quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Política, preconceito e religião vitaminam intolerância


Eugenia e xenofobia: judeus, ciganos e homossexuais ontem; homossexuais, negros e nordestinos hoje.


Por Marcelo Semer
* no blog observadoressociais

Não se pode dizer, ainda, que as agressões da Paulista que vitimaram gays, tiveram motivação homofóbica. Infelizmente não seria nenhuma novidade.

Faz tempo temos convivido com extremismos discriminatórios, que vez por outra transbordam para o noticiário policial. Nordestinos, mendigos, índios e homossexuais estão entre as vítimas preferenciais de operações de limpeza étnica ou expressões de pura arrogância.

Mas mesmo entre aqueles que não agridem, é de se notar que a intolerância e a discriminação têm alcançado índices alarmantes. Que o digam as violentas manifestações no twitter, culpando nordestinos pelo resultado da eleição.

Por pouco, a coisa não piora.

Recentemente soubemos que no começo de agosto grupos neonazistas preparavam manifestação em homenagem a Rudolf Hess, condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade, dos quais, aliás, morreu dizendo jamais se arrepender.

Denúncia de anarquistas ao Ministério Público paulista desarticulou a passeata que até então vinha sendo preparada em grupos de discussão na Internet, defensores do "orgulho branco".

Os neonazistas chamam Hess de "mensageiro da paz", mas as mensagens que eles mesmos produziam, entre louvações a Hitler e ao poder branco, estavam repletas de afirmações discriminatórias a "anarcos, judeus, pretos e comunistas".

As comunidades afirmam: "somos brancos nacionalistas; há milhares de organizações promovendo os interesses, valores e heranças dos não-brancos. Nós promovemos os nossos".

Lembrar o nazismo parece um absurdo de alucinados saudosistas da barbárie.

Mas o tom do recente manifesto "São Paulo para os Paulistas" não destoa muito destas palavras de reverência ao "orgulho branco".

Trocados migrantes por judeus e paulistas por arianos, a idéia de "defender o que é verdadeiramente nosso", tipicamente paulista, sem mistura, não está longe daquela que alavancou o nazismo, tenham eles consciência ou não disso.

O documento que circulou pela web se afirmou anti-racista e contra o preconceito. Mas está fincado, basicamente, na idéia de "soberania do paulista em sua terra".

Os migrantes, sobretudo nordestinos, são acusados de promover bagunças, invasões de propriedade e ocupar empregos dos paulistas, com a mesma contundência que se vê nos grupos xenófobos europeus em relação a árabes e africanos.

"A grande maioria dos crimes, violências e fraudes, está relacionada a migrantes", sustenta o abaixo-assinado, sendo estes, ainda, os que "mais se apoderam dos serviços públicos".

A campanha, para além de glorificar o "orgulho paulista", propõe absurdas limitações no uso de serviços estatais e acesso a cargos públicos, a serem restritos aos da terra. A migração deveria ser revertida, apregoam, lembrando que "os migrantes possuem altíssima taxa de natalidade e ocupam espaços que pertencem ao povo paulista"; ademais, "promovem arruaças em transportes públicos, saciam a fome e impõem seus costumes aos bandeirantes".

A xenofobia não é nada nova, mas foi recentemente vitaminada por uma campanha eleitoral repleta de desinformação e despolitização.

Durante a eleição presidencial, muitos foram os analistas que atribuíam uma possível vitória de Dilma a seu desempenho no Nordeste. Ouvimos ad nauseam tais comentários, insinuando um país eleitoralmente dividido, além do preconceito enrustido sob a crítica da eleição ganha por intermédio de favores aos mais pobres.

Os números foram severos com esses argumentos, pois Dilma venceu expressivamente no Sudeste e teria sido eleita mesmo sem os votos do Norte e Nordeste. Mas a impressão de um país rachado entre cultos e incultos, Sul e Norte, já havia conquistado muitos corações e mentes na elite paulista.

