terça-feira, 26 de outubro de 2010

Robert Fisk: A vergonha dos Estados Unidos exposta

Roberto Fisk no Vermelho

 

Como de costume, os árabes sabiam. Eles sabiam tudo sobre as tortura em massa, o promíscuo tiroteio de civis, o escandaloso uso do poder aéreo contra casas de famílias, os cruéis mercenários norte-americanos e britânicos, os cemitérios de mortos inocentes. Todo o Iraque sabia. Porque eles eram as vítimas.

Só nós poderíamos fingir que não sabíamos. Somente nós, no Ocidente, poderíamos rechaçar cada acusação, cada afirmação contra os norte-americanos ou britânicos, colocando algum digno general - vêm à mente o pavoroso porta-voz militar dos EUA, Mark Kimmitt, e o terrível chefe do Estado Maior, Peter Pace - a nos cercar de mentiras.

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Se encontrávamos um homem que tinha sido torturado, nos diziam que era a propaganda terrorista; se descobríamos uma casa cheia de crianças mortas em um ataque aéreo dos EUA, também era propaganda terrorista, ou dano colateral, ou uma simples frase: Nós não temos nenhuma informação sobre isso.

Claro, nós sempre soubemos que eles tinham sim. E o oceano de memorandos militares que foi revelado no sábado voltou a demonstrar. A Al Jazeera tem chegado a extremos para rastrear as famílias iraquianas cujos homens e mulheres foram mortos em postos de controle estadunidenses - eu identifiquei alguns porque relatei, em 2004, o carro cravado de balas, os dois jornalistas mortos, até o nome do capitão local estadunidense - e foi o The Independent on Sunday o primeiro a alertar o mundo sobre as hordas de pistoleiros indisciplinados que eram levados a Bagdá para proteger os diplomatas e generais. Estes mercenários, que abriram caminho assassinando nas cidades do Iraque, me insultaram quando lhes disse que estava escrevendo sobre eles, em 2003.

É sempre tentador ignorar uma história dizendo que não há nada de novo. A ideia da história antiga é usada pelos governos para esfriar o interesse jornalístico, pois serve para cobrir a inatividade jornalística. E é verdade que os repórteres já tinham visto antes algo assim. A evidência de envolvimento iraniano na fabricação de bombas no sul do Iraque foi vazada pelo Pentágono para Michael Gordon, do New York Times, em fevereiro de 2007.

A matéria-prima, que agora podemos ler, é muito mais duvidosa do que a versão produzida pelo Pentágono. Em todo o Iraque havia material militar iraniano da guerra Irã-Iraque de 1980-1988, e a maioria dos ataques aos americanos foram realizados nesta fase por insurgentes sunitas.

De fato, os relatórios que sugerem que a Síria permitiu que insurgentes atravessassem seu território estão corretos. Eu falei com famílias de atacantes suicidas palestinos, cujos filhos vieram para o Iraque, a partir do Líbano, por meio da aldeia libanesa de Majdal e, depois, pela cidade nortenha síria de Alepo, para atacar americanos.

Mas, ainda que escrita em concisa linguagem militar, aqui está a evidência da vergonha estadunidense. É um material que pode ser usado por advogados em tribunal. Se 66.081 - me encantou esse 81 - é o número mais alto disponível de civis mortos, então, a cifra real é infinitamente maior, uma vez que este registro só se aplica para os civis dos quais os EUA tinham informações.

Alguns foram levados para o necrotério de Bagdá na minha presença, e foi o oficial a cargo que me disse que o Ministério da Saúde iraquiano tinha proibido os médicos de realizar autópsias dos civis levados por soldados dos EUA. Por que foi dada esta ordem? Teria algo a ver com os 1300 relatórios independentes dos EUA sobre a tortura nas instalações policiais iraquianas?

Os americanos não tiveram melhores resultados da última vez. No Kuwait, as tropas dos EUA podiam ouvir como os kuwaitianos torturavam palestinos nos quartéis de polícia depois que a cidade foi libertada das legiões de Saddam Hussein, em 1991. Até mesmo um membro da família real kuwaitiana participou de atos de tortura.

