sexta-feira, 25 de março de 2011

Livro de Rolf Hecker disseca as faces e a alma do marxismo


Acaba de vir à luz, pelas mãos da editora Anita Graibaldi e da Fundação Maurício Grabois, um livro intitulado Marx como Pensador — texto do intelectual alemão Rolf Hecker, que esteve no Brasil para divulgar a monumental obra de publicação das obras completas de Karl Marx e Friedrich Engels, conhecida como Mega-2.


Por Osvaldo Bertolino, na
Grabois.org via VERMELHO

São oito capítulos que discorrem sobre o Marx crítico da economia, o Marx filósofo, o Marx historiador, o Marx jornalista, o Marx político, o Marx das ciências naturais, sobre o “problema Marx-Engels”, sobre a história das edições das obras dos pensadores alemães, sobre os monumentos de Marx na Europa e sobre o que se sabe de Marx.

Na apresentação, o historiador Augusto Buonicore dá uma pitada do que vem em seguida, lembrando as mortes e ressurreições do marxismo. “A cada vez que uma crise assola o sistema — e os povos sentem na carne suas conseqüências nefastas e se rebelam —, a figura de Karl Marx se revigora”, escreveu. E acrescenta: “Afinal, não foi ele quem descobriu os mecanismos ocultos das crises do capitalismo e deu pistas para a sua superação? Contudo, parece que a necessidade de conhecer mais e melhor as obras marxistas não se reduziu, desta vez, às principais vítimas do capital: os trabalhadores.”

Buonicore esclarece que o texto do professor Rolf Hecker que a Fundação Maurício Grabois disponibiliza é resultado de uma conferência realizada em meio às atividades alusivas aos 125 anos da morte de Marx, em 2008. Seu objetivo era “analisar como mudaram nossas representações sobre Marx e sua obra nos últimos 15 anos”. Segundo o historiador, que também é secretário-geral da Fundação Maurício Grabois e presidente do Centro de Documentação e Memória (CDM) dessa instituição, Rolf Hecker é um profundo conhecedor das obras de Marx e Engels, especialmente das virtudes e vicissitudes de suas edições.

Nos textos, Hecker passeia pela história das obras dessas personalidades antológicas, especialmente de Marx. Ele relata um acontecimento que simboliza como poucos a grandeza desse pensador original. Segundo o professor, todos os anos milhares de pessoas visitam o túmulo de Marx no cemitério Highgate, em Londres. Em 11 de novembro de 2007, o jornal Frankfurt Allgemeine Sonntagszitung publicou que “Marx é um grande pensador, uma personalidade da história mundial, e merece respeito”. A “Casa de Karl Marx” em Trier, Alemanha — o único museu especial dedicado a Marx no mundo, e que recebeu em 2010 a visita de 40.233 turistas, entre os quais mais de dez mil provenientes da China —, escreve Hecker, foi reaberta em 9 de junho de 2005.

A alma do marxismo

Mais do que o museu, as obras de Marx são visitadas em todas as partes para se compreender o que se passa atualmente, confirmando as palavras de Engels em seu funeral, segundo as quais o nome e a obra do mais famoso pensador alemão atravessaria os séculos. Seu pensamento enfrentou e venceu diferentes fixações fanáticas. Quando não vencem pelos ataques, contudo, apelam para a indiferença em relação à sua alma — a dialética, na definição de Wladimir Lênin. A dificuldade está em procurar compreender o marxismo com espírito científico, isento de paixões e sem a carga irracional de ódio, herdada em boa parte de preconceitos incutidos por anos de anticomunismo.

Mesmo quando ele não é excluído da categoria de fenômeno social — o marxismo é ensinado até nas universidades norte-americanas —, procuram a todo custo destituí-lo de sua alma. É assim que os espíritos se fecham ao seu conhecimento, possivelmente com medo de a ele se converter. Para compreendê-lo, é preciso compreender a sua essência revolucionária. Trocando em miúdos: para compreender a realidade, é preciso pensar a realidade. Pensar é apreender os fatos pelo pensamento e compreendê-los como processo em contradição — a mola do movimento real das coisas. Logo, se a realidade é dialética e se pensar é apreender a realidade, pensar é apreender dialeticamente os fatos.