Afinal, como dizia Sartre, o inferno são os outros. São eles que responsabilizamos por nossos fracassos, porque é custoso demais atribuir os erros a nós mesmos.

A tática do vale-tudo e a adesão desesperada à estratégia típica dos ultraconservadores norte-americanos, de trazer a religião para os palanques, ou levar a política para os cultos, estimulou ainda uma nova rodada de preconceitos.

Não bastasse a questão do aborto ter sido tratada como ponto central da disputa, religiosos exigiam dos candidatos rejeição ao casamento gay e a não-criminalização da homofobia, instrumentos que apenas aprofundam a discriminação pela orientação sexual.

Os níveis diferenciados de crescimento das regiões mais pobres, a ascensão social provocada pelos mecanismos de transferência de renda, a ampliação da classe média e a redução da sensação de exclusividade são, paradoxalmente, condimentos para a evolução da intolerância.

Tradicionalmente os momentos de mobilidade social são tão sensíveis quanto aqueles de depressão.

Que saibamos evitar no crescimento a intolerância de que sempre soubemos desviar nos momentos de crise.


* Marcelo Semer é Juiz de Direito em São Paulo. Foi presidente da Associação Juízes para a Democracia. Coordenador de "Direitos Humanos: essência do Direito do Trabalho" (LTr) e autor de "Crime Impossível" (Malheiros) e do romance "Certas Canções" (7 Letras). Responsável pelo Blog Sem Juízo.

Exército boliviano se declara socialista e antiimperialista


O Exército Boliviano, que celebrou no último domingo (14) seus 200 anos de criação, se declarou "socialista'', "antiimperialista'' e "anticapitalista''. O comandante nacional do Exército, general Antonio Cueto, afirmou que a Constituição promulgada em 2009 "dá lugar a que o Exército surja como uma instituição socialista, comunitária''.

"Nos declaramos antiimperialistas, porque na Bolívia não deve existir nenhum poder externo que se imponha, queremos e devemos atuar com soberania e viver com dignidade. Também nos declaramos anticapitalistas porque este sistema está destruindo a mão terra'', afirmou durante um ato pelo bicentenário do Exército. Essa instituição assume como ano de criação 1810, quando começaram as revoluções independentistas no atual território boliviano contra a coroa espanhola.

Cueto criticou os "governos neoliberais'' bolivianos que "fizeram um pacto com o sistema capitalista, buscando a destruição das Forças Armadas'' do país, "com planos que diminuíam progressivamente sua capacidade operativa''. Ratificou que o Estado boliviano "é pacifista'', mas também se reserva "o legítimo direito à defensa'' de seu território e agregou que os militares ‘‘não irão permitir sob nenhuma circunstância a instalação de bases estrangeiras'' em seu território.

Por sua vez, o presidente Evo Morales pediu aos militares que estejam preparados para defender a soberania da Bolívia, ante a possibilidade de que "qualquer império'' tente ‘‘intervir militarmente''em seu país, como o fizeram há 200 anos para "combater o domínio espanhol''.

"A história demonstra que o Exército nasce com uma posição antiimperialista porque combateu o império europeu desde 1810'', afirmou Morales, ao destacar que o ‘‘nacionalismo militar'' das Forças Armadas não foi "importado nem imposto'', mas que nasceu em seguida à luta da Guerra do Chaco travada contra o Paraguai entre 1932 e 1935.

Ao ato assistiram os comandantes dos Exércitos do Chile, Juan Miguel Fuente-Alba e do Equador, Patrício Cáceres, além de delegações militares da Argentina, Brasil, Chile e Peru. O Exército boliviano ratificou seu compromisso com o ‘‘processo de mudança'' levado adiante pelo governo.

