Quem escolhe o afogamento?
Marcos Rolim
Quando Virgínia Woolf entrou no Rio Ouse para se matar, sabia que a loucura a cercava. Mesmo assim, deixou dois bilhetes de amor e teve o cuidado de encher com pesadas pedras os bolsos de seu casaco. Ela ouvia vozes, mas sabia que o suicídio por afogamento não é um método simples. Por instinto, todos os mamíferos reagem à asfixia e emergem mesmo os que desejam a morte. Sabe-se que os suicidas escolhem a forma de morrer, privilegiando métodos que lhes assegurem rapidez e que eliminem ou reduzam sofrimento. Não por acaso, estima-se que 64% dos homens e 40% das mulheres que se matam em todo o mundo usam armas de fogo. Pela mesma razão, a escolha pelo afogamento é incomum sendo, por exemplo, apenas 1,3% dos suicídios nos EUA (os suicídios na Golden Gate Bridge, a propósito, raramente são afogamentos, porque as vítimas morrem pelo impacto na água queda de 75 metros a uma velocidade de 138 km/h no momento do impacto).
A facilidade de acesso aos meios letais faz muita diferença (Marzuk et al, 1992) e a maior parte das pessoas com ideação suicida só a consuma mediante acesso a determinados métodos, desistindo da ideia na ausência deles. Na Inglaterra, a introdução de uma nova composição de gás de cozinha – muito menos tóxica – fez com que os suicídios com este meio fossem reduzidos de 2.368 casos em 1963 para 11 em 1978 (Colt, 1991) enquanto na então Alemanha Ocidental aquela mudança fez com que as taxas para este evento despencassem de 11,6% para 0,3% no mesmo período (Wiedenmann A., Weyerer S., 1993); em nenhum caso houve migração considerável para outros métodos de suicídio.
A morte por afogamento envolve uma das mais aterrorizantes experiências. Escolhê-la é, por isso mesmo, um gesto de loucura, não de desespero ou depressão aguda. A autópsia que conclua pela morte por afogamento, por seu turno, jamais será prova de suicídio ou de homicídio. No caso do homicídio, por exemplo, seria preciso constatar ferimentos ou hematomas no cadáver ou vestígios (por exemplo, sob as unhas) que indiquem luta corporal prévia. Na ausência destes elementos, pode-se chegar à causa da morte, mas não às condições em que ela se deu (o que torna o homicídio por afogamento um crime de difícil solução).
Digo isto apenas porque no caso da morte do ex-assessor do Governo do Estado, Marcelo Cavalcante, fiquei com a impressão de que a hipótese do suicídio foi muito rapidamente sacramentada pelo discurso oficial. Ele tinha um depoimento marcado no Ministério Público e procurou informações sobre o programa de proteção a testemunhas. Quem busca este tipo de informação está preocupado em manter sua vida, não em abreviá-la. Segundo consta, Marcelo teria dito a sua esposa que estaria indo “para outra vida”. A frase parece definitiva, mas não é. Não se cogitou que o eventual ingresso no programa de proteção a testemunhas pode significar, precisamente, outra vida, inclusive outro nome conferido legalmente ao protegido. Muitas outras hipóteses, além desta, são perfeitamente plausíveis. O que parece faltar aqui são evidências e, ao que tudo indica, a vontade de encontrá-las.
* Jornalista