: Primeiro quero dizer que foi muito bom ter gerado esses empregos acompanhados da formalização e do aumento do salário mínimo, tendo em vista o estoque de desempregados que nós tínhamos. Nos anos 2000 eram praticamente 12 milhões de pessoas desempregadas. Se o Brasil não gerasse esse tipo de oportunidade, se gerasse empregos de classe média, que exigem maior escolaridade, esse segmento que ascendeu não teria ascendido. Mas esse movimento está apresentando sinais de esgotamento. Porque a questão fundamental neste momento é a ampliação dos investimentos para aumentar a capacidade produtiva. E o aumento de investimento, novas fábricas, novos avanços da produção vêm acompanhados de inovação tecnológica, maior exigência de qualificação, maior demanda de trabalhadores com escolaridade, portanto maiores salários e ocupações melhores.

CC: No livro, o senhor diz que as pessoas que acenderam socialmente nos últimos anos não podem ser consideradas de uma nova classe média. Por quê?

MP: Uma classe média tem ocupações diferentes dessas que foram geradas. Se fossem vinculadas a bancários, professores ou dirigentes de empresas, possivelmente nós poderíamos associar isso a classe média, mas não foram essas ocupações que deram razão a essa mobilidade social.
No caso brasileiro, parcelas significativas das ocupações não são geradas pela indústria, mas sim por serviços. Por isso, entendemos que são novos segmentos no interior da classe trabalhadora. A classe média tradicionalmente tem uma estrutura muito diferente desses segmentos novos que surgiram no Brasil. Ela tem mais gastos com educação e com saúde. O peso da alimentação é muito menor do que o que se identifica nesse segmento de renda de até 1,5 ou 2 salários mínimos mensais.
Ao mesmo tempo, a classe média poupa, não gasta tudo que ganha. Nela, a elevação da renda não se traduz necessariamente na elevação do consumo. Especialmente porque os bens que mais têm sido dinamizados no país, como eletrodomésticos, são bens que a classe média já possui. Então a classe média poupa. E isso é uma diferença que nós não identificamos nos segmentos agora em ascensão.
A classe média tem ativos e patrimônio. São várias características que infelizmente nós não conseguimos observar nesses segmentos que estão ascendendo. E são segmentos que, ao nosso modo de ver, dizem respeito à classe trabalhadora, tal como foi o padrão de expansão do Brasil nesses últimos dez anos.

CC: Essas particularidades mudam, alguma forma o foco das políticas voltadas a essa parcela da população?

MP: Esse debate, de como se identifica essa ascensão social no Brasil, tem implicações evidentes no posicionamento do Estado brasileiro, das políticas públicas. Se nós identificarmos essa ascensão como um movimento vinculado à classe média, certamente o papel do Estado estaria ligado à difusão dos serviços privados, por intermédio de subsídios, como através do Imposto de Renda, que subsidia gastos do setor privado da classe média. Hoje é possível descontar despesas de educação, saúde e previdência privada. São interesses diferentes da classe trabalhadora, que são por bens públicos de interesse coletivo: saúde pública, educação pública, transporte público.

CC: Quando o senhor deve sair do Ipea para se dedicar à campanha?

MP: Essa é uma resposta que eu não tenho condições de dar. Até o 6 de julho, eu sei que tenho que sair inexoravelmente. O dia que eu vou sair depende da presidenta, estou aguardando o posicionamento dela.

CC: O senhor até hoje só tinha ocupado cargos técnicos e agora está tentando a sua primeira eleição. Por que tomou a decisão de ser candidato?

MP: Eu me considero um intelectual de perfil engajado. Foi a partir de uma conversa com o próprio presidente Lula, em que ele chamava atenção às mudanças que o Brasil estava passando no começo desse século. As mudanças são muito diferentes daquela que o Brasil estava passando nos anos 70, começo dos 80, quando o PT foi criado. Hoje temos um ciclo de lideranças que foram forjadas num Brasil que quase não existe mais. Existe uma necessidade de renovação do PT, especialmente quando o partido está no auge ainda.
E tem também, outro lado. Em geral, a prefeitura existe como um cargo com menor visibilidade quando se compara com o Executivo estadual e nacional. No caso do Brasil, uma federação, o exercício de um mandato na prefeitura é absolutamente fundamental. Quando se lança uma política pública, se fala da experiência em determinada localidade, para saber se dá certo, dá errado, de poder tornar um programa de abrangência nacional. Temos uma oportunidade de testar experiências inovadoras no ponto de vista da administração pública a partir da experiência local. Campinas é uma cidade que permite essa oportunidade de iniciar um ciclo de inovações em políticas públicas que são necessárias para o Brasil de hoje.

