Rachel Duarte no Sul21
Dos nove nomes anunciados pelo governador eleito do Rio Grande do
Sul, Tarso Genro (PT), para o secretariado, cinco são quadros do PT, que
contemplam três das sete principais correntes que compõem o partido no
estado. Passado pouco mais de um mês da sua eleição, em primeiro turno,
Tarso já tem definido um terço do primeiro escalão.
Os critérios adotados pelo futuro governador para a escolha dos nomes
são: competência técnica; votação obtida na última eleição por
candidatos das correntes petistas e dos partidos aliados; relação de
confiança do indicado com o próprio Tarso; peso político do escolhido e,
ainda, a busca pela maioria na Assembleia Legislativa. Integrantes das
mais diversas correntes do PT afirmaram ao Sul21 que Tarso Genro não tem privilegiado nenhuma das correntes.
Partido Plural
A composição do secretariado tem se mostrado uma tarefa complexa para
Tarso, porque o PT é um partido plural, formado desde a sua origem por
diferentes grupos de pensamento. Ao mesmo tempo, em seus oito anos de
governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ensinou que a
governabilidade passa por uma ampla coalizão. Tarso Genro, responsável
pela articulação politica no governo Lula, seguirá o exemplo do líder.
Com base na experiência obtida em dialogar com partidos das mais
diferentes tendências, o governador eleito vem conversando com as
legendas da Coligação Unidade pelo Rio Grande (PSB, PCdoB e PR), que o
elegeu, e com as que convidou a participar do seu governo, como o PDT e o
PTB.
Ao viajar para a Europa, Tarso deixou o vice-governador eleito, Beto
Grill (PSB), e o futuro secretário do Planejamento, João Motta (PT),
encarregados de dar seguimento ao diálogo com os demais partidos,
incluindo o PMDB, adversário do PT na disputa pelo Piratini.
Diálogo essencial
Para o deputado estadual Fabiano Pereira (PT), da corrente PT de Luta
e Massa, o diálogo dentro do partido é essencial para lidar com os
descontentamentos individuais que eventualmente surjam quando o governo é
amplo. “É preciso manter a representatividade de um governo plural. As
correntes não podem estar acima do partido e dos interesses do estado.
Para um governo de coalizão ampla, o essencial é consenso”, explica. Ele
revela que, desde o início do processo eleitoral, o PT já tinha claro
que seria necessário ampliar a governança. “A decisão pela coligação com
PCdoB e PSB foi acordada entre todas as correntes, bem como com os
apoiadores trabalhistas e petebistas. Ninguém quer avançar o sinal, para
não eliminar os espaços para os apoios que darão maioria na Assembleia
para o governador governar”, afirma.
Apesar dos constantes diálogos e das sugestões das correntes, a
decisão final dos nomes está sendo do próprio governador. Com a divisão
dos cargos entre os partidos aliados, “o que sobrar será conversado
entre as correntes”, disse Fabiano Pereira. As estatais mais fortes,
como a Corsan e a CEEE, estariam no páreo desta disputa interna do PT.
Na avaliação do presidente do PT de Porto Alegre, Adeli Sell (PT), da
corrente Construindo um Novo Brasil, Tarso pode ter se precipitado em
alguma das indicações, mas nenhuma escolha que fez compromete a relação
com o PT. “Sempre haverá disputa e pessoas não contempladas, mesmo
porque os espaços no governo são limitados”, disse. O vereador explica
que a disputa se dá na área do convencimento e não pela determinação de
cotas por correntes. Adeli lembra que o debate entre as correntes leva
em conta também o espaço para os demais partidos e a eleição para a
prefeitura de Porto Alegre. “Com a participação do PDT no governo Tarso
até podemos vir a apoiar a candidatura de José Fortunati (PDT) à
reeleição na prefeitura. Mas, isso exigiria a retirada de alguns
secretários que hoje estão com ele e o ingresso do PCdoB ou do PSB na
chapa”, opinou.
A razão das correntes do PT
Num partido, como o PT, composto por mais de 30 grupos distintos, a
disputa por espaço é legítima. A organização do PT foi se modificando ao
longo de seus 30 anos de existência. Atualmente, as correntes estão
abrigadas em dois campos: Construindo um Novo Brasil e Mensagem.