Fonte: EFE

Conselho de Comunicação Social: quatro anos de ilegalidade

Por Venício Lima - de Brasília


No sábado, dia 20 de novembro, serão quatro anos que o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, criado pela Constituição de 1988, se reuniu pela última vez. Um ano atrás, neste Observatório, publiquei artigo intitulado “CCS: Três anos de ilegalidade”.
Matéria da Folha de S.Paulo sob o título “Congresso vai reativar conselho de comunicação”, publicada no último dia 31 de outubro, informa que “no recesso de julho, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), despachou cartas a dezenas de entidades anunciando a medida (reativação do CCS), e 21 delas já indicaram nomes para compor o órgão”.
A se confirmar a informação, o senador do Amapá, exemplo emblemático do coronel eletrônico, terá esperado os últimos dias de seu terceiro mandato como presidente do Congresso Nacional para cumprir a lei. Todavia, até este momento, apesar da ilegalidade flagrante, a situação não se alterou.
Desta forma, tomo a liberdade de repetir aqui praticamente os mesmos argumentos do artigo publicado um ano atrás na expectativa de que, em novembro de 2011, talvez a Constituição e a lei estejam sendo cumpridas.
Responsabilidade do Congresso Nacional
Criado pela Constituição de 1988 (artigo 224) e regulamentado pela Lei 8.389 de 1991, os integrantes do CCS são eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional. Acontece que a Mesa Diretora, vencidos os mandatos dos conselheiros ao final de 2006, jamais promoveu a eleição dos novos membros. O § 2º do artigo 4º da Lei é claro:
Art. 4° O Conselho de Comunicação Social compõe-se de:
(…)
§ 2° Os membros do conselho e seus respectivos suplentes serão eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, podendo as entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX deste artigo sugerir nomes à mesa do Congresso Nacional.
Trata-se, portanto, de evidente descumprimento de uma lei exatamente por parte do poder que tem o dever constitucional maior de criá-las e, espera-se, deveria cumpri-las.
A situação chegou a tal ponto, que um integrante do próprio Congresso Nacional, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), em agosto de 2009, entrou com uma representação na Procuradoria Geral da República para que o Ministério Público investigue os motivos pelos quais não se promove a eleição dos novos membros do Conselho de Comunicação Social.
Triste história
Ao longo de 2009, em pelo menos duas ocasiões, tratei da questão neste Observatório (“Por que o CCS não será reinstalado” e “CCS: o Senado descumpre a lei”). O tema, paradoxalmente, não merece a atenção da grande imprensa, apesar de os donos da mídia terem, pelo menos, a metade dos membros do CCS.
Como se sabe, o CCS, apesar de regulamentado em 1991, só logrou ser instalado onze anos depois como parte de um polêmico acordo para aprovação de Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que, naquele momento, constituía interesse prioritário dos empresários de comunicação. A Emenda Constitucional nº 36 (Artigo 222), de maio de 2002, permitiu a propriedade de empresas jornalísticas e de radiodifusão por pessoas jurídicas e a participação de capital estrangeiro em até 30% do seu capital.
O fato é que, mesmo sendo apenas um órgão auxiliar, o CCS instalado demonstrou ser um espaço relativamente plural de debate de questões importantes do setor – concentração da propriedade, outorga e renovação de concessões, regionalização da programação, TV digital, radiodifusão comunitária, entre outros.
Vencidos os mandatos de seus primeiros integrantes, houve um atraso na confirmação dos membros para o novo período de dois anos, o que ocorreu apenas em fevereiro de 2005. Ao final de 2006, no entanto, totalmente esvaziado, o CCS fez sua última reunião e os novos membros nunca mais foram eleitos.
Atribuições
Nunca será demais relembrar quais são as atribuições que o CCS deveria estar exercendo se o Congresso Nacional cumprisse a Constituição e a Lei. O artigo 2º da Lei 8.389/91 reza:
O Conselho de Comunicação Social terá como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal, em especial sobre:
a) liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação;
b) propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação social;
c) diversões e espetáculos públicos;
d) produção e programação das emissoras de rádio e televisão;
e) monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social;
f) finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão;
g) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística;
h) complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão;
i) defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal;
j) propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
l) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
m) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.
Além disso, dois outros diplomas legais atribuem competências específicas ao CCS:
1. A Lei 8.977 de 6 de janeiro de 1995 (Lei do Cabo) diz em seu artigo 44 que ele deve ser ouvido em relação a todos os atos, regulamentos e normas necessários à sua implementação; e
2. A Lei 11.652 de 7 de abril de 2008 (Lei da EBC) diz em seu artigo 17 que o Conselho Curador da empresa de radiodifusão pública deve encaminhar a ele as deliberações tomadas em cada reunião.
Por que o CCS não funciona?
O Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal, abriga um grande número de parlamentares com vínculos diretos com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – insisto, mesmo sendo apenas auxiliar – discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Essa é a razão – de fato – pela qual o Congresso Nacional descumpre a Constituição e a lei.
Indefensável é a cumplicidade gritantemente silenciosa da grande mídia e daqueles que nos lembram quase diariamente dos supostos riscos e ameaças que a liberdade de expressão enfrenta no Brasil e em países vizinhos da América Latina.
O funcionamento regular de um órgão auxiliar do Congresso Nacional, composto por representantes dos empresários, de categorias profissionais de comunicação e da sociedade civil, com a atribuição de debater normas constitucionais e questões centrais do setor, não interessaria à democracia?
Por que, afinal, o Conselho de Comunicação Social não funciona?

Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Venício A. de Lima é professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Publisher, 2010.

A longa marcha do imperialismo benévolo

  Paulo Alves de Lima Filho  no Correio da Cidadania 
 
"Ai esta terra ainda
Vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se
Um imenso Portugal"
 
(Chico Buarque-Rui Guerra)
 
"Pero es demasiado temprano para decir si Dilma logrará concentrarse en la visión global. Con el agregado que no es irrelevante de que la actual trayectoria brasileña podría llevar a la formación de la primera potencia tropical global. ¿Sería sólo sub-imperial? ¿Sería sólo cordial? ¿O sería una nueva especie mutante, impredecible de subimperialismo benigno?" - Pepe Escobar, Asian Times/Liberacion, 03/11/2010.
 
A eleição de Dilma Rousseff deveria prestar-se para exercícios teóricos de síntese, de preferência curtos, para que sejam lidos nestes tempos de baixo prestígio da razão. O tema é mais do que momentoso. Os pouquíssimos donos da mídia e o punhado de donos do mundo e seus poderosíssimos ventríloquos se apressam a estender à estreante presidente os caminhos da preferência de seus negócios mundiais. A expressão nacional desses anseios monopolistas se apresenta basicamente através de dois projetos, aos quais podemos denominar provisoriamente de imperialismo benévolo e imperialismo malévolo.
 
A disputa ente esses dois projetos fechará um ciclo histórico iniciado com a revolução portuguesa de 1245-47, derrame da qual veio a ser o Brasil, parte desgarrada do império português no século XIX, porém sempre firme na subordinação aos desideratos da acumulação mundial do capital. O Brasil alcançaria, pois então, a máxima expressão capitalista mundial ora cantada polifonicamente em prosa e verso ao ser potência, até que enfim, do capital financeiro ou monopolista. O imperialismo benévolo, anti-colonial, galopa no projeto do núcleo dirigente do PT. Realizar-se-á através da Unasul, de uma política externa independente e democrática, forte apoio estatal aos grupos monopolistas nativos e pela via de altas taxas de crescimento econômico aliado a políticas sociais redistributivas. Bem distinto do imperialismo malévolo de caráter colonial, representado pelas forças do PSDB-DEM, dentes arreganhados às democracias populares e seus processos de emancipação política, econômica e social, assim como às políticas estatais mais autônomas vis a vis os capitais privados, principalmente os forâneos.
 
