sábado, 17 de dezembro de 2011

"Governo caiu na armadilha dos ruralistas de ameaçar piorar o texto"




Por Luiz Felipe Albuquerque
Da Página do MST


Nesta quarta-feira (9), o texto do Código Florestal passou pela Comissão de Ciência e Tecnologia e a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, sob o relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC).
Mesmo tendo mudado de casa - da Câmara dos Deputados para o Senado -, os pontos mais polêmicos continuam à tona, sem que houvesse, até o momento, mudanças significativas.
Em entrevista à página do MST, Luiz Zarref, da Via Campesina Brasil, analisa a discussão que está sendo travada no Senado Federal e quais devem ser o próximos passos.
Agora, o texto segue para a Comissão do Meio Ambiente, cujo relator é o senador Jorge Vianna (PT-AC). No entanto, para Zarref, essa batalha no Senado já está perdida. Basta apenas os compromissos que a presindenta Dilma assumiu em vetar todos os pontos que causariam mais desmatamento. 
 
Confira a entrevista:

Qual sua avaliação em relação a discussão que foi e a que está sendo feita sobre o Código Florestal entre as duas casas – Câmara dos Deputados e o Senado Federal?
A votação está seguindo uma lógica já pré-estabelecida. Um tencionamente extremo - esticar a corda ao máximo na Câmara dos Deputados - e um discurso mais brando no Senado, mais diplomático para diminuir a tensão que teve na Câmara, diminuir esse tencionamento para com a sociedade.

Mas a lógica e a pauta são as mesmas, e os atendimentos à pauta também são os mesmos.

E o porquê desse roteiro já pré-estabelecido?
Porque é um roteiro ruralista. Essa é uma pauta ruralista. A análise da Via Campesina e do próprio Comitê, agora nas últimas duas semanas, é de que o governo abandonou o tema. Ele está preocupado com outras questões como royalties, orçamento, PPA, as questões da corrupção, e não está envolvido na questão do Código. Tanto é que não tem o alto escalão discutindo o tema, quem está coordenando a discussão são assessores do Ministério do Meio Ambiente – o que demonstra o baixo perfil que o governo está dando a essa discussão. Com isso, os ruralistas estão dando a linha que eles querem dar.

Nesse sentido, a tática dos ruralistas está funcionando. Já tinham planejado isso, de fazer um avanço muito forte, com um texto muito ruim na Câmara para caso se perdesse alguma coisa, que não fosse o essencial. E no Senado, o papel que o Luiz Henrique tem desempenhado é justamente esse: de diminuir a tensão, dizer que está conversando e ouvindo todo mundo. Mas na realidade está mantendo a essência do texto da Câmara.
E como está se dando essa discussão no Senado, especificamente?
São os mesmos conteúdos, as mesmas questões na essência: a anistia, não só de multas mas a anistia também da necessidade de recuperação de áreas; o não esclarecimento da questão da agricultura familiar, uma divisão e diferenciação clara; a permissão de plantio de espécies exóticas em áreas que deveriam ser de uso sustentável, permitindo o monocultivo de árvores; a data de área consolidada que continua 2008; e outras diversas questões que já estavam na Câmara e se mantêm no Senado.

Fala-se que no Senado houve uma mudança na estrutura do texto. O que isso significa?
É uma mudança estrutural no ponto de vista de estrutura, e não no ponto de vista de importância. O texto do Aldo Rebelo era um texto propositalmente confuso no ponto de vista legislativo. Por exemplo, o famoso artigo 8° do texto, trazia no mesmo artigo a definição do que é intervenção de atividade pública, intervenção de interesse social e intervenção de baixo impacto em área de preservação permanente. Essa é uma definição que já tem no Código Florestal atual. Mas dentro de alguns incisos ele colocava, por exemplo, a consolidação de toda atividade agrosilvopastoril.

Então, ao mesmo tempo em que ele englobava esses conceitos, colocava também a consolidação de todas as áreas: de soja e pecuária na beira do rio, por exemplo. E ainda acrescia a possibilidade de supressão de novas áreas de acordo com os estados.

No Senado se mexeu nisso. Agora, há um artigo que é específico em definição. O que é baixo impacto? Aí se elenca os elementos que são de baixo impacto. O que é interesse público? Se coloca o que é de interesse público. E assim por diante.

