segunda-feira, 11 de maio de 2009

Desculpem a moléstia

Segundo a revista [i]Foreign Policy[/i], a Somalia é o lugar mais perigoso do mundo. Mas quem são os piratas? Os mortos de fome que assaltam navios ou os especuladores de Wall Street, que há anos assaltam o mundo e agora recebem multimilionárias recompensas por suas atividades? Por que o mundo premia os que o saqueiam? Por que a justiça é cega de um único olho? Wal Mart, a empresa mais poderosa de todas, proíbe os sindicatos. McDonald’s, também. Por que estas empresa violam, com delinqüente impunidade, a lei internacional?

Quero compartilhar com vocês algumas perguntas, moscas que zumbem na minha cabeça:

O zapatista do Iraque, o que jogou os sapatos contra Bush, foi condenado a três anos de prisão. Não merecia, na verdade, uma condecoração?

Quem é o terrorista? O zapatista ou o zapateado? Não é culpado de terrorismo o serial killer que, mentindo, inventou a guerra do Iraque, assassinou a um montão de gente, legalizou a tortura e mandou aplicá-la?

São culpados os habitantes de Atenco, no México, ou os indígenas mapuches do Chile, ou os kekchies da Guatemala, ou os camponeses sem terra do Brasil, todos acusados de terrorismo por defender seu direito à terra? Se sagrada é a terra, mesmo se a lei não o diga, não são sagrados também os que a defendem?

Segundo a revista Foreign Policy, a Somalia é o lugar mais perigoso do mundo. Mas quem são os piratas? Os mortos de fome que assaltam navios ou os especuladores de Wall Street, que há anos assaltam o mundo e agora recebem multimilionárias recompensas por suas atividades?

Porque o mundo premia os que o saqueiam?

Por que a justiça é cega de um único olho? Wal Mart, a empresa mais poderosa de todas, proíbe os sindicatos. McDonald’s, também. Por que estas empresa violam, com delinqüente impunidade, a lei internacional? Será que é por que no mundo do nosso tempo o trabalho vale menos do que o lixo e valem menos ainda os direitos dos trabalhadores?

Quem são os justos e quem são os injustos? Se a justiça internacional realmente existe, por que não julga nunca aos poderosos? Não são presos os autores dos mais ferozes massacres? Será que é porque são eles que têm as chaves das prisões?

Por que são intocáveis as cinco potências que tem direito de veto nas Nações Unidas? Esse direito tem origem divina? Velam pela paz os que fazem o negócio da guerra? É justo que a paz mundial esteja a cargo das cinco potências que são as cinco principais produtoras de armas? Sem desprezar aos narcotraficantes, este também não é um caso de “crime organizado”?

Mas não demandam castigo contra os senhores do mundo os clamores dos que exigem, em todos os lugares, a pena de morte. Só faltava isso. Os clamores clamam contra os assassinos que usam navalhas, não contra os que usam mísseis.

E a gente se pergunta: já que esses justiceiros estão tão loucos de vontade de matar, por que não exigem a pena de morte contra a injustiça social? É justo um mundo em que a cada minuto destina três milhões de dólares aos gastos militares, enquanto a cada minuto morrem quinze crianças por fome ou doença curável? Contra quem se arma, até os dentes, a chamada comunidade internacional? Contra a pobreza ou contra os pobres?

Porque os adeptos fervorosos da pena de morte não exigem a pena de morte contra os valores da sociedade de consumo, que cotidianamente atentam contra a segurança pública? Ou por acaso não convida ao crime o bombardeio de publicidade que aturde a milhões e milhões de jovens desempregados ou mal pagos, repetindo para eles dia e noite que ser é ter, ter um automóvel, ter sapatos de marca, ter, ter, e que não tem, não é?

E por que não se implanta a pena de morte contra a pena de morte? O mundo está organizado a serviço da morte. Ou não fabrica a morte a industria militar, que devora a maior parte dos nossos recursos e boa parte das nossas energias? Os senhores do mundo só condenam a violência quando são outros os que a exercem. E este monopólio da violência se traduz em um fato inexplicável para os extraterrestres e também insuportável para os terrestres que ainda queremos, contra toda evidência, sobreviver: os humanos somos os únicos especializados no extermínio mútuo e desenvolvemos uma tecnologia da destruição que está aniquilando, de passagem, ao planeta e a todos os seus habitantes.