Os estadunidenses não intervieram e se limitaram somente a queixar-se à família real. Aos soldados sempre dizem que não intervenham. Depois de tudo, o que disseram ao tenente do Exército israelense, Avi Grabovsky, quando ele informou ao seu superior, em setembro de 1982, que falangistas aliados de Israel acabavam de matar mulheres e crianças? Nós já sabemos, nós não gostamos, não intervenha. Isso foi durante o massacre no campo de refugiados de Sabra e Chatila.

A citação vem do relatório da Comissão Kahan de Israel em 1983; sabe Deus o que leríamos, se Wikileaks conseguisse pôr as mãos nos arquivos do Ministério da Defesa de Israel (ou a versão síria, para o caso). Mas, é claro, naqueles dias, não sabíamos como usar um computador, muito menos escrever nele. E isso, naturalmente, é uma das lições importantes de todo o fenômeno Wikileaks.

Na Primeira Guerra Mundial, na segunda, ou no Vietnã, a pessoa escrevia seus informes militares em papel. Talvez os apresentasse triplicado, mas poderia enumerar as cópias, rastrear qualquer espionagem e evitar vazamentos. Os documentos do Pentágono estavam realmente escritos em papel. Mas o papel sempre se pode destruir, molhar, despedaçar até a última cópia.

Por exemplo, depois da guerra de 1914-1918, um segundo tenente Inglês matou um dos trabalhadores chineses que haviam saqueado um comboio militar francês. O chinês tinha ameaçado com uma faca ao soldado. Mas, durante o registro de 1930, o expediente dos soldados britânicos foi censurado três vezes, fato pelo qual não ficou do incidente maior rastro que um diário de guerra de um regimento que relatava o roubo, pelo chineses, do trem francês de suprimentos. A única razão pela qual eu estou ciente dessa morte é porque meu pai era o tenente britânico, e ele me contou a história antes de morrer. Naquele tempo não havia Wikileaks.

No entanto, suspeito que esta grande revelação de material da guerra no Iraque tem implicações sérias para jornalistas e exércitos também. Qual é o futuro dos Seymour Hershes e do jornalismo investigativo da velha escola, que o diário Sunday Times costumava praticar? Que sentido tem enviar equipes de jornalistas para investigar crimes de guerra e reunir-se com gargantas profundas militares se, de repente, quase meio milhão de documentos secretos vão acabar flutuando na frente de alguém em um monitor?

Nós ainda não atingimos o fundo da história da Wikileaks, e suspeito que há mais do que alguns soldados americanos envolvidos nesta última revelação. Quem sabe se não chega ao topo? Em suas investigações, por exemplo, a Al Jazeera encontrou um extrato de uma conferência de imprensa de rotina do Pentágono, em novembro de 2005.

Peter Pace, o nada inspirador chefe do Estado Maior conjunto, informa aos repórteres como os soldados deveriam reagir ante o tratamento cruel de prisioneiros, assinalando com orgulho que o dever de um soldado americano é intervir se observar sinais de tortura.

Em seguida, a câmera se move até a figura muito mais sinistra do secretário de Defesa Donald Rumsfeld, que, de repente, interrompe quase num sussurro, para desespero de Pace: Eu não creio que queira o senhor dizer que os soldados são obrigados a interrompê-la fisicamente. Seu dever é denunciá-la.

Desde então, o significado desse comentário - enigmaticamente sádico à sua própria maneira - se perdeu nos diários. Mas agora o memorando secreto Frago 242 lança mais luz sobre essa conferência de imprensa. Presumivelmente enviada pelo general Ricardo Sanchez, a instrução aos soldados é: Supondo que a denúncia inicial confirme que as forças dos EUA não estavam envolvidas no abuso de prisioneiros, não se realizará maior investigação, a menos que o ordene o alto comando.

Abu Ghraib aconteceu sob a supervisão de Sanchez no Iraque. Sanchez também foi, claro, quem não pôde explicar-me, durante uma conferência de imprensa, por que seus homens mataram os filhos de Saddam Hussein em um tiroteio em Mosul, ao invés de capturá-los.