E no fim se coloca indisposições transitórias dizendo o que são regularizações. Então se pontua que “para área de preservação permanente será permitido para fins de recomposição considerar uma faixa de 15 metros”, por exemplo.

Antes, tudo isso estava no mesmo artigo. Era impossível a presidenta Dilma vetar o texto, porque se ela vetasse uma coisa – caso não quisesse a questão da anistia, por exemplo, e tivesse que recompor 30 metros da APP -, ela não teria como vetar, porque senão seria obrigada a vetar todo o artigo. Iria vetar o que é interesse social, o que é utilidade pública, o que é baixo impacto. Porque assim entra tudo. Entra mineração, agricultura familiar, etc.

Ou seja, tiveram essas mudanças: do que é conceito e o que é medida provisória, ou dispositivos transitórios, que é o termo jurídico.

Os ruralista não estão mais aceitando nem mesmo pontos que eram de seus interesses. Nos últimos dias, por exemplo, representantes desse setor declararam que não aceitam nem mesmo a recomposição das APPs em apenas 15 metros, assim como agora acham que a questão dos quatro módulos fiscais é muito pouco. O que significa o endurecimento desse setor mesmo com a situação mais favorável a seu lado?
Isso é manobra política dos ruralistas. Eles elevam o tom para manterem as conquistas que já tiveram.  Isso é tática de negociação, se atira lá na frente para se pegar a metade. Na realidade, eles estão tencionando agora porque sabem que se não elevarem o tom, poderia ter uma ou outra modificação na Comissão do Meio Ambiente (CMA). Endurecem para dizer: o que é aceitável é isso e não dá para retroceder disso.

Vão começar a fazer uma série de pressões sobre questões que eles já tinham feito acordo para que este seja mantido de fato. Jogam dizendo que querem mais, mas na última hora, em vez do texto melhorar, ele se mantêm. Isso foi dito claramente pelos assessores do governo na Comissão de Agricultura: “não, não mexe. Não vamos tencionar porque eles já estão com raiva e querem piorar o texto. Se melhorarmos eles vão piorar. Então, vamos deixar do jeito que está porque é menos pior”.

O governo entrou nessa armadilha de não mexer porque os ruralistas estão ameaçando piorar e contam com maioria. Essa é a tática que o governo, lamentavelmente, está entrando. E a tática é ruralista: eles dão o tiro lá em cima para conseguir o texto que eles já têm na mão.

Nesta quarta (9), tivemos a votação em duas comissões, a de Ciência e Tecnologia e a de Agricultura e Reforma Agrária. Só uma, das 20 emendas, foi votada. Agora elas serão encaminhadas para a Comissão do Meio Ambiente (CMA)?

Eles vão ter que reapresentar as emendas com os senadores que estão na CMA. O que foi apresentado pelo senador que estava na Comissão de Agricultura e que não é da CMA, ele terá que se articular para que outro senador que é da CMA leve o que é de seu interesse para esta Comissão.

Só que isso também é mera tática de negociação. É só para elevar o tom e dizer: tem um monte de coisa que querem mudar no texto e se vocês começarem a mexer aí, nós vamos colocar pressão para mexer o texto do lado de cá, e assim o texto ficará pior para vocês. Ou seja, mantêm o texto do jeito que está. Isso é tática política, de negociação.

As 20 emendas serão discutidas com todas as outras emendas. Se forem apresentadas 150 emendas, serão discutidas junto com essas outras 20. Isso serve só para manobra política aqui no Congresso.

Dentre as Comissões, falta agora apenas a votação da CMA. Quais são as perspectivas?
A CMA deve votar no dia 22, e o texto deve ser votado no plenário do Senado e na Câmara na primeira, ou no máximo, na segunda semana de dezembro. No texto da CMA é possível que entre o texto da agricultura familiar, mas muito brandamente. E só. Na nossa análise não tem mais nada que irá mudar.

Avaliamos que no Senado a discussão já se encerrou. Não há mais a possibilidade de discutir. Fizemos propostas de mudanças, mas já foi. Temos que focar nossas forças para a Dilma vetar boa parte do texto. Só isso que nos resta. A única possibilidade que existe são os compromissos que a presidenta assumiu nas eleição e o compromisso que ela tem com a Rio+20 no ano que vem. No Senado não tem mais o que fazer. Agora, está na responsabilidade da presidenta Dilma.
 