CC: O senhor foi indicado pelo presidente Lula, a exemplo do que aconteceu em São Paulo com o Fernando Haddad. Há setores do partido que se incomodam com essas decisões tomadas com base no desejo do ex-presidente.

MP: No meu caso, tive essa conversa com o presidente Lula e depois comecei uma conversação longa com os militantes, com o PT na cidade de Campinas e tanto assim que me submeti a uma prévia dentro do PT com outro candidato. Foi a prévia com a maior participação na cidade de Campinas e maior apoio a um candidato. Porque participei de um processo interno democrático, aprendi muito, gostei.

CC: Tem falado com o ex-presidente?

MP: Eu estive com ele há duas semanas e conversamos um pouco sobre esse período pós-prévia, organização da campanha. Ele manifestou desejo de apoiar da melhor forma que puder.

CC: A presidenta Dilma já disse como será a presença dela na campanha?

MP: Eu ainda não tive essa oportunidade. Estou esperando o momento oportuno para conversar com ela.

CC: Quais partidos vão fazer parte da aliança?

MP: Também não há definição. A gente ainda começa a ouvi-los, vai consultar vários partidos e fazer o balanço das oportunidades para partidos. E tem tempo para a definição até julho, na verdade.

CC: Campinas teve um prefeito cassado recentemente, Dr. Hélio (PDT). Haveria algum constrangimento em se aliar ao PDT?

MP: Não. Na verdade, eu imagino que a discussão nesse âmbito da prefeitura se deu no passado, embora isso seja um elemento a ser discutido. Se nós ficarmos discutindo o passado, não teremos respostas para o futuro. Quero ser um candidato do futuro, ter respostas para a sociedade. O passado serve só para a gente não repeti-lo nem cometer os mesmo erros.

Baixa aprovação em concurso é alerta sobre formação de professores, diz governo do RS


Rachel Duarte no SUL21

O debate sobre a qualidade do ensino está aberto novamente no Rio Grande do Sul. Os novos elementos são o resultado do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre o estado gaúcho ter o maior índice de reprovação (20,7%) no Ensino Médio e a baixíssima aprovação dos professores no recente concurso público do magistério. As duas notícias saíram esta semana e provocaram uma coletiva de imprensa do secretário estadual de Educação, José Clóvis, nesta quinta-feira (17). Na avaliação do executivo, os dados sobre o ensino médio são os mesmos desde 1975 e a gestão Tarso Genro já começou a Reforma do Ensino Médio no estado. Quanto aos pouco mais de 5 mil aprovados no concurso, ele anunciou novo concurso público para este ano e sugeriu uma reflexão sobre a formação dos professores.
“Não quer dizer que eles (professores) tenham baixa formação cultural, mas aquilo que eles estão aprendendo nas escolas de formação não está adequado ao necessário aos padrões do profissional para sala de aula”, afirmou o secretário José Clóvis. De acordo com o titular da Educação, diferente das críticas sobre o grau de dificuldade da prova aplicada no processo seletivo do magistério gaúcho, a prova foi “normal”. Clóvis explicou que a Secretaria Estadual de Educação efetuou nova verificação dos conteúdos e da bibliografia exigidos para o teste. “Não houve excesso. Tudo que apareceu nas questões é o que se discute sobre a prática de educação”, garante.
Secretário de Educação do RS, José Clóvis defende que Reforma do Ensino Médio já está acontecendo | Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini

Foram quase 70 mil candidatos que realizaram as provas no dia 15 de abril. Destes, 92,45% foram reprovados. A composição da prova incluía Português, Legislação e Conhecimentos Pedagógicos, como tradicionalmente ocorria, e inovou com a exigência de conhecimentos específicos da habilitação do professor por área. Com a aprovação de apenas 5,2 mil aprovados, entre os 10 mil inscritos para o quadro em 131 habilitações diferentes, ainda será contabilizado quais as áreas onde mais pessoas foram aprovadas. “O importante é que nenhuma escola ficará sem professor. Onde não pudermos colocar os convocados pela lista do concurso, vamos colocar os professores contratados”, explica o secretário.
A realização do concurso foi pensada justamente para reduzir o universo de cerca de 20 mil professores contratados sem carreira no funcionalismo, fator que dificulta o vínculo com a comunidade escolar e influencia na qualidade do ensino. Com o baixo desempenho dos professores, o governo gaúcho anunciou a realização de novo concurso para este ano. As provas deverão ser aplicadas no final do ano ou no começo de 2013, no mesmo padrão de exigência. “Pensamos um concurso dentro de padrões que consideramos essenciais para um profissional adequado ao ensino de qualidade. O que pudemos perceber é que está havendo dificuldades na formação dos professores”, reforça José Clóvis.
O governo também irá promover o concurso público para funcionário de escola. O número de vagas não foi fechado, pois a Secretaria ainda está desenhando os cargos que serão disponibilizados. “Estamos trabalhando outra concepção. Repensaremos o quadro funcional de acordo com a realidade atual da escola pública: mais complexa, que oferece mais serviços e recebe mais aporte financeiro com os programas Mais Educação, Escola Aberta e RS Inovador. Precisamos de nutricionista para o controle de qualidade da merenda, que virou uma refeição completa, técnicos de contabilidade para gerenciar os novos recursos”, exemplificou José Clóvis.

“Melhor fazer novo concurso do que contratar pessoas que não estão preparadas”, diz Mariza Abreu

“É melhor realizar um novo concurso do que contratar pessoas mal preparadas", defende ex-secretária estadual Mariza Abreu | Foto: Itamar Aguiar/Palácio Piratini

A ex-secretária de Educação do RS, Mariza Abreu concorda com a realização do concurso público aplicado na gestão atual. Segundo ela, as inovações por área do conhecimento e por região já haviam sido pensadas no governo de Yeda Crusius (PSDB). “Fico feliz que isto foi adequado. Nos outros estados as provas sempre foram separadas por áreas específicas, só no RS que não. E a continuidade nas políticas públicas é fundamental porque as mudanças na Educação acontecem de forma gradual. Acaba que em quatro anos nunca dá tempo de fazer tudo, porque a rede estadual é muito grande”, falou.
Mariza entende o baixo índice de aprovados como um fator positivo. “É melhor realizar um novo concurso do que contratar pessoas mal preparadas, que não se habilitam com formação continuada depois”, afirma a ex-secretária. Ela afirma que o fato da modificação por região e não por município ajuda a evitar desequilíbrios de ter mais ou menos professores por cidades. “Tínhamos casos em que faltava professores e outros locais sobravam”, comenta.
Porém, analisando apenas o edital do concurso, Mariza acredita que possa ter ocorrido algum equívoco na definição dos conhecimentos específicos. “Podem ter feito por disciplina e não por área. Existem várias licenciaturas que são por área. E só o fato de ter sido a primeira vez que se faz provas específicas já pode ter influenciado na aprovação. Não acho isso ruim. Se temos o estado maior empregador de professores exigindo no concurso, isso vai contribuir para melhorar os cursos de formação. Falta uma interlocução entre as agências de formação de professores e os empregadores. O resultado disso estoura no professor”, avalia.

“Sobrecarga dificulta preparação para as provas”, acusa Cpers

Rejane de Oliveira: elaboração de provas difíceis foi estratégia para contratação de poucos profissionais de carreira | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A discussão sobre os índices de aprovação dos professores perpassa também outros aspectos da carreira do magistério, na avaliação do sindicato da categoria, o Cpers. A presidente Rejane de Oliveira fala que um conjunto de elementos influenciou os resultados das provas. “Foi um concurso diferenciado. Nossa categoria saiu das provas dizendo que as questões foram mal elaboradas, deixavam margem para dubiedade de interpretações. Foi uma estratégia para contratação de poucos profissionais de carreira”, acredita.
Rejane acusa que o grau de exigência foi intencionalmente seletivo para não aumentar o número de professores que engrossarão o bolo do pagamento do Piso Nacional do Magistério. “A precarização das relações de trabalho continua e o governo ainda tenta jogar na sociedade que falta qualificação da nossa categoria. Uma categoria com negativa do governo para pagar o piso tem que se desdobrar em três turnos para dar conta da sua sobrevivência e sobre pouco tempo para a preparação para uma prova tão exigente”, defende.
Maria Eulália Nascimento: estrutura salarial do magistério não é "a miserabilidade que se anuncia" | Foto: Camila Domingues/Palácio Piratini