Esta tecnologia se alimenta do medo. É o medo que fabrica os inimigos que justificam o desperdício militar e policial. E em vias de implantar a pena de morte, que tal se condenamos à morte o medo? Não seria saudável acabar com essa ditadura universal dos assustadores profissionais? Os semeadores de pânico nos condenam à solidão, nos proíbem a solidariedade: salve-se quem puder, destruam-se uns aos outros, o próximo é sempre um perigo que se aproxima, olho, cuidado, esse cara vai te roubar, aquele vai te violar, este carrinho de nenê esconde bomba muçulmana e se essa mulher te olha, essa vizinha de aspecto inocente, certamente vai te contagiar com a gripe Porcina.

No mundo de cabeça para baixo, dão medo até os mais elementares atos de justiça e de bom senso. Quando o presidente Evo Morales começou a refundação da Bolívia, para que esse país de maioria indígena, deixasse de ter vergonha de olhar no espelho, provocou pânico. Este desafio era catastrófico do ponto de vista da ordem racista tradicional, que dizia que era a unida ordem possível. Evo era, trazia o caos e a violência e por sua culpa a unidade nacional ia explodir em pedaços. E quando o presidente equatoriano Rafael Correa anunciou que se negava a pagar as dívidas não legítimas, a noticia produziu terror no mundo financeiro e o Equador foi ameaçado com terríveis castigos, por estar dando um tão mau exemplo. Se as ditaduras militares e os políticos ladrões foram sempre mimado pelos bancos internacionais, não nos acostumamos já a aceitar como fatalidade do destino que o povo pague o garrote que o golpeia e a cobiça que o saqueia?

Mas será que se divorciaram para sempre o bom senso e a justiça? Não nasceram para andar juntos, bem pegadinhos, o bom senso e a justiça?
Não é de bom senso, e também de justiça, esse lema das feministas que dizem que se nós, os machos, ficássemos grávidos, o aborto seria livre? Por que não se legaliza o direito ao aborto? Será porque então deixaria de ser o privilegio das mulheres que podem paga-lo e dos médicos que podem cobrá-lo?

O mesmo acontece com outro escandaloso caso de negação da justiça e do bom senso: por que não se legalizam as drogas? Por acaso não se trata, como no caso do aborto, uma questão de saúde publica? E o país que tem mais drogados, que autoridade moral tem, que autoridade moral tem para condenar aos que abastecem sua demanda? E por que os grandes meios de comunicação, tão consagrados à guerra contra o flagelo da droga, não dizem nunca que ela provêm do Afeganistão quase toda a heroína que se consome no mundo? Quem manda no Afeganistão? Não é esse um país ocupado militarmente pelo pais messiânico que se atribui a missão de salvar a todos nós?

Por que não se legalizam as drogas pura e simplesmente? Não será porque elas dão o melhor pretexto para as invasões militares, além de brindar os mais suculentos lucros aos bancos que de noite trabalham como lavanderias?

Agora o mundo está triste porque se vendem menos carros. Uma das conseqüências da crise mundial é a queda da próspera indústria automobilística. Se tivéssemos algum resto de bom senso e um pouquinho de sentido de justiça, não teríamos que celebrar essa boa noticia? Ou por acaso a diminuição de automóveis não é uma boa noticia, do ponto de vista da natureza, que estará um pouquinho menos envenenada e dos pedestres, que morrerão um pouco menos?

Segundo Lewis Carroll, a Rainha explicou a Alice como funciona a justiça no país das maravilhas:

- Ai você tem – disse a Rainha. Está preso cumprindo sua condenação; mas o processo só vai começar na segunda-feira. E, claro, o crime será cometido no final.

Em El Salvador, o arcebispo Oscar Arnulfo Romero comprovou que a justiça, como a serpente, só morde aos descalços. Ele morreu baleado, por denunciar que no seu país os descalços nasciam condenados de atenção pelo delito de nascimento.

O resultado das recentes eleições em El Salvador não é de alguma forma uma homenagem. Uma homenagem ao arcebispo Romero e aos milhares que como ele morreram lutando por uma justiça justa no reino da injustiça?
Às vezes acabam mal as historias da História, mas ela, a História, não acaba. Quando diz adeus, está dizendo até logo.

Créditos: Agencia Carta Maior

Tradução: Emir Sader

Complete Jazz at Massey Hall - 1953



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1. Perdido
2. Salt Peanuts
3. All the Things You Are
4. 52nd Street Theme
5. Drum Conversation - Max Roach
6. Cherokee
7. Enbraceable You
8. Hallelujah (Jubilee)
9. Sure Thing
10. Lullaby of Birdland
11. I've Got You Under My Skin
12. Wee (Allen's Alley)
13. Hot House
14. Night in Tunisia

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Charlie Parker (alto saxophone)
Dizzy Gillespie (trumpet)
Bud Powell (piano)
Charles Mingus (double bass)
Max Roach (drums)

Download aqui

Holocausto em Gaza...