Exercício revigorante

O marxismo, independente do que dizem dele os já decrépitos “novos filósofos”, não pode evidentemente ser resumido a um modelo. Os bolcheviques de “têmpera especial” partiram a história em duas, abalaram o mundo, romperam pela primeira vez a estrutura e a lógica do capitalismo e do imperialismo — tomaram o céu de assalto, como dizia o próprio Marx sobre os revolucionários da Comuna de Paris, de 1871 —, mas foram marxistas do seu tempo. O desenvolvimento histórico obriga os marxistas a uma nova perspectiva revolucionária, adequada ao tempo e às condições concretas de cada lugar, de cada realidade.

Nessa constatação está a alma do marxismo, capaz de uma atitude crítica diante de fórmulas tradicionais petrificadas. A conclusão que pode ser extraída é que a sua força não depende dos males elementares do capitalismo. Nem da idéia de um único movimento comunista mundial que, num certo período, atrofiou o pensamento marxista.

O marxismo é um método científico. E, nas ciências, a discussão — entre pessoas que sustentam pontos de vista divergentes sobre bases científicas — é o único caminho permanente de progresso. Marx como pensador ensina isso. A leitura dos textos do professor Hecker é o exercício revigorante do qual fala Augusto Buonicore na apresentação do livreto.

Agronegócio apropria-se da crise alimentar para aprovar novo Código Florestal

Valéria Nader, da Redação   do Correio da Cidadania
 
A ‘tropa de choque’ do agronegócio deve contar, a partir de agora, com um de seus mais poderosos interlocutores em um dos veículos de maior visibilidade e circulação do país, o jornal Folha de S. Paulo. Kátia Abreu, a senadora do DEM que se destaca como uma das figuras mais famosas e entusiastas da bancada ruralista no Congresso, passará a escrever quinzenalmente no diário.
 
O tema escolhido para a estréia de sua coluna no caderno Mercado, no último sábado, 19 de março, não foi nada gratuito. Em uma conjuntura em que volta a se insinuar fortemente no cenário mundial a crise alimentar, com falta de produtos e conseqüente aumento de preços, a senadora fez veemente artigo em defesa da reforma do Código Florestal.
 
Trata-se de texto habilíssimo na captura do momento adequado para desferir sua bateria de argumentos em favor do agronegócio.
 
O pulo do gato
 
Em introdução ao seu texto, Kátia Abreu enumera superficialmente os fatores que nos últimos meses vêm sendo apontados por vários estudiosos como deflagradores dessa crise. Evita, desta forma, possíveis acusações de desconhecimento do fenômeno a partir de suas causas multifatoriais. Depois disso, passa ao que realmente pretende: o estabelecimento de um vínculo ‘direto’ e ‘indiscutível’ entre o atual Código Florestal e a crise de alimentos.
 
Para a senadora, a especulação nos mercados futuros de produtos agrícolas não tem praticamente nada que ver com o aumento atual dos preços dos alimentos. Convencida dos poderes do livre mercado na solução dos desajustes entre oferta e demanda, as cotações dos produtos não se descolariam desse fundamento básico a não ser por períodos curtos. Quanto aos fatores climáticos, seriam reais, mas não determinantes, uma vez que, para Kátia Abreu, o mercado também se encarregaria de estabelecer os vasos comunicantes entre "grãos e carnes produzidos hoje em tantas latitudes diferentes".
 
O único motivo que, no espectro da senadora, explicaria a atual subida de preços seria "a demanda nas regiões pobres do mundo, em especial na Ásia, onde centenas de milhões de pessoas estão saindo da miséria e comendo mais, comendo melhor". Neste cenário determinístico e unidirecional, em que o problema é o excesso de demanda, a solução não poderia, obviamente, ser outra: o aumento da oferta, com maior produção de grãos, carnes e frutas.
 