A maioria das correntes petistas, como a Unidade na Luta, Ação
Democrática e os grupos independentes, estão no campo Construindo um
Novo Brasil. Já no campo Mensagem, estão as correntes PT Amplo,
Democracia Socialista e Esquerda Democrática. Há ainda correntes
importantes, como a Articulação de Esquerda e o Movimento PT.
Recentemente, um grupo liderado pelo deputado Fernando Marroni e o
prefeito de Canoas, Jairo Jorge, gerou uma nova corrente, o Novo Grupo,
integrada ambém pela deputada eleita Miriam Marroni, mulher de
Fernando. O casal deixou há bastante tempo o PT Amplo para integrar o
movimento Maioria Nacional, bem como o grupo de Jairo Jorge, uma
dissidência recente do PT Amplo. O Novo Grupo surgiu este ano, durante a
campanha eleitoral e os movimentos para a formação do governo Tarso. O
grupo pretende emplacar o nome do sociólogo Jorge Branco,
ex-superintendente da Metroplan no governo Olívio Dutra. Ele está cotado
para a secretaria de Meio Ambiente e parece ter recebido sinal verde de
Tarso Genro.
As pretensões futuras de Tarso e o papel que ele pretende desempenhar
no cenário nacional vão influenciar na composição do governo e na
participação das correntes. Tarso precisar ser uma alternativa à maioria
nacional, ainda comandada direta ou indiretamente por José Dirceu.
Particularidades regionais
Segundo o cientista político Tarson Nuñes, o número de grupos dentro
do PT tem particularidades regionais e se diferenciam nos estados
brasileiros. “Cada corrente tem uma identidade própria e os campos são
os aglutinadores dos pensamentos. A organização do partido em correntes
pode gerar ambiente de conflito e tem uma necessidade de constantes
reuniões, mas este formato evita o movimento excludente”, explicou.
Tarson falou que, historicamente o PT é um partido diferenciado,
pois, reuniu pessoas de sindicatos, sobreviventes da clandestinidade no
regime militar, religiosos e intelectuais de esquerda. Já o presidente
do PT gaúcho, deputado estadual Raul Pont, diz que a existência das
correntes tem ainda outra justificativa: O PT, partido de esquerda, não
pode ser monolítico como foram outros partidos de esquerda no Brasil e
no mundo.
“A nossa concepção de construção partidária é a de que, mesmo tendo
programa definido, estratégico e claro, o partido de esquerda não pode
ser de poucos tomando decisões para maiorias. Nós somos o único partido
de esquerda de massas hoje no mundo dentro deste formato”, salientou
Pont. Segundo o deputado, no estatuto do PT está assegurada a
organização de tendências de opinião e seus integrantes têm direito a
produzir boletins informativos e lançar chapas em momentos de eleição.
A composição do governo Tarso obedece ao seu jeito de fazer política,
que, naturalmente, fortalece algumas lideranças, legitimando alguns
quadros petistas. Algumas correntes, no entanto, podem divergir da
forma de Tarso fazer política e se distanciar do seu governo.
A origem e os rompimentos
Nos primeiros anos, um bloco de sindicalistas e alguns intelectuais
formavam o PT. Havia ainda os grupos que atuavam em outros setores da
sociedade, como a Igreja, e que viviam na clandestinidade. Estes, lembra
o deputado Raul Pont, foram classificados como petistas de duas
camisetas. “Este debate foi muito forte no começo. E, a partir daí, se
legitimaram os grupos em forma de correntes”, explica o presidente do PT
RS, Raul Pont.
Durante os 30 anos do PT, alguns agrupamentos romperam com o partido
ou foram expulsos. Entre os intelectuais de maior porte no PT, o
sociólogo Chico de Oliveira passou para o PSol, assim como o economista
Plínio de Arruda Sampaio. Da mesma forma, os setores mais à esquerda da
Igreja Católica, também sofreram alguns afastamentos.
O PT, no entanto, foi se reciclando com o passar do tempo e as
correntes conquistaram espaço proporcional na composição de governos,
diretórios e demais instâncias partidárias. Em 2001, o partido decidiu
por mudar a forma de escolha dos seus candidatos que era por meio de
congressos e passou a ser por votação.
Na avaliação do deputado estadual Fabiano Pereira (PT), as correntes
serviram para organizar o partido durante muito tempo, mas, apesar de
serem boas, podem ser revistas. “As correntes ainda são boas, mas não
podem ser utilizadas para um bloqueamento dentro do partido, de forma
enfraquecida entre nós”, diz.