Impossível deter a marcha do Brasil ao seu destino imperialista. O capital monopolista domina a esmagadora maioria das atividades capitalistas, tanto o nativo quanto o estrangeiro. Este, majoritário nos campos mais dinâmicos e estratégicos. Todas as forças do status quo desejam alcançar esse destino anunciado de grande potência, a começar pelos militares. Um imperialismo benévolo, sem seu componente belicista dado a evoluir em espaço regional sem potência concorrente, exceto os Estados Unidos.
 
Não havendo disputas hegemônicas exacerbadas e recém sepultadas as aspirações manipuladas derivadas da guerra fria, uma atmosfera de concórdia e unidade se estende como forma de realização das aspirações nacionais.
 
O sentido do futuro
 
O imperialismo benévolo, definição evitada pela mídia e outras forças do status quo e substituída pela categoria potência, marcharia rumo a um novo milagre econômico agora também social, pois redentor da miséria. Este milagre seria derivado dos lucros do Pré-Sal e pela irresistível expansão do mercado interno e forte empuxe exportador, eixos de uma espiral virtuosa mais brilhante que a cúpula da catedral de Santa Sofia.
 
Contudo, quão mais o Estado maior petista se afirma nessa rota, tão mais abandona seus conteúdos emancipatórios originais, fincado que está à estaca do centrão conservador e flertes mais à direita, aos quais se obriga aliar para permanecer no poder e ampliar nele o seu espaço. Isso implica em direitização do poder, regressão ideológica, desemancipação crescente, forma particular desse neoliberalismo social, neodesenvolvimentista, anti-colonial. Em sua benevolência, de certo modo assemelha-se aos trajetos dos seus comparsas russos e chineses. Não à toa o Brasil já foi chamado de Rússia dos trópicos.
 
Ao caminhar rumo ao seu ápice desnudando-se das suas vestes emancipatórias, nele se acentua o predomínio da bandeira anti-colonial como afirmação do Estado nacional, fato que paradoxalmente o enfraquece e o torna vítima provável das forças do imperialismo malévolo, contra as quais Dilma obteve vitória consistente somente no segundo turno.
 
Diga-se assim: a marcha do Brasil potência benévola e benfeitora vai enfraquecendo seu projeto nacional. Esta ocorre sob o império da fissão prolongada e sucessiva do núcleo original do PT, cujo penúltimo episódio foi a evicção do PSOL e a saída de Marina Silva o último. Repete-se a recente regressão histórica do PMDB e, grosso modo, do bloco de forças derrotado pelo golpe de 1964.
 
O momento histórico
 
Todavia, o momento histórico é outro e o sentido do processo, idem. Na ausência histórica de uma burguesia nacional autônoma, democrática, popular e dirigente, a nova pequena burguesia - ou classes médias, como queiram -, em seu afã de realização social, se apresenta na cena, para susto das velhas classes médias, com seu incontido apetite pelo poder a todo o custo e estonteante balé para nele manter-se. Quem, senão o Estado lhe permitiria realizar tal tarefa propriamente burguesa? Ele é o capitalista coletivo através do qual esse estrato burguês se afirma entre as potências do capital como grande capital – propositalmente enfraquecido pelas privatizações, esse o sentido delas, aliás -, subvertendo, assim, o jogo monopolista privado. O Estado liquidado pelo golpe de 64 possuía forte presença nacionalista, em momento histórico que ameaçava levar ao poder crescentes maiorias populares antiimperialistas e, assim, passar à construção de um capitalismo nacional autônomo e soberano, popular e democrático. Tal projeto, assim como o socialismo chileno e outros arroubos nacionalistas - populistas, na vulgata pró-colonial -, foi devidamente liquidado pela longa marcha da contra-revolução capitalista, como bem notaram Florestan e muitos outros. Impôs-se, nesta, a revolução monopolista como obra-mestra das ditaduras.
 