Inúmeras plantações de frutas desapareceram da faixa de Gaza, e fazendas inteiras foram destruídas

Inúmeras plantações de frutas desapareceram da faixa de Gaza, e fazendas inteiras foram destruídas



Erin Cunningham

IPS


Os restos das milhares de casas destruídas espalham amianto no ar, enquanto a infra-estrutura dilapidada lança esgoto no mar Mediterrâneo. A profunda crise ambiental que a Gaza sitiada já sofria foi agravada pela última guerra. Ao longo de toda a Operação Chumbo Derretido, que durou três semanas, Israel atacou quase toda a infra-estrutura deste território costeiro. Casas, comércios, fábricas, redes elétricas, sistemas de distribuição de água e unidades de tratamento de esgoto foram reduzidos a montanhas de escombro.


Uma avaliação preliminar do dano ambiental e da infra-estrutura, elaborada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) indica que o ataque israelense, além de exarcebar as dificuldades já existentes em Gaza, criou novas ao contaminar tanto a terra como os ambientes urbanos, deixando uma pilha de escombros sem precedentes. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) anunciou no mês passado que enviaria uma equipe de especialistas à faixa de Gaza neste mês para avaliar as principais ameaças à população.


Antes da guerra, a infra-estrutura local estava paralisada devido a três anos de sanções e mais 18 meses de bloqueio conjunto egípicio-israelense que proibia a importação de todos os bens “essenciais”. Muitas áreas de Gaza, particularmente os crescentes acampamentos de refugiados, careciam de sistemas de saneamento. Onde existiam, não havia geradores ou eletricidade relacionada. A proibição de importar materiais para sua manutenção, como cimento, aço e tubulações, os condenava ao mau estado perpétuo.


Um informe divulgado pelo Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários apenas 10 dias antes do início da Operação Chumbo Derretido indicava que pelo menos 80% da água fornecida em Gaza “não atendia aos padrões da Organização Mundial da Saúde para ser bebida”. A “muito necessária manutenção é impedida por falta de tubulações, peças e materiais de construção. A degradação resultante do sistema impõe um grande risco sanitário público”, diz o documento.


As restrições aos bens e aos materiais deixaram pelo menos 70% da terra agrícola de Gaza sem irrigação, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), enquanto as autoridades foram obrigadas a lançar aproximadamente 70 milhões de litros de esgoto ao mar diariamente. A escassez de combustível faz com que a coleta de lixo não seja freqüente, no melhor dos casos.


Durante o ataque, os projeteis israelenses afetaram os já frágeis sistemas de saneamento e tratamento de água, fazendo com que a água potável e a contaminada se misturassem nas áreas mais populosas de Gaza. Os tanques israelenses prejudicaram a maior estação de tratamento de água da região, na área de Sheikh Aljeen, fazendo com que o esgoto agora seja lançado diretamente na vizinhança, em fazendas e no mar. Quarenta por cento dos tanques de água nos tetos das casas de Kahn Younis foram danificados ou destruídos, e quatro poços ficaram completamente arruinados na cidade de Gaza, em Beit Hanoun e em Jabaliya, segundo o grupo Água, Saneamento e Higiene (Wash), que trabalha vinculado ao Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários das Nações Unidas.


“Depois da guerra, o maior impacto se sente nas áreas setentrionais de Gaza, onde a maioria das redes de água foi destruída”, disse Najla Shawa, a chefe de informação da Wash. “Em Kahn Younis também, onde apenas 30% contam como rede de saneamento”, acrescentou. Dez milhões de litros de esgoto são lançados mais do que antes da guerra no mar Mediterrâneo, afirmou Wash, ameaçando a vida marinha na costa de Gaza. Os mísseis israelenses também afetaram fábricas em áreas urbanas residenciais e rurais, liberando substâncias químicas potencialmente tóxicas tanto no ar quanto no solo. As pilhas de escombros que continuam marcando a paisagem de Gaza conteriam grandes quantidades de amianto, uma fibra mineral cancerígena usada comumente na construção civil.


“O lixo da demolição criada pelas últimas hostilidades contêm potenciais materiais de risco, como o amianto”, disse à IPS em conversa telefônica desde Genebra um representante do escritório de Pós-conflito e Administração de Desastres do Pnuma. “Os altos níveis de exposição ao amianto estão vinculados com o câncer de pulmão”, afirmou. Mais de 20 mil edifícios e cinco mil casas foram destruídos, segundo autoridades locais. Aproximadamente 600 mil toneladas métricas de escombros ainda devem ser retiradas.


