Imagine uma corrente. Você vê as
extremidades, mas não vê o elo entre as duas pontas. Você precisa juntar
os pontos extremos para entender o todo”, diz, com ar de mistério,
Ahmad, jovem comerciante da rua Al-Silsila, em Jerusalém. O árabe
palestino explica sua metáfora e diz que, para entender a cidade sagrada
para as três grandes religiões monoteístas do mundo é necessário ver
todos os elos da corrente e juntá-los. Chamada de rua de Davi pelos
judeus, Al-Silsila significa “corrente” em árabe. A estreita via é uma
das principais passagens entre dois mundos: o caminho do bairro judeu ao
árabe, ou vice-versa. Repleta de lojas de comidas típicas e de
artesanatos palestinos, não poucos feitos na China, leva da Porta de
Jaf-fa Grande Mesquita do Domo da Rocha e traça o limite com o bairro
judeu, onde se encontra o Muro das Lamentações.
No meio da “rua da Corrente”, dois
policiais – um israelense de origem árabe e outro judeu – perguntam aos
que se encaminham à mesquita se são muçulmanos. É sábado e os turistas
não têm permissão para entrar. Para os judeus, é onde Abraão ofereceu
seu filho Isaac em sacrifício a Deus e o rei Salomão construiu o
primeiro templo. Já os muçulmanos acreditam ter sido o local de onde o
profeta Maomé viajou aos céus (Al-Miraaj). “Eu, particularmente, não
vejo problema que os turistas passem, mas os policiais o fazem para
evitar confusão. Pode entrar algum judeu com uma Torá e irritar os
muçulmanos”, explica Ahmad. “Os judeus fazem isso para prejudicar o
comércio aqui na rua e forçar-nos a vender nossas lojas”, opina Omar
Jobah.
Jobah apareceu no início de dezembro em
um canal de televisão palestino denunciando o movimento de empresários
judeus que tentam comprar lojas de árabes em Jerusalém. Aos 58 anos,
casado e pai de sete filhos, tira por mês cerca de 3,5 mil shekels
(cerca de 2 mil reais, salário mínimo em Israel). Por ano paga 5 mil
shekels em impostos pela propriedade do estabelecimento comercial ao
governo israelense, 12% sobre as vendas e mais 5% em taxas extras. “Toda
hora eles aparecem aqui querendo comprar. Os judeus já me ofereceram
750 mil dólares, mas não vendo nem por 1 milhão. Minha família está aqui
há 200 anos.”
O comerciante tenta convencer os demais a
não vender suas lojas a judeus. “Ele é como nosso líder aqui na rua. Eu
não venderia minha loja (que está em frente a uma madrassa, escola da
religião islâmica), nem por 5 milhões de dólares. Se começarmos a vender
tudo aos judeus, a rua vai perder seu caráter”, explica Hamed, dono da
última loja árabe no caminho à mesquita.
O judeu Itzik Gurevich, da Organização
de Construtores de Israel, explica: “Há grupos que tratam de adquirir,
de comprar propriedade dos árabes palestinos, sob a ideologia religiosa
de direita de Israel”. Na cidade sagrada, muitos empresários
organizam-se na Elad, associação de colonos judeus ativa nos bairros
árabes de Jerusalém Oriental. “Eles pensam que toda a parte de Jerusalém
onde estão os palestinos também pertence a eles.” Segundo Gurevich, a
compra de propriedades é uma transação legal – não há qualquer
legislação que impeça transações imobiliárias entre judeus e árabes,
palestinos e israelenses. “Mas quando esses grupos adquirem a
propriedade e se instalam, começam a formar centros de provocação. Isso
aumenta a tensão nesta zona da cidade.”
Ao mesmo tempo, os palestinos não se
sentem livres para vender suas lojas a judeus. “Há uma espécie de
castigo para os árabes que vendem os imóveis. Na longa rua de
Al-Silsila, com um total de 123 lojas, há apenas dois proprietários
judeus que conseguiram comprar o estabelecimento de árabes. “Os dois (árabes)
ficaram muito malvistos pela comunidade por terem vendido suas lojas”,
afirma Jobah. “Há posições radicais por ambas as partes. A base da
aquisição das propriedades é provocativa, não é econômica. Não é algo
ingênuo”, analisa Gurevich.
Na outra ponta da corrente, dezenas de
rabinos estimulam os cidadãos a não vender nem alugar casas para não
judeus. No início de dezembro, uma carta aberta de 41 rabinos alegou que
a tensão entre árabes e judeus aumentou com o impasse do processo de
paz e reclamaram da entrada de imigrantes ilegais africanos. “A terra de
Israel é destinada ao povo de Israel”, disse à rádio do Exército de
Israel, Yosel Shainin, rabino-chefe da cidade portuária de Ashdod e um
dos signatários do texto. A Associação de Direitos Civis de Israel
(Acri) e parlamentares de oposição exigiram que o premier israe-lense,
Benjamin Netanyahu, condenasse a carta e punisse os rabinos. “Isso
obriga, de uma vez por todas, o indiciamento deles por incitação
racial”, disse o parlamentar árabe israelense Ahmed Tibi. De forma
surpreendente, Netanyahu considerou a carta antidemocrática e afirmou
que contradizia os livros sagrados, recordando a história de
discriminação sofrida pelo povo judeu. “Israel rejeita completamente
estes comentários (dos rabinos).”
Na cidade de Hebron, na Cisjordânia, em
território palestino, o lobby para compra e venda de lojas de palestinos
por israelenses judeus se repete. Aos 77 anos, Mohamed é um dos poucos
que mantêm sua loja de ferragens aberta na rua Ashuhadek. Muitos
negociantes venderam os imóveis ou simplesmente fecharam as portas. “A
rua está praticamente fechada e quase ninguém passa por aqui. A
Autoridade Palestina me dá mil shekels por mês. Venho trabalhar para me
divertir.”
Uma mureta com cerca de 60 centímetros de altura e um check point
com dois soldados israelenses separam o comerciante palestino Munear
Abid, 58 anos, de seus clientes árabes no final da Ashuhadek. Ele é um
dos donos das quatro últimas lojas árabes que ficaram do “lado judeu” de
Hebron. Munear lembra que, quando era pequeno, árabes e judeus
circulavam pela cidade livremente. Mas em 1994, durante o processo de
paz de Oslo, o colono judeu Baruch Goldstein disparou contra muçulmanos
que rezavam na Mesquita de Ibrahim – ou na Cava de Machpela, onde se diz
que estão enterrados os restos de Abraão –, e matou 29 pessoas. Em
fevereiro de 1997, um acordo para a redistribuição das forças de defesa
israelenses dividiu a cidade em duas áreas: H1, controlada pela
Autoridade Palestina, e H2, sob controle militar israelense. Depois da
segunda Intifada, em 2000, e o aumento da violência entre os dois lados,
as FDI tomaram o controle de toda a cidade e vários check points foram criados a partir de 2003 na área H1.
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