No entanto, este Estado das novas pequenas burguesias urbanas no poder e dos movimentos sociais sob sua tutela, o Estado do PT e aliados, deseja afirmar a sua autonomia para os negócios nacionais, para a mundialização do imperialismo brasileiro, benévolo e democrático. Ou melhor, para a mundialização solidária, pró-imperialista, capaz de inserir mundial e dinamicamente, com um mínimo de autonomia, esses negócios do capital monopolista nativo. E até de modo ecologicamente sustentável, como quer uma parte desses negócios, apoiadores generosos da candidatura de Marina Silva.
 
O neodesenvolvimentismo, projeto dessas forças, expressa esse rumo ao Brasil Potência, imperialista, anti-colonial e anti-belicista. Porém, de modo inabalável, decidido a construir seu complexo industrial-militar adequado à sua condição de potência terrestre e, agora, mais ainda do que antes, Atlântica, devido ao Pré-Sal. Este se torna objeto a exigir soberania nas águas territoriais brasileiras, como veementemente se expressou Jobim em conferência no Forte de Copacabana (BBC-Brasil, 3/11/2010). Uma miscelânea complexa, sem dúvida. Nada mais complexo que o decorrer das revoluções burguesas conservadoras.
 
O novo mito redentor
 
Atente-se para o mito da erradicação da miséria, servido expressamente como doação de certo valor para a minoração da fome secular, que não vem acompanhado da promessa de universalização dos direitos republicanos ou da democracia como poder crescente das maiorias politicamente emancipadas na República. Nem como expressão do controle sobre a reprodução social, seja sobre o capital financeiro, os meios de comunicação, a ciência e a tecnologia, a função social da terra ou o meio ambiente.
 
Enfim, o anunciado fim da miséria não vem acompanhado pela emancipação nacional e social, como se a miséria fosse atributo exclusivo das maiorias trabalhadoras, dos miseráveis, e não da sociedade da miséria, que a produz e reproduz desde os seus primórdios como forma histórica do capital, colonial e escravista. Como se a miséria não fosse uma forma de produção miserabilizante da riqueza.
 
Por fim, os dois projetos históricos imperialistas em disputa, colonial e anti-colonial, promovem guerra de vida ou morte para ver quem, com mais zelo, carrega os despojos do país herdado da contra-revolução capitalista. A última flor do Lácio desabrocha nos funerais das emancipações.
 
Paulo Alves de Lima Filho é membro do IBEC (Instituto Brasileiro de Engenharia de Custos) e um dos fundadores do Grupo Rosa Vermelha.

Oito gaúchos estão cotados para compor o ministério de Dilma


Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Felipe Prestes no Sul21

A presidente eleita Dilma Rousseff (PT) promete anunciar a composição de seu ministério até o dia 15 de dezembro. Nesta semana, a petista começa a montar, junto com a equipe de transição, o quebra-cabeça que envolve os pleitos de cada partido da base aliada e os critérios técnicos para a escolha dos nomes. Oito gaúchos estão cotados para compor o primeiro escalão. Três deles fazem parte do governo Lula e podem permanecer: o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, o presidente da Petrobras Biocombustíveis, Miguel Rossetto, ambos do PT; e o ministro da Defesa, Nelson Jobim (PMDB).
Também circulam nos bastidores os nomes dos deputados federais Mendes Ribeiro Filho (PMDB), Maria do Rosário (PT), Manuela D’Ávila (PCdoB) e do ex-governador Olívio Dutra (PT). Os quatro negam estarem pleiteando o posto de ministro. O deputado federal Beto Albuquerque (PSB) vai na direção oposta: garante que está lutando por um lugar no ministério.
Convidado por Tarso Genro para ocupar a Secretaria de Infraestrutura do RS, o socialista afirma que, ainda antes do convite, já pleiteava um ministério em um provável governo Dilma. Ele esclarece também que vai buscar este espaço dentro das instâncias partidárias do PSB, não em interlocução direta com integrantes da transição. “Quando o Tarso me convidou para compor o governo estadual eu lhe manifestei que disputaria o espaço nacional que coubesse ao PSB”, diz Beto Albuquerque.
O deputado federal reeleito afirma que a possibilidade de participar do governo não fica restrita às áreas de infraestrutura e transportes (Beto já foi secretário dos Transportes no governo Olívio, sendo inclusive colega de Dilma Rousseff, que era secretária de Minas e Energia). Ele aponta como prováveis “concorrentes” dentro do PSB o presidente do PSB paulista Márcio França e o ex-ministro da Integração Nacional Ciro Gomes, que participou com sucesso da coordenação de campanha de Dilma.
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Foto: Divulgação