secretária-adjunta de Educação Eulália Nascimento contesta dizendo que o discurso político da negociação sobre o pagamento do piso não pode ser caracterizado. “Temos que desmitificar a precarização da carreira do magistério. Dos 21 mil professores que estão na carreira e que receberam completivo, 17 mil estão aposentados. Somente 4 mil na ativa recebiam a menos que o piso. O que comprova que a estrutura salarial e a carreira do magistério não são a miserabilidade que se anuncia”, diz. Ela complementa dizendo que “a carreira defendida via Plano de Carreira, possibilita que do nível médio para graduação seja de 85% o aumento, e ainda acrescido os índices dos triênios e das possibilidades das classes que são de 5% a 50%”. O que significaria, segundo ela, uma margem de composição salarial ao longo da carreira do magistério que varia do 1% ao 400%. “Queremos mais do que isso ainda, mas não é a tragédia que se anuncia em relação ao valor do piso”, defende.

Reprovação e Reforma do Ensino Médio

Sobre a taxa de reprovação no ensino médio apresentada pelo Inep esta semana, em que o Brasil registrou os maiores indicadores desde 1999 e o Rio Grande do Sul lidera o ranking dos estados, os gestores do governo gaúcho alegaram não ser um reflexo desta gestão. “É um dado que o RS tem desde 1975. Sempre variou de 17 a 21%”, falou o secretário de Educação, José Clóvis comparando aos atuais 20,7%.
Bruno Alencastro/Sul21
Mudança de qualidade no ensino público é "de médio a longo prazo", diz secretário José Clóvis | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

A realização do concurso público foi uma das ações citadas pelo secretário como fatos concretos de uma mudança na qualidade do ensino público e que impactarão futuramente nos índices do Inep. “Desde 2011 estamos atentos a estes indicadores. Porém, os resultados são de médio e longo prazo. Estamos licitando 400 obras em escolas para reformas inovadoras. Escolas com cozinha industrial, áreas de esporte e lazer, sala de estudos para professores. O ambiente adequado para que a estrutura não comprometa a qualidade da aprendizagem”, justificou.
A precariedade das instituições públicas de ensino não passa batido aos olhos do sindicato que acompanha o dia a dia dos professores. “Temos escolas caindo aos pedaços. Não temos materiais pedagógicos adequados. Faltam condições de trabalho. Tentam sempre colocar nos ombros dos trabalhadores as mazelas da escola pública para justificar os baixos salários”, defende a presidente do Cpers, Rejane de Oliveria.

Na opinião da educadora Mariza Abreu, o índice é recorrente da escola que não atende as demandas da juventude. “Mas, não podemos responsabilizar os professores. Tem a responsabilidade da instituição que formou o professor e dos gestores públicos neste resultado. O pedagógico não pode ser imposto pela Secretaria de Educação aos professores. Eles não conseguirão dar aula de um jeito que não aprenderam, concordam ou se sentem aptos a fazer”, salienta.
Neste ponto, o atual secretário e a ex-titular da Educação no RS concordam. “O único responsável pela reprovação na concepção dominante acaba sendo o aluno. E ele não é. É o diretor da escola, o professor, a Secretaria de Educação e também o aluno. É uma questão que temos que enfrentar. A reprovação nos mostra algo bom que estamos debatendo: que a essência do trabalho educativo, que é alcançar a aprendizagem, não está dando certo”, disse.

Mariza Abreu concorda com o debate. “Temos que transformar o debate em um problema para podermos modificá-lo. Mas, para mudar isto é preciso mudar a formação dos professores e mudar os currículos. Tornar o Ensino Médio mais atrativo”, critica. E argumenta: “Não conseguimos fazer isso por sucessivos governos porque no fundo tem uma cultura que acha que ensino é um só. Para não ser discriminatório, os que entram no ensino superior, por exemplo, tem que saber de todas as áreas para poder entrar em uma área específica”, explica.