A mensagem de Sanchez, ao que parece, deve ter tido a aprovação de Rumsfeld. Da mesma forma, o general David Petraeus, tão amado pelos jornalistas norte-americanos, teria sido responsável pelo aumento dramático dos ataques aéreos dos EUA no decurso de dois anos: de 229 sobre o Iraque, em 2006, para 447 mil, em 2007. Curiosamente, os ataques aéreos dos EUA no Afeganistão aumentaram 172% desde que Petraeus assumiu o comando militar.

Tudo isso torna ainda mais surpreendente que o Pentágono agora rasgue as vestimentas porque Wikileaks poderia ter sangue nas mãos. O Pentágono tem estado manchado de sangue desde que deixou cair uma bomba atômica sobre Hiroshima em 1945, e, para uma instituição que ordenou a invasão ilegal do Iraque em 2003 - acaso o número de civis mortos não foi ali de 66 mil, de acordo com suas próprias contas, de uns 109 mil registrados? - é ridículo afirmar que Wikileaks é culpado de assassinato.

A verdade, claro, é que se este vasto tesouro de relatórios secretos tivesse demonstrado que o número de mortos era muito menor do que o que a imprensa proclamava, que as tropas dos EUA nunca toleraram a tortura pela polícia iraquiana, que raramente dispararam contra civis nos postos de controle e sempre levaram os assassinos mercenários à justiça, os generais americanos teriam entregado esses registros para a mídia, sem qualquer encargo, nas escadarias do Pentágono. Não só estão furiosos por terem quebrado o sigilo ou porque se tenha derramado sangue, mas porque eles foram pegos dizendo mentiras que nós sempre soubemos que diziam.

Fonte: The Independent

A Revolução Mexicana de 1910: de quem e para que?

Escrito por Guga Dorea   no Correio da Cidadania
 
Nessa série de artigos sobre os 100 anos da Revolução Mexicana estamos chegando ao período em que as forças políticas em jogo demonstraram cada vez mais quais projetos de futuro elas tinham para o México. A data histórica que ficou oficialmente marcada como a da revolução – 20 de novembro de 2010 – deixou, na prática, uma questão em aberto até os dias de hoje.
 
Qual foi o real significado daquele acontecimento histórico e até que ponto o denominado neozapatismo é uma tentativa de resgatar o passado em um momento presente, tendo em vista transformar as atuais configurações políticas, sociais, econômicas e culturais do México atual? É diante dessas indagações que pretendemos, daqui para frente, buscar compreender como o México pode ser um exemplo significativo de como o capitalismo se desenvolveu entre o final do século XIX e início do XX, até a sua entrada globalizada e supostamente vitoriosa no mundo do cyberespaço, em que o passado é concebido como algo a ser velozmente ultrapassado e desintegrado.
 
Mas vamos com calma. Como estava o México no ano de sua revolução? Segundo Adolfo Gilly, entre muitos outros autores, algo em torno de 80% de suas terras estavam nas mãos dos grandes fazendeiros, o que não significava ausência de resistência dos camponeses e indígenas, aqueles que foram alijados do que eles próprios intitulavam culturalmente como "madre tierra", já mostrando com esse nome a sua forma diferenciada de lidar e de "olhar" para a natureza.
 
Para o pensador, o quadro social, econômico, político e cultural do México de 1910 era o de uma face dupla. De um lado, as reformas capitalistas, iniciadas no governo de Benito Juárez e fortalecidas, de forma autoritária, na era Porfírio Díaz, geraram um país marcado pela entrada fulminante das ferrovias nas terras camponesas e indígenas, o que correspondeu à utilização de áreas rurais para a produção de matérias primas a serem exportadas, sobretudo aos mercados dos EUA e da Grã-Bretanha.
 
No outro lado dessa instigante equação, apesar dos camponeses e indígenas, diante dessa nova realidade, terem se transformado, em sua maioria, em mão de obra útil para os interesses do sistema, foram eles que revelaram o chamado "México profundo", um país que a subjetividade capitalista não conseguiu contaminar e muito menos cooptar por completo. E esse México permanece potencialmente vivo até os dias de hoje.
 