As perspectivas para Beto Albuquerque são boas, porque o PSB, que hoje ocupa dois cargos de primeiro escalão – a Secretaria Especial dos Portos e o Ministério de Ciência e Tecnologia – saiu fortalecido da última eleição. Em 2011, será o partido da base aliada com mais governadores. O PSB também aumentou sua bancada no Congresso. “Há imposição pelo resultado das urnas de que o PSB aumente seu espaço no governo”, diz Beto Albuquerque. “O PSB ganha peso político após a última eleição”, concorda o petista João Motta, futuro secretário de Planejamento do Governo Tarso.
Beto ressalta, contudo, que o PSB não teve qualquer conversa oficial com Dilma Rousseff. Não houve, portanto, uma definição sobre quantos e quais ministérios o partido deve ocupar. Além disso, acredita que os nomes indicados pelo PSB também dependerão de uma anuência da presidente eleita. “Depende da presidente, da disposição dela”.

Indefinições

Dilma Rousseff começou apenas nesta semana a definir os critérios para a escolha dos ministros. “Dilma tomou conhecimento de tudo ontem (16). O Dutra, que estava comandando a transição passou para ela. Eles devem estar montando o quebra-cabeça hoje (17)”, diz o prefeito de São Leopoldo Ary Vanazzi, que participou da coordenação de campanha de Dilma no estado.
O próprio PT ainda não definiu quem indicará para o governo e que espaço pretende ocupar no primeiro escalão, discussão que será realizada nesta quinta-feira (18), em reunião da Executiva nacional. O presidente nacional do partido, José Eduardo Dutra, deve esclarecer aos membros da Executiva do PT quais os critérios definidos pela transição para a composição do governo.
No Rio Grande do Sul, o PT também não tem nenhuma definição sobre indicações que poderá fazer ao futuro governo federal. O presidente estadual do partido Raul Pont explica que haverá uma reunião da Executiva estadual partido na segunda-feira (22) na qual o partido pode decidir por indicar nomes que achar adequados para ocupar ministérios e também cargos do governo federal no RS.
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Maria do Rosário/ Divulgação

Por ora, petistas acreditam na permanência de Guilherme Cassel e Miguel Rossetto, e também lembram o nome da deputada federal Maria do Rosário, que poderia ocupar a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Raul Pont, que faz parte da mesma corrente interna que Cassel (a Democracia Socialista), afirma que o ministro do Desenvolvimento Agrário tem manifestado interesse em deixar o ministério, mas, contraditoriamente, crê que Cassel pode permanecer no MDA. “Ele tem dito que não tem interesse em continuar, mas acredito que, se houver o convite para permanecer, ele pode aceitar”.

Sem pretensão por cargos

Correntes do PT já se articulam para que o ministério seja ocupado por Olívio Dutra, se Cassel deixar o cargo. O prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi, afirma que “tem um grupo do PT que o está bancando para o lugar do Cassel”. Coincidência ou não, Vanazzi faz parte da mesma corrente de Olívio Dutra, a Articulação de Esquerda.
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Foto: Bruno Alencastro/Sul21