Aqui vem o pulo do gato. Conforme Kátia Abreu, os últimos governos compreenderam a importância de não ceder a deletérias tentações intervencionistas, como controle de preços e formação de estoques. Contudo, ainda viveríamos sob o império de leis retrógradas, anteriores à revolução agrícola dos anos 70. Este seria o caso do Código Florestal, um obstáculo, para ela, à expansão da produção agrícola e, portanto, da oferta tão necessária em meio a uma conjuntura de crise alimentar. Urgente, portanto, se faria sua ‘revisão’ e ‘atualização’, o que não implicaria em desmatamento - faz questão de ressalvar a senadora -, mas apenas na regularização de áreas de produção abertas com ‘grande sacrifício e elevados custos’.
 
Crise alimentar e a complexidade de causas
 
O discurso da senadora não chega a ser surpreendente em um país em que a causa ruralista não raramente se impõe no cenário econômico e político. Em um momento anterior de agravamento da crise alimentar, em 2008, o então governador do Mato Grosso e hoje também senador, Blairo Maggi, chegou a sugerir o aumento do desmatamento legal como uma saída para se lidar com as altas de preços. Nada muito diferente do que aquilo que propõe agora a senadora, mesmo que de modo, sem dúvida alguma, muito mais engenhoso.
 
Já naquele momento, o geógrafo e professor aposentado da USP Ariovaldo Umbelino, em artigos variados na imprensa e em entrevista ao Correio da Cidadania, ressaltava o desatino por trás dessa abordagem. Num país que tem 120 milhões de hectares de terras comprovadamente improdutivas, registradas no próprio cadastro do Incra, e que não faz uma reforma agrária porque o governo não quer, esta avaliação deveria ser encarada como uma loucura do modelo do agronegócio. Enfatizava ainda Umbelino as causas multifatoriais que desde então estavam em jogo: a começar pelos fatores conjunturais, como o aumento do preço do petróleo, até aqueles estruturais, relacionados às novas modalidades em curso de organização da produção capitalista.
 
Ainda que a melhoria das condições econômicas em países de grande população, sobretudo China e Índia, tenha ampliado a importação de alimentos, repercutindo sobre a elevação dos preços, essa não era, e não é, a principal razão para esta elevação, como se quer fazer crer no Brasil, e como pretende a senadora.
 
No início da década de 90, houve uma mudança evidente na sistemática da produção e comercialização de alimentos, com o aprofundamento do modelo neoliberal e a imposição das novas regras da OMC (Organização Mundial de Comércio), baseadas no livre comércio e na regulação pelo mercado. A partir de então, abolida a regulamentação para o mercado de commodities, contratos de compra e venda de alimentos puderam ser transformados em derivativos de várias espécies, sem qualquer vínculo com as atividades agrícolas.
 
Daí à especulação com os alimentos foi somente um instante. Desde o ouro e o petróleo, até alimentos básicos como soja, café e açúcar, tornaram-se todos commodities globais negociáveis nos mercados futuros.
 
Fato é que a especulação com commodities de alimentos tem sido alimentada com ferocidade crescente após a explosão da crise do ‘subprime’ (hipotecas ‘podres’) nos EUA, a qual evoluiu para a crise financeira mundial de 2008. Aproveitando-se da desregulamentação de preços nos mercados globais de commodities, os mesmos investidores cujas transações financeiras resultaram na crise de 2008 correram em busca de negócios mais seguros, entre os quais estava o de alimentos. Boa parte dos fundos de investimentos foi dirigida, assim, à compra de commodities (mercado de futuro), o que acelerou a redução de estoques de alimentos, com impactos diretos nos preços.
 