Em fevereiro, estudos sobre mostras do solo de Gaza concluíram que havia fósforo branco. A pesquisa foi feita pela Universidade Técnica Yildiz, de Istambul, na Turquia. O solo de Gaza será afetado no longo prazo pelo uso por parte de Israel de fósforo branco na guerra, disse Sameera Rifai, representante da União Internacional para a Conservação da Natureza nos Territórios Palestinos Ocupados. “O solo da terra agrícola agora está contaminado pelas armas israelenses, particularmente o fósforo branco”, disse Rifai à IPS. Esta substância é um agente químico incendiário, e pode permanecer inalterado nos sedimentos do solo e nos corpos dos peixes por muitos anos, segundo a Agência para o Registro de Enfermidades e Substancias Tóxicas dos Estados Unidos. IPS/Envolverde


* Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável (www.complusalliance.org).



A ameaça dos transgênicos


Luciano Martins Costa


O tema agricultura frequentou a imprensa no final de semana e volta na segunda-feira (11/5) em reportagem da Folha de S.Paulo. O agronegócio já é responsável por mais de 44% da pauta de exportações brasileira, informa neste início de semana a Gazeta Mercantil, mas a grande história do campo ainda não sensibilizou a imprensa como deveria.

Trata-se da ameaça das sementes transgênicas.

A Folha de S.Paulo escolheu o assunto para manchete no domingo (10), noticiando que o Brasil não tem controle sobre a expansão do milho transgênico. Ainda no domingo, o Estado de S.Paulo afirmava que o agronegócio brasileiro se recupera e pode ter um desempenho equivalente ao de 2008, por causa da alta recente dos preços internacionais dos produtos agrícolas.

Na segunda (11), a Folha volta ao assunto, anotando que o Instituto de Defesa do Consumidor e outras entidades de direitos civis estão cobrando do governo medidas imediatas de garantia para as informações sobre a presença de organismos geneticamente modificados em alimentos ou ingredientes alimentares.

O fato é que ninguém ainda fez a conexão entre o crescimento das exportações brasileiras de alimentos e a incapacidade do setor de assegurar as características de seus produtos.

Partícipe do crime

No Brasil e em outros países do mundo, as indústrias de alimentos são obrigadas a colocar nas embalagens de seus produtos o símbolo que identifica a presença de organismos geneticamente modificados. Isso por causa dos riscos que podem representar para a saúde das pessoas. Mas a expansão indiscriminada de sementes transgênicas, principalmente de soja e milho, já impossibilita esse controle.

A imprensa ainda não viu esse problema como o risco que representa para a economia brasileira.

Há pouco mais de dez anos, quando os movimentos ambientalistas começaram a questionar a manipulação genética de sementes, a imprensa, em sua maior parte, tomou a defesa da indústria química. De nada adiantaram os avisos de cientistas, dizendo que seria impossível impedir a contaminação das lavouras tradicionais e a constatação de que apenas duas ou três grandes multinacionais sairiam ganhando com a produção de transgênicos.

Agora que os alertas dos ambientalistas se tornam uma realidade concreta e assustadora, os jornais fingem que o problema é a falta de fiscalização do governo. Neste caso, a imprensa é mais do que cúmplice. É coautora do crime.

A crise nossa de cada dia

A crise nossa de cada dia

por Raúl Zibechi [*]

'O almoço do trolha', Júlio Pomar, 1947. Entre as pessoas de esquerda e os lutadores anti-sistémicos costuma predominar a ideia de que a crise actual é uma crise "deles", do capital e dos capitalistas, que tem consequências dramáticas sobre o mundo do trabalho. Mais difícil é aceitar que atravessamos, também, uma crise "nossa", dos modos e estratégicas em que vimos compreendendo o modo de dominação e as saídas possíveis num sentido emancipatório.

Se nos apoiarmos numa certa leitura de Marx, podemos concluir que estamos perante uma crise fenomenal de superprodução, uma vez que o capitalismo conseguiu produzir montanhas de mercadorias que não podem ser adquiridas pela população, o que só pode ser resolvido mediante a destruição das mercadorias sobrantes e dos milhões de postos de trabalho que as produzem. Esta análise põe em lugar destacado as leis da economia política, muito em particular a tendência decrescente da taxa de lucro, como centro de gravitação do declínio da acumulação de capital.