Luta pelo poder
 
De um ponto de vista político, Adolfo Gilly nos mostrou ainda como a luta pela manutenção ou conquista do poder se desenvolveu nas vésperas da revolução. No âmbito da situação, o receio de Porfírio Díaz era a de que o avanço de seu opositor mais perigoso, Francisco Madero, viesse a insuflar e a incentivar os camponeses e indígenas a radicalizarem seu desejo por uma transformação verdadeira, que fizesse tremer, de fato, os alicerces de um ainda incipiente, mas poderoso ideologicamente, capitalismo.
 
Madero, por sua vez, tinha como principal preocupação realizar mudanças pacíficas e burguesas de seu interesse antes que os movimentos camponeses e indígenas radicalizassem a luta. O objetivo, portanto, era o de conter as massas e promover uma "revolução" aos moldes da crença na intitulada modernidade, seguindo caminhos já percorridos pelos grandes centros "desenvolvidos" daquela época.
 
Foi nessa circunstância que no dia 5 de junho de 1910 Porfírio Díaz venceu as eleições fraudulentas, apesar de seu anúncio de renúncia. Resultado: Madero é preso, enfraquecendo o seu objetivo de realizar uma revolução controlada e supostamente pacífica. Pouco tempo depois (outubro desse mesmo ano), ele é posto em liberdade condicional, escapa para os EUA e, logo na seqüência, retorna ao México para se proclamar presidente provisório do México em San Luis de Potosi, que fica ao norte do país, porém não na fronteira com os estadunidenses.
 
Nesse momento, Madero lançou o chamado Plano de San Luis em que, além de consagrar-se presidente, negou tanto o princípio da reeleição como o próprio governo de Porfírio Díaz. No artigo 3º do plano, em uma estratégia política, garantiu também a devolução de terras a seus antigos proprietários, sobretudo os indígenas, o que seria a sua única promessa considerada realmente social.
 
No dia 20 de novembro de 1910, data oficial da revolução, conclamou a "todos os cidadãos mexicanos" a se armarem e defenderem seu plano de tomada de poder. No entanto, Madero só iria promover uma tentativa de entrada definitiva no México em fevereiro de 1911, sendo derrotado no dia 6 de março. Enquanto isso, os camponeses do estado de Morelos, tendo o também camponês Emiliano Zapata à frente, pegam em amas e se apoderam de algumas fazendas, o que assustou Madero, colocando em xeque sua tentativa de promover a revolução burguesa.
 
Segundo já nos mostrou o próprio Adolfo Gilly, entre outros pensadores, como Madero nunca deixou de acenar para um possível acordo de transição com o governo de Porfírio Díaz, esse avanço camponês acelerou tal processo, surgindo assim, nos bastidores da política, os Acordos da Cidade Juarez (fronteira com os EUA), onde o então presidente Díaz mais uma vez se comprometeu a renunciar e a entregar interinamente o cargo de presidente para Francisco Leon.
 
Em linhas gerais, continuando na trilha de Adolfo Gilly, o intuito desse acordo era tentar dizer que, com a queda de Porfírio Díaz, a revolução mexicana estava concluída, o que levaria à necessidade e mesmo exigência de os camponeses entregarem as armas, em uma falsa idéia de que, enfim, a paz havia chegado ao México.
 
Zapata e Villa
 
A paz burguesa não se concretizou e o estado de Morelos, no sul do México, foi se transformando em um dos eixos principais da resistência aos acordos de Cidade Juarez. A conexão entre os camponeses que não tiveram suas terras confiscadas e os novos proletários agrícolas, cooptados e praticamente escravizados pelos engenhos do açúcar, levou à criação do Exército Libertador do Sul, dirigido por Zapata.
 
Quando Madero assumiu o poder, logo veio a proposta para que entregasse as armas, solicitação negada por ele. Zapata então exige a aplicação imediata do Plano de Ayala. Firmado em 28 de novembro de 1911, o plano declarou que o acordo da Cidade Juárez havia significado, na prática, o descaso e abandono de Madero em relação ao lema dos movimentos camponeses e indígenas: terra para quem nela trabalha.
 