Para o presidente do PT de Porto Alegre, Adeli Sell, o partido tem
que se recriar e rever o sistema de muitas correntes. “Devemos apostar
na organização do partido por setoriais e fortalecer os debates nas
diferentes áreas para que possamos debater soluções para as diversas
demandas da população”, acredita.
As correntes e seus líderes
No Rio Grande do Sul, há correntes em que a lidernça é exercida por
apenas uma pessoa, enquanto em outras, ela aparece dividida, ou sendo
disputada, por duas ou mais. A liderança pode sofrer altos e baixos de
acordo com os resultados das eleições. Veja aqui quais são as correntes e
seus líderes gaúchos:
PT Amplo
O deputado Federal Paulo Pimenta e o ex-deputado federal Luiz
Fernando Mainardi lideram o PT Amplo. No entanto, Estilac Xavier, pelo
lugar conquistado no governo de Tarso (Secretaria Geral de Governo),
voltou a ser uma das lideranças mais importantes da corrente, como era
quando foi deputado. Ao defini-lo como secretário, Tarso reforçou a
liderança de Estilac. Pimenta e, principalmente, Mainardi têm maiores
ligações com os setores moderados do PT, enquanto Estilac, hoje,
encontra-se mais próximo da Democracia Socialista – corrente do deputado
estadual e presidente do PT, Raul Pont, e do futuro chefe da Casa
Civil, Carlos Pestana. Com estas escolhas – Estilac e Pestana – Tarso
sinaliza uma aproximação maior com a DS.
Democracia Socialista
Apesar de estar muito dividida, a Democracia Socialista é,
majoritariamente, liderada pelo presidente do PT, deputado estadual Raul
Pont. Carlos Pestana, na prática um moderado, é homem de confiança de
Pont. Eleito para a Câmara Federal, o deputado estadual Ronaldo Zulke
expressa uma posição mais pragmática. Já o deputado Elvino Bohn Gass,
que também é liderança importante na corrente, tem uma posição mais
ligada ao sindicalismo.
Construindo um Novo Brasil
A maioria nacional, agrupada no Construindo um Novo Brasil, agrega
muitas correntes, sendo a maior delas a Unidade na Luta, do deputado
Villaverde. Outra corrente que compõe a Construinhdo um Novo Brasil é a
Ação Democrática, do deputado federal Marco Maia e o deputado estadual
Ivar Pavan. Diante dos resultado das eleições 2010 e de sua expressão
pública, o deputado Adão Villaverde surge como um dos nomes mais
importantes do Bloco. Já Marco Maia, reeleito para a Câmara Federal com
122.134 votos é uma figura importante na montagem tanto do governo de
Tarso quanto no de Dilma. Ex-presidente da Assembleia, o deputado Ivar
Pavan não conseguiu eleger-se para a Câmara Federal e a derrota
transformou-o em figura secundária na corrente, abrindo espaço para
outros nomes como o do deputado eleito Valdeci Oliveira, que poderá
conquistar espaço no primeiro escalão de Tarso.
Movimento PT
A figura pública da corrente Movimento PT é a deputada federal
reeleita Maria do Rosário. Seu marido, Eliezer Pacheco, é o “pensador
estratégico” da corrente. Ele chegou a ser cotado para a secretaria de
Educação do governo Tarso, mas espera manter-se no governo federal.
Articulação de Esquerda
A maior liderança do grupo é o prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi,
que inclusive conseguiu eleger a vereadora leopoldense Ana Affonso como
deputada estadual. Desta corrente, o cotado para o governo Tarso é o
secretário de Habitação, Saneamento e Desenvolvimento Urbano de São
Leopoldo, Marcel Frison, bancado pelo próprio Vanazzi.
PT de Luta e Massa
Esta corrente é liderada praticamente por uma única pessoa: o deputado estadual Fabiano Pereira.
Esquerda Democrática
A Esquerda Democrática foi fundado por Flavio Koutzii, que vai
assessorar o gabinete de Tarso. A corrente, que nasceu como uma
dissidência dentro do partido, atua como braço auxiliar da Democracia
Socialista. Apesar de ter se retirado da atividade parlamentar e da
direção da corrente, Koutzii segue sendo o comandante de fato da
Esquerda Democrática, integrada, também, pelo deputado federal Henrique
Fontana. Esta é uma corrente que se identifica com o governo Lula.
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