Uma avaliação e seus múltiplos interlocutores
 
Em face desta discussão, é bom assumir uma postura de precaução contra eventuais e previsíveis acusações de ‘parcialidade’. Não são somente os estudiosos e especialistas de visão dita mais progressista, ligados a causas agrárias e aos movimentos sociais, não raramente tidos como ‘jurássicos’, que trazem estas noções à tona. Vejamos.
 
Segundo apontado por Francisco López Ollés, especialista em matérias-primas e divisas, citado por Belén Carreño em Público.es no dia 7 de março, "não há praticamente outro produto no qual investir neste momento cuja procura real seja tão clara, isto é, que tenha tão bons fundamentos (...) No final, tudo isto é resultado das operações dos bancos centrais para que haja mais liquidez nos mercados (conhecido como quantitative easing). O dinheiro tem que procurar rentabilidade em algum lado", conclui.
 
Para Paulo Picchetti, doutor em Economia pela Universidade de Illinois e professor da EESP/FGV (Fundação Getulio Vargas), em artigo no caderno Mercado da Folha de S. Paulo no dia 19 de fevereiro, "qualquer novo anúncio de previsão de queda de produtividade é seguido por um movimento intenso de preços nos mercados à vista e de futuros. Nesse último, principalmente, o comportamento especulativo passa a ser apontado como fator adicional de pressão sobre os preços dos alimentos".
 
Como um exemplo dessa apreciação de Picchetti, Belén Carreño narra um caso muito revelador: "um só hedge fund tem agarrados pelo pescoço há meses todos os produtores de chocolate do mundo. O fundo Armajaro, dirigido por um conhecido executivo britânico, Anthony Ward (...), comprou no passado mês de julho 240.000 toneladas de cacau, o equivalente a 7% da produção mundial, numa só operação. A compra, que se fez no mercado Euronext, onde não há limites sobre este tipo de matéria, disparou o preço do cacau até aos seus máximos desde 1977. As milhares de toneladas de cacau continuam acumuladas (...) nos armazéns de Hamburgo, Antuérpia e Amsterdã. Ward apostou no cacau, já que um dos seus principais produtores, a Costa do Marfim, está praticamente em guerra civil, com o que escasseará o produto em breve".
 
De acordo ainda com artigo de John Vidal para o The Observer, traduzido para o site Carta Maior por Wilson Sobrinho em 2 de março, "Olivier de Schutter, Relator da ONU para o Direito à Alimentação, não tem dúvidas de que especuladores estão por trás do aumento de preços. Ele diz que ‘os preços do trigo, do milho e do arroz têm aumentado de modo significante, mas isso não está ligado a estoques ou colheitas ruins, mas sim a negociantes reagindo a informações e especulações do mercado’".
 
Lembremos, ademais, que em 2008, quando chamado a depor no Senado norte-americano para dar explicações sobre suas atividades especulativas, foi o próprio George Soros quem admitiu os efeitos altamente desestabilizadores da especulação para o preço das matérias-primas! Efeitos desestabilizadores esses que podem, inclusive, ser sentidos bem perto de nós.
 
No plano do mercado interno brasileiro, os alimentos básicos da população brasileira, como arroz, feijão e mandioca, não têm aumento significativo da produção desde 1992, conforme já ressalvou por diversas vezes o geógrafo Ariovaldo Umbelino. O feijão chegou até mesmo a faltar no mercado nacional. Por um lado, trata-se de distorção resultante de uma política agrícola que não permite que os produtores, especialmente os pequenos, reponham até mesmo os seus custos de produção. De outro lado, está a própria especulação, com seus impactos sobre os deslocamentos de terras dos cultivos menos lucrativos em direção àqueles que são a menina dos olhos do mercado internacional. Como, por exemplo, a cana-de-açúcar, a base de nosso tão prestigiado etanol, e que tem novamente tornado as regiões sul e sudeste em um extenso canavial.
 
Ressalte-se o controle oligopólico que algumas poucas empresas possuem atualmente sobre o comércio agrícola mundial. Com seu poder quase absoluto na imposição de preços, independentemente dos reais custos de produção, estas empresas potencializam os efeitos deletérios da ciranda especulativa sobre a oferta e os preços dos alimentos.
 