O ex-governador, por sua vez, garante que não luta para ser ministro. Olívio Dutra diz que apenas viu na imprensa que seu nome circulava como possível ministro e que não autorizou ninguém a postular a ocupação deste posto. Também garante que conversas sobre ocupação de ministérios não estão na sua agenda. “Não autorizei ninguém a fazer qualquer postulação em meu nome. Não pleiteio ser ministro e não tenho tido conversas sobre esse assunto. Apenas vi na imprensa”.
Maria do Rosário, por sua vez, demonstra certo constrangimento em falar sobre a possível indicação para o cargo de ministro. A parlamentar aparenta preocupação em mostrar que não está querendo forçar a barra para fazer parte do primeiro escalão de governo, mas também demonstra o desejo de estar em um ministério: “Estas coisas quanto mais a gente fala, menores são as chances de acontecer”, diz.
Rosário garante que não tem a pretensão de ser ministra, mas que aceitaria fazer parte do governo caso convidada. “Se me convidarem eu vou, mas se não continuarei lutando para defender o governo”, ressalta. Ela lembra que é natural cogitarem seu nome, porque tem sido veiculada a notícia de que Dilma deverá aumentar a participação feminina na Esplanada dos Ministérios, mas garante que “não há nada de objetivo” em torno de sua participação. A deputada atribui a circulação de seu nome à generosidade de correligionários. “Alguns generosos amigos e companheiros lembram do meu nome”.

Nada de oficial

O nome do deputado federal Mendes Ribeiro Filho (PMDB) está altamente cotado para ocupar um ministério. Mendes bateu pé com a maior parte das lideranças de seu partido no estado e comandou com afinco a campanha pró-Dilma entre peemedebistas gaúchos. O parlamentar tem boa relação com o vice-presidente eleito Michel Temer.
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Foto: Bruno Alencastro/Sul21

A favor de Mendes também pesa o fato de que o deputado federal Eliseu Padilha ficou como primeiro suplente para 2011 e depende do ingresso de Mendes em um ministério para que Padilha permaneça no Congresso. Padilha tem bom trânsito com o PMDB nacional, com Temer e com os senadores José Sarney e Renan Calheiros. O parlamentar tem trabalhado para que se concretize a indicação de Mendes.
Uma pessoa próxima a Temer confirma que o nome de Mendes Ribeiro Filho tem sido citado em conversas da cúpula peemedebista e é considerado qualificado para compor o ministério. Ressalta, contudo, que o PMDB ainda não definiu indicação de nomes. Explica também que o PMDB ainda não conversou sobre que pasta Mendes poderia ocupar, porque isso dependerá da sinalização da presidente Dilma Rousseff, indicando quais pastas poderão ser ocupadas pelo partido.
Mendes Ribeiro Filho reconhece que seu nome tem sido “muito falado”. “Pessoas comentam, os colegas de bancada comentam. Isto muito me honra”. Mas ressalva que não tem trabalhado para ocupar cargo de ministro. “Eu apenas ouço”, garante. O deputado evita falar sobre que pasta poderia ocupar. “Não posso falar sobre o que não existe”.
O colega de partido de Mendes, Nelson Jobim é um dos ministros mais cotados para permanecer. Seu nome é defendido inclusive pelo presidente Lula e a pasta da Defesa não desperta grande cobiça dos partidos aliados.

Esporte difícil

Outro nome especulado é o da deputada federal Manuela D’Ávila (PC do B) reeleita com mais de 480 mil votos. Diz-se que a comunista poderia chefiar o Ministério do Esporte, que já é comandado por um colega de partido de Manuela, Orlando Silva. A favor de Manuela, além da expressiva votação, pesa o fato de ser coordenadora da Frente Parlamentar do Esporte.
Entretanto, a intenção do PCdoB é manter Orlando Silva no ministério. A pasta tem ganhado cada vez mais visibilidade com a proximidade da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Não é interesse do partido mexer em time que está ganhando. O nome de Manuela deve ganhar força se o PCdoB conseguir mais uma pasta no futuro governo.
Bruno Alencastro/Sul21
Um assessor de Manuela diz que a possibilidade de ela ser ministra é mera especulação. Garante que ela não recebeu convite ou sondagens nem do governo nem do PCdoB. E diz que a própria parlamentar deseja que o Ministério do Esporte permaneça sendo comandado pelo colega de partido Orlando Silva.