Nesse contexto, camponeses e indígenas do sul entraram em guerra e recuperaram parte de suas terras, mantendo viva a revolução. No entanto, segundo Adolfo Gilly, o Exército Libertador do Sul era limitado do ponto de vista da tomada do poder de Estado, não tendo conseguido, portanto, impedir que a solução da revolução, naquele período, fosse burguesa. De um lado, apontou ele, a ala mais à direita da burguesia exigia que governo de Madero reprimisse o movimento camponês e indígena com maior veemência.
 
De outro, os movimentos organizados e os pequeno burgueses mais radicais, representados sobretudo pelo anarquismo de Ricardo Magón, exigiam a imediata devolução das terras para os camponeses e indígenas. Não acatando as duas exigências, Madero, no meio dessa artilharia ideológica, foi obrigado a amargar um isolamento político, o que levou à sua renúncia, em 25 de maio de 1911.
 
Apesar de apoiar estrategicamente Madero, na luta contra a ditadura Porfirista, Zapata sempre foi independente em relação à proposta liberal da revolução. Enquanto isso, a posição de Francisco Villa era considerada bem menos politizada. No início, ele era de fato aliado à direção burguesa. Acreditava nas propostas de Madero.
 
No entanto, esse alinhamento político não significava uma postura pacífica e subalterna. Pelo contrário, internamente Villa preocupava, tanto quanto Zapata, a elite burguesa com seu exército, a Divisão do Norte, sempre atento às reivindicações camponesas e indígenas. A ligação política entre Villa e Zapata, ao contrário, era uma garantia de que a queda de Porfírio Diaz não iria se tornar o passo derradeiro da revolução.
 
Explicando melhor o quadro político daquele efervescente momento histórico do México, a ala mais conservadora da burguesia não estava acreditando que Madero teria forças políticas suficientes para conter o avanço tanto dos movimentos camponeses e indígenas como da pequena burguesia mais radical. Segundo a interpretação de Adolfo Gilly, entretanto, foi o assassinato de Madero e a subida ao poder do General Victoriano Huerta, representando o grupo conservador e mais autoritário, que incendiou definitivamente a luta da esquerda pela radicalização da revolução. Isso porque caiu por terra o que restava do prestígio de Madero em relação aos movimentos camponeses e indígenas.
 
Por conta disso, o General Venustiano Carranza foi logo se proclamando seguidor de Madero, acusando Huerta de "usurpador" do poder. Luta entre generais pelo poder, ambos, cada um à sua maneira, querendo alijar ou submeter as massas a seus interesses. Nesse jogo político, Zapata permaneceu independente politicamente, enquanto Villa se alinhou, no início, ao General Carranza. Esse, por sua vez, sabia que sem o apoio logístico das massas organizadas não teria acesso ao poder.
 
Foi só chegar ao poder, entretanto, para ele recuar em sua posição e passar a reprimir os movimentos sociais organizados de forma contundente, desagradando ao grupo pequeno-burguês desenvolvimentista, representado por Alvaro Obregón, outro general que até então havia atuado como elo de ligação entre a liderança burguesa da revolução e as reivindicações de Zapata e Villa. O projeto político de Obregón era o de garantir o desenvolvimento capitalista, mas com a visão estratégica de que era importante promover concessões aos camponeses e indígenas, sempre tendo em mente o enfraquecimento político dos movimentos revolucionários.
 
No outro lado dessa realidade extremamente desfavorável para os setores mais oprimidos da sociedade mexicana, o trator capitalista não conseguiu devastar o que Adolfo Gilly denominou como "memória coletiva", sobretudo da cultura indígena, do que aparentemente estava sendo substituído pela crença no progresso e na homogeneização das relações humanas e culturais.
 
Podemos dizer, nesse entrelaçar de idéias, experiências e projetos políticos, revolucionários e reformistas, que novembro de 1910 sempre esteve bem mais próximo do que Adolfo Gilly chamou de "revolução interrompida". Fica então a pergunta: é possível finalizar essa revolução no mundo contemporâneo? Mas o que é ser revolucionário nos dias de hoje?
 