Finalmente, em face dessas circunstâncias reais e pouco animadoras, fiquemos atentos ao alerta de Umbelino. Segundo o geógrafo, "somos o único país do mundo em que se prega essa tese maluca do neoliberalismo, de que comida tem de ser oferecida no mercado a quem puder pagar mais. Isso tira do país a possibilidade de obter uma mínima segurança alimentar, nem digo soberania. O mercado de alimento não pode sobreviver ao mercado livre. Seguir essa trilha é colocar em risco a possibilidade de sobrevivência da humanidade. O mercado não é capaz de regular nada, exceto as vantagens dos capitalistas. E o problema da fome está aí, para demonstrar essa incapacidade".
 
Coragem ou costas quentes?
 
Em meio a tamanhas catástrofes naturais, no Brasil e no mundo - a mais recente delas a tragédia ambiental e humana que abate o Japão -, deve-se admitir que a senadora Kátia Abreu teve muita coragem para tecer uma argumentação com o naipe acima narrado. Afinal, não é preciso ser especialista para intuir que a diminuição das áreas de reservas naturais e de proteção permanente em nossas matas, objetivo da revisão do Código Florestal, terá, inelutavelmente, repercussões negativas sobre o clima e o meio ambiente. Mas quando se pensa na rede de colaborações e cumplicidade na qual está enredada a senadora, parece não estar envolvida assim tanta coragem.
 
O movimento de alinhamento da mídia grande com interesses conservadores ligados a poderosos lobbies e grupos econômicos, na grande maioria das vezes reforçando a impossibilidade de a população discernir e defender seus interesses básicos, não é mais novidade. Até mesmo nos órgãos que se auto-intitulam como progressistas, que teoricamente prezam a comunicação democrática e a apresentação das diversas opiniões em jogo no tratamento de um tema, tem sido a cada dia mais escancarado o posicionamento em favor do lado que de fato lhes interessa. O ‘caminho único’ impõe-se com evidência crescente.
 
A Folha é aqui um exemplo significativo. Sempre sorrateira em suas articulações, de modo a poder preservar o caro discurso sobre seu progressismo, tem tido bem menos peias ultimamente na demonstração de seu verdadeiro caráter. A recente transformação de seu caderno Dinheiro em Mercado, com a dispensa de colunistas capazes de tecer considerações mais amplas e profundas sobre a economia nacional e internacional, e sua substituição por nomes, quando não mercadistas, ligados a grupos de interesses muito específicos, escancaram de modo contundente o seu verdadeiro viés. A demissão, há alguns meses, do renomado economista Paulo Nogueira Batista Júnior, e a estréia de nomes como Antonio Palloci, hoje menina dos olhos do sistema financeiro, e agora de Kátia Abreu, dispensam maiores comentários.
 
Mais alarmante, no entanto, do que o apoio que figuras como a da senadora encontram na mídia é a constatação inequívoca do suporte que vem do próprio governo a estas posturas. Para aqueles que acompanham de perto a conjuntura agrária e agrícola do país e os movimentos sociais a ela associada, não é estranho o fato de que os números advindos do governo Lula indicam privilégio aos grandes produtores e obras polêmicas. Os pequenos produtores, a promessa de uma efetiva reforma agrária e a postura de respeito verdadeiro ao meio ambiente foram lançados às calendas. E nada indica, por sua vez, que o novo governo vá traçar rumos diferenciados.
 
Rumos inusitados estão fora de perspectiva não somente pelo fato de ser o novo governo apoiado pelo anterior, cuja presidente eleita foi praticamente arremetida ao Planalto pelas mãos de Lula. No clima de lua de mel com o público típico dos inícios de mandatos, e enquanto ainda se pode surfar na estupenda popularidade deixada por Lula, algumas sugestivas medidas foram anunciadas. Elas devem dar o tom da preocupação com o que vem pela frente.
 