"Em torno de Marx" de Leandro Konder

Blog do Paulo Marçaioli - [Paulo Marçaioli] Resenha do livro"Em torno de Marx" de Leandro Konder, publicado no Brasil pela Editora Boitempo.

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Leandro Konder nasceu em 1935, formou-se em Direito em 1958 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e foi advogado trabalhista. Com o golpe militar de 1964, foi preso, torturado e exilou-se em 1972, na Alemanha e depois na França. É professor da PUC-RJ e um dos principais intelectuais marxistas do país: junto a Carlos Nelson Coutinho, contribuiu para divulgar as ideias do filósofo húngaro Gyorge Lukács no Brasil.
Tem particular importância seus estudos sobre a recepção das ideias marxistas no Brasil: a obra "A Derrota da Dialética" expõe as dificuldades que houveram na interpretação e generalização dos textos de Marx no Brasil, seja a partir de dificuldades técnicas de tradução, seja pelo pouco acesso a textos (alguns inéditos no Brasil) e seja pela forte presença do pensamento positivista, influência pela qual o marxismo Brasileiro não é imune (Konder chama atenção para o fato de as ideias marxistas terem encontrado melhor terreno na Argentina, já na passagem do séc. XIX para o XX, por meio de Juan Bautista Justo (1865-1965), tradutor pioneiro do primeiro volume do Capital para o Espanhol).
"Em torno de Marx" trata de algumas premissas básicas do marxismo (sua relação com moral, com a religião, a questão da dialética, etc.) para, depois, discutir como as ideias do filósofo alemão tomaram corpo ao longo do séc. XX. A partir da parte II, há uma coletânea de ensaios sobre alguns autores importantes ligados ao marxismo ocidental, como Theodor Adorno e Walter Benjamin. Os autores são apresentados em capítulos curtos e sintéticos, oferecendo ao leitor uma visão panorâmica das principais ideias e obras aqueles que estão "em torno de Marx".
A escolha por relatar e discutir os legados de Lukács, Gramsci, Sartre, além dos autores da chamada escola de Frankfurt sinaliza uma certa perspectiva sobre o marxismo, presente em todas as demais obras de Leandro Konder.
O marxismo em Konder reivindica a dialética e procura se afastar da chamada "linha-justa", de orientações metodológicos mecanicistas e ortodoxas. Mesmo o texto do ensaísta carioca flui de forma diferente de manuais ou abordagens dogmáticas e formalistas do marxismo. Os autores analisados possuem particularidades próprias e cada um é apresentado de forma analítica e histórica, buscando relacionar como suas vidas dialogam com suas ideias políticas, como a teoria e a prática política de cada autor se manifestam em torno de uma práxis particular: Lukács, por exemplo, foi um homem de partido, o que, somado aos seus densos estudos teóricos, criou dificuldades pessoais, exercícios reiterados de "auto-críticas", além de variações em sua linha de pensamento. Já Adorno foi diretor do Instituto de Pesquisa Social ligado à Universidade de Frankfurt: quando o mesmo instituto foi ocupado por estudantes em meio às turbulências do maio de 1968, Adorno solicitou a presença policial para a retirada dos estudantes e foi duramente criticado por Marcuse.
Igualmente, as práticas políticas (analisadas a partir de dados biográficos, correspondências, relatos, etc.) e as ideias teóricas formam um todo a partir do qual é possível lançar luz sobre os demais autores ligados à tradição marxista, levando em consideração as potencialidades das obras, mas igualmente aspectos contraditórios e zonas indefinidas de cada contribuição: uma perspectiva crítica que não faze das ideias dogmas.
"Em torno de Marx", oferece ainda um capítulo sobre o Marxismo no Brasil e um estudo bastante interessante tratando como a direita, já em fins do séc. XIX, toma partido e denuncia as ideias marxistas: muito provavelmente sem a leitura dos originais, conforme se observa por artigos e livros de padres e bacharéis da elite acerca do "marxismo", "comunismo" e "bolchevismo russo". A contribuição de Konder, neste ensaio, é a de oferecer, sempre de forma acessível, elementos gerais para a compreensão de Marx e a forma como o marxismo influenciou e influencia a história das ideias.

Paulo Marçaioli é estudante de Direito e militante do PSOL.