Guga Dorea é jornalista e cientista político. Atualmente é colaborador do Projeto Xojobil e integrante do Instituto Futuro Educação (IFE).

Turquia: o longo caminho da europeização



Havana, (Prensa Latina) 

Turquia tem percorrido um longo e escabroso caminho que já soma várias décadas na tentativa de se aderir definitivamente à União Européia (UE) como membro de pleno direito.
Muito aconteceu desde que em 1963 a Comunidade Econômica Européia, antecessora da UE, subscrevesse o tratado de associação com o estado turco denominado Acordo de Ancara.
Um protocolo adicional fixou em 1970 os objetivos da sociedade fortalecendo as relações comerciais e financeiras entre a eurozona e a Turquia com a instauração de uma União Alfandegária.
Por anos, a entrada desse país à UE como membro pleno tem sido motivo de calorosas controvérsas que ainda não deixam ver a luz ao final do túnel.
Nações como Alemanha e França oferecram uma férrea resistência que fundamentam com a ideia de que seria mais conveniente conceder a Turquia um estatuto de associação privilegiada e nada mais.
O temor a um aumento da imigração turca e o consiguinte aumento da influência islâmica dentro a zona contam entre as razões que esgrimem Berlim e Paris.
A onda xenófoba que se vive em alguns dos países da UE onde têm ganhado terreno partidos de extrema direita também não põe fácil o assunto à candidatura turca.
No entanto, expecialistas advertem que a verdadeira razão se encontra no fato de que Turquia conta agora com uns 72 milhões de habitantes e para 2015 se espera que sua população exceda a da Alemanha.

Se entrasse na UE, Ancara teria em suas mãos o poder de decisão em não poucas instituições européias graças a sua enorme população de direito, o que para alguns representa uma ameaça.
Atendendo ao critério dos analistas, para além de considerações de índole religiosa ou racial, a oposição à adesão turca constitui, antes de mais nada, um problema político.
Com olhar no Ocidente
A aprovação de emendas constitucionais no início de setembro constitui um importante passo com rumo à integração já que limpa várias das exigências feitas pelos 27 ao governo da Turquia.
58 por cento do eleitorado turco aprovou em referendo, entre outros, a eliminação do fator militar da Constituição e a ampliação dos direitos de setores desfavorecidos.
Recep Tayyip Erdogan, premiê de Turquia, celebrou a aprovação das emendas por considerar que as mesmas fazem o país transpassar o limiar para uma democracia avançada com o olhar no Occidente.
O chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos, estimou que a consulta foi extremamente positiva e demonstrou o compromisso modernizador e a vocação europeísta da Turquia.
Moratinos confiou em que no futuro sejam superadas as reticências de alguns membros da UE com respeito à incorporação plena.
Mas para promover a abertura das negociações previstas para 2014 sobre a eventual entrada da Turquia, o grupo comunitário impõe ainda outras condições.
O presidente da Comissão Européia, José Manuel Durao Barroso, assinalou diferenças culturais e uma mudança de atitude para esse país como obstáculos que frustram as ambições turcas de unir ao bloco.
A inserção dessa nação, que tem na UE a seu principal sócio comercial desde o estabelecimento da união alfandegária em 1996, volta a preocupar os países comunitários, colocados face à polêmica.
Supostas violações dos direitos humanos e atritos com Chipre, um membro da UE que Turquia não reconhece, contam entre os desafios que deverá superar Ancara
De qualquer forma, a UE não é alheia às transformações internas que têm lugar nesse país, as que fortalecem seu papel geopolítico a nível regional com uma significativa influência econômica.
Segundo fontes oficiais, os empresários turcos controlam na Europa empresas e fábricas que somam um total de 500 mil empregados cujas faturações rondam os 51 milhões de dólares.
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico prevê que para o ano 2050 Turquia, que cresce a um ritmo de cinco por cento ao ano, ocupará o segundo lugar entre as economias européias.