Para além das políticas gerais já em andamento, como o maior arrocho na economia, a partir de restrições orçamentárias e elevações das taxas de juros, há outras providências mais específicas e de menor visibilidade. Em sintonia com o estilo tecnocrático da nova presidente, está em estudo, por exemplo, um ‘choque de gestão’ na área de licenciamento ambiental. Buscam-se regras mais simples, além de prazos menores e redução de custos para os investidores, com o objetivo imediato de acelerar a aprovação às grandes obras do PAC (o Plano de Aceleração do Crescimento), a maioria delas envolta em consideráveis polêmicas sociais e ambientais.
 
É neste tipo de ‘providências’ aparentemente mais prosaicas que se deve ficar de olho... A partir delas, o governo - que ainda se pretende e se auto-intitula ‘popular’ - poderá encontrar os artifícios para aprofundar a inexorável rota conservadora imposta pelo modelo econômico escolhido.
 
Valéria Nader, economista, é editora do Correio da Cidadania.
 

Governo oferece aumento de 10,91% aos professores. Cpers reivindica o piso nacional


Rachel Duarte no Sul21

O governo gaúcho aumentou a proposta de reajuste salarial aos professores para 10,91% sobre o básico do magistério. O anúncio foi feito após reunião com a direção do sindicato da categoria, o Cpers, nesta quinta-feira (24), no Palácio Piratini. O valor é a proposta final do Executivo e representa um ganho real em relação à inflação de 2010 de 4,7% (IPCA) e de 4,2 (INPC). Porém, o reajuste ainda não atinge o piso nacional estipulado pelo Ministério da Educação, não alcançando, desta forma, a proposta dos professores.
Rejane de Oliveira, presidente do Cpers - Ramiro Furquim/Sul21

Segundo a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira, a categoria aprovará ou não o valor final oferecido pelo governo estadual na Assembleia Geral do dia 8 de abril, no Gigantinho. “Vamos debater com a categoria pois queremos o Piso Nacional como básico do plano de carreira. O governo já disse em outra audiência que o piso será o básico no plano de carreira, mas não apresenta uma proposta concreta neste sentido. Se tivesse apresentado, o valor seria de R$ 1.597 para 40 horas”, calcula. Segundo Rejane, o reajuste de 10,91% não irá desmobilizar os professores, que vão batalhar pela implementação do piso nacional ainda em 2011. “A nossa mobilização irá garantir esta implementação da lei do piso”, reforçou aos jornalistas ao final da conversa com o governo.
O chefe da Casa Civil, Carlos Pestana, foi quem recebeu a direção do Cpers, acompanhado dos secretários de Educação, José Clóvis, e da Administração, Stela Farias. Na visão do governo, o aumento representa o maior reajuste já oferecido ao Cpers nos últimos dez anos. E, para um mandato que não tem 100 dias de gestão, uma demonstração de respeito aos professores e de valorização da categoria. “Estamos propondo um reajuste de quase 11% e mais uma complementação. A proposta valerá para todos os professores ativos e inativos e funcionários de escola. O impacto será de R$ 334 milhões”, argumentou Pestana.
Carlos Pestana, chefe da Casa Civil - Ramiro Furquim/Sul21

Com o reajuste, 88% dos professores do estado (114 mil) receberão mais que R$ 1.187,00 e 83% (108 mil) passarão a ter vencimentos entre R$ 1.541,00 e R$ 2.541,00. Para chegar a esta proposta, o governo reconheceu o pleito de complementação da parcela autônoma, passando dos atuais R$ 42,90 para R$ 77,83 e incorporou 50% deste novo valor ao salário básico do magistério. De acordo com Pestana, com este aumento, a diferença para alcançar o Piso Nacional cai de 66% para 51%. “Ao longo dos quatro anos de governo queremos alcançar o piso nacional. Não pudemos fazer isso agora, pois, ainda não temos clareza da receita e problemas como a Lei Brito. Foi sinalizada uma proposta e não foi paga. Nós queremos assumir compromissos e poder cumpri-los”, disse Pestana sobre a cautela na progressão do reajuste.
Ainda assim, para a presidente do Cpers, Rejane de Oliveira, se o governo objetiva alcançar o piso, teria que ser mais contundente. “O governo deveria apresentar um calendário de percentuais e de prazo para chegar ao piso nacional. Não fez isso, se eles têm esta intenção está fazendo isso de forma muito tímida e sem nenhuma consistência que nos leve a pensar que querem alcançar o piso nacional”, defendeu.
Na ocasião, o Cpers reafirmou os 16 pontos que reivindica para os professores gaúchos. O governo prometeu apresentar um relatório com as possibilidades de cumpri-las na próxima segunda-feira, 28.

A Primeira Guerra Mundial da Globo

 

As Organizações Globo estão enfrentando sua Primeira Guerra Mundial, desde que tiraram da Tupi o cetro de emissora de maior audiência do país - nos longínquos anos 70.
Nos próximos dias será decidida a questão da transmissão do campeonato de futebol brasileiro. Não se trata de um mero evento esportivo. Se perder a disputa, a Globo colocará em xeque toda sua programação do horário nobre – baseada no hábito diário de acompanhamento de novelas e de jornais televisivos.
Pela primeira vez, poderá perder a liderança de audiência no país.
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A ameaça é da TV Record, que promete uma proposta de R$ 550 milhões para conseguir os direitos de transmissão junto ao Clube dos 13. Por trás da disputa, há mudanças relevantes na legislação de direito econômico brasileiro.
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Cada clube esportivo detém direitos de imagem sobre seus jogos.
Para administrar seus interesses, anos atrás a Globo incentivou a formação do Clube dos 13, incumbido de negociar em bloco os direitos dos seus associados – maiores clubes nacionais.
Nos Estados Unidos, por exemplo, grandes clubes recebem direitos de arena superiores aos pequenos clubes. Sob o argumento de que as condições brasileiras eram diferentes, a Globo conseguiu equalizar os direitos de transmissão – todos recebendo a mesma quantia, tática fundamental para transmissões pela televisão aberta, na qual não é possível o pay-per-view (pagar para assistir).
Se um clube com maior audiência ia reclamar, era encaminhado ao Clube dos 13, que tratava de demovê-lo de suas pretensões.
Mais ainda. Através de um contrato leonino, a Globo tinha uma cláusula de preferência, direito ao último lance em cada leilão de transmissão de campeonato. Ou seja, depois do último lance, ela tinha o direito de cobrir a proposta apresentada.
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Esse modelo foi questionado no CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico). A Globo e o Clube dos 13 foram obrigados a assinar um termo de compromisso estabelecendo condições transparentes de disputa. Isto é, cada concorrente chegando com um envelope com sua proposta.
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Primeiro, a Globo chamou os clubes e tentou convencê-los a baixar o preço, sob a alegação de que a audiência do futebol vem caindo há tempos e o mercado não aceitaria pagar grandes lances pelos direitos de transmissão.
Não conseguiu disfarçar sua preocupação maior: no mundo todo, a emissora que tem o esporte mais popular lidera a audiência. Se perder o futebol, perde a liderança.
O problema maior surgiu na seqüência.
Em outros tempos, não haveria competidores. Apenas uma vez o SBT ousou competir, levando o Campeonato Paulista. Band e Rede TV nunca tiveram bala na agulha.
Agora, apareceu a TV Record dispondo-se a elevar o lance a R$ 550 milhões para a TV aberta. No setor de TV fechada, começa a competição com as teles e, na área da Internet, com os portais.
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A reação da Globo foi tentar implodir o Clube dos 13. Através de Ronaldo e de comentaristas esportivos conseguiu cooptar o presidente do Corinthians.
Seja qual for o resultado da pendenga, trata-se de um capítulo central nas transformações pelas quais passa a mídia brasileira.