Se nos apoiarmos na leitura de Marx, podemos concluir que a crise em curso se deve a uma insuficiente subordinação do trabalho ao capital, o que faz com que este fuja para outros espaços geográficos à procura de novas formas de acumulação, como a que David Harvey baptizou "acumulação por despossessão", que inclui o sobredimensionamento do sistema financeiro e o conjunto de receitas neoliberais que se aplicaram sob o impulso do Consenso de Washington. Esta leitura destaca o papel da luta de classes, tanto na gestação como na resolução das crises, que se considera como chave mestra da ordem (e do caos) social.

Não se trata de optar uma ênfase ou outra. Ambas atravessam de modo contraditório a obra de Marx. Contudo, entre economistas, políticos e militantes costuma predominar o primeiro olhar, positivista digamos, que tende a priorizar a crise como algo essencialmente alheio cujas consequências são pagas pelos de baixo. Diante de nós estão a acumular-se algumas evidências que nos deveriam levar a navegar por aquela definição de Marx que sustenta que "a história de todas as sociedades é a história da luta de classes".

Nas últimas semanas alguns destacados funcionários do governo estado-unidense e directores de multinacionais asseguraram que há sintomas de que a crise chegou ao fundo ou está em vias de ser superada. As bolsas estão a recuperar-se lentamente, o consumo em algumas rubricas mostra sintomas de reactivação e certos sectores da produção estariam novamente a levantar voo. Contudo, as quebras continuam, os défices aprofundam-se e, sobretudo, as taxas de desemprego não param de crescer. Um sector nada desprezível dos de cima mostra-se optimista e apenas esse dado torna-se preocupante, pois revela que o que eles entendem por sair da crise é muito diferente do que sentem e aspiram os de baixo.

A crise actual é uma excelente oportunidade para reforçar a subordinação do trabalho, como a classe dominante tem procurado fazer desde a enorme crise do fordismo e do taylorismo da década de 60.

Neste ponto, e por doloroso que seja, devemos reconhecer que, mais de um ano depois de instalada a crise, não existiram reacções importantes dos trabalhadores. Ainda que seja possível e desejável que isso aconteça, não há indícios fortes a indicar que essa tendência se vá modificar. Sem potentes e contínuos movimentos e levantamentos, o capital poder dormir tranquilo e conduzir a crise de modo a que reforce o ponto central dos seus objectivos de classe: uma maior domesticação do trabalho.

Aqui cabem duas apreciações. Por um lado, a longa experiência sindical não serviu para reforçar as tendências operárias para superar o capitalismo e, pelo contrário, aprofundou a aspiração a integrar-se no sistema do modo mais favorável possível. A impressão dominante é que não se trata sequer de mudar equipes dirigentes, uma vez que é a própria "forma sindicato" que mostra limites consistentes. Neste sentido, a experiência latino-americana, onde nenhuma das já importantes lutas contra o neoliberalismo foi protagonizada pelo movimento sindical, pode servir de orientação. Os trabalhadores levantaram-se sob outras identidades (como moradores, imigrantes, pobres, desempregados...), mas o eixo das suas lutas não se centrou no lugar de trabalho solidamente dominado pelo patronato.

A segunda questão relaciona-se com o Estado e a democracia representativa. O grosso das lutas conduzidas pelas esquerdas centram-se em exigências aos estados ou para ganhar espaços mediante a participação em processos eleitorais, como vem fazendo a esquerda revolucionária francesa com grandes expectativas de acumular votos e cargos públicos para continuar a luta em melhores condições.

Ambas as lógicas, a sindical e a estatista, estão inspiradas na acumulação de forças, um conceito simétrico ao de acumulação de capital, que na história das lutas dos oprimidos mostrou enormes limitações no caminho rumo à emancipação. Poderiam dar-se muitos mais exemplos (o conceito de organização, o papel da tomada do poder estatal, a relação entre local e global, as transições, etc) que ilustram que a famosa crise não é só "deles" e sim nossa também, do conjunto de teses, das formas de compreender a sociedade e das práticas cunhadas desde a revolução francesa.

Não há um caminho traçado para sair deste labirinto, em grande medida porque sabemos que é mais fácil sair do erro que da confusão. A única coisa segura é que só um amplo e multifacético conjunto de levantamentos, rebeliões e insurreições, à escala local e global, pode permitir encontrar caminhos necessariamente novos para fazer da crise uma via de superação do capitalismo. O restante haverá que reapreendê-lo, porque em tempos de confusão sistémica impõe-se criar novas formas de acção.

[*] Jornalista, uruguaio.

O original encontra-se em http://www.jornada.unam.mx/2009/05/08/index.php?section=opinion&article=042a1pol


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .