Luís Carapinha*
«A
ascensão contemporânea da China, indissociável do caminho iniciado com a
revolução de 1949 e a fundação da República Popular (…) transformou-se
numa fixação obsessiva para as grandes potências capitalistas e acima de
tudo os EUA que a encaram como uma ameaça maior económica e, a prazo,
militar.»
A
elevação da China à condição de grande potência económica não é coisa
de somenos. Depois de, em 2007, ter ultrapassado a Alemanha, os dados
trimestrais do PIB divulgados em Agosto mostram que a China já é a
segunda maior economia do globo, atrás dos EUA. Posição que, tudo
indica, conservará no final de 2010, relegando para o degrau inferior o
Japão que, desde o desaparecimento da URSS, era a segunda economia
mundial.
O país mais populoso do planeta é já o maior exportador mundial e
detentor das maiores reservas cambiais. A China, que não faz parte do
clube selecto capitalista do G7 (G8 com a Rússia atrelada), ostenta
também o maior volume de investimento interno do mundo (mais do dobro do
Japão em 2009).
Números, porém, que não fazem perder a noção da realidade à direcção chinesa. Em termos relativos, o PIB per capita chinês ocupa globalmente uma posição modesta (embora aumente consideravelmente se considerada a paridade de poder de compra).
De Pequim, a China continua a ser vista como um país em
desenvolvimento, que se encontra ainda na fase primária da construção
socialista. O crescimento económico e das forças produtivas permanece a
prioridade central, ao mesmo tempo que as cavadas desigualdades e os
desequilíbrios que acompanharam as taxas de crescimento sem precedentes
registadas nas últimas três décadas, passaram a ser uma preocupação de
primeira ordem do PCCh e do Estado chinês.
Se é verdade que as contradições e enormes desafios enfrentados pelo
processo do «socialismo com características chinesas» não podem ser
subestimados, muito menos pode ser ignorado o significado do impetuoso
desenvolvimento económico, tecnológico e social do antigo império do
meio para os povos do mundo e as forças da paz e progresso social.
A ascensão contemporânea da China, indissociável do caminho iniciado
com a revolução de 1949 e a fundação da República Popular – deixando
para trás um século de guerras do ópio e subjugação semi-colonial ao
imperialismo –, transformou-se numa fixação obsessiva para as grandes
potências capitalistas e acima de tudo os EUA que a encaram como uma
ameaça maior económica e, a prazo, militar. A urgência de intimidação da
China levou a que a escalada provocadora movida desde Washington
atingisse neste Verão níveis inauditos com a realização de manobras
militares em série e a presença de um inusitado potencial bélico de
última geração dos EUA nos mares que confinam com as águas territoriais
chinesas.
A Coreia do Sul e o Japão aliaram-se à provocação deliberada. A
pretexto do estranho afundamento do vaso de guerra sul-coreano Cheonan –
em que a RPDC já negou responsabilidades – e coincidindo com os 60 anos
do início da guerra da Coreia, Washington foi ao ponto de acordar com
Seul a realização mensal de manobras até ao final do ano (R. Rozoff,
Global Research, 18.08.10). Manobras militares dos EUA que se estendem
ao Mar do Sul da China: é evidente que o imperialismo está a procurar
envolver militarmente os países do sudeste asiático na estratégia de
contenção da China, servindo-se com astúcia do intricado contexto
regional de disputas territoriais e de contradições no plano económico
que não poderão ser sanadas sem uma exigente postura de diálogo e
princípios políticos.
A demonstração de força dos EUA, visando também condicionar a
atitude da China em outros focos de tensão no mapa-múndi exacerbados
pela política da canhoeira do imperialismo, segue-se ao anúncio da venda
de um novo lote de armas a Taiwan e a crescentes pressões comerciais,
económicas e políticas que têm como destinatário o governo de Pequim.
Com os últimos dados da economia dos EUA a confirmar o cenário de
estagnação da mais grave crise capitalista desde 1945, a arrogância da
Casa Branca em relação ao maior credor dos EUA é um mau augúrio para a
paz e segurança internacionais.
Mas abusar da milenar paciência chinesa é um risco elevado. E o tempo não joga a favor da estratégia hegemónica do imperialismo…
* Analista de política internacional
Este texto foi publicado no Avante nº 1.918 de 2 de Setembro de 2010.
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