domingo, 17 de abril de 2011

Escassez de mão de obra?


 
 
Marcio Pochmann
 
 
A temática da qualificação da mão de obra não é desprezível no atual momento pois corre o sério risco de se tornar um verdadeiro entrave ao curso do desenvolvimento nacional, quando não um constrangimento adicional ao avanço adequado dos grandes eventos esportivos para 2014 (Copa do Mundo de Futebol) e 2016 (Jogos Olímpicos). Na crise internacional transcorrida no fim de 2008, o ciclo de expansão produtiva com forte emprego assalariado formal iniciado três anos antes foi arrefecido, o que permitiu postergar resoluções necessárias em torno da temática da qualificação da força de trabalho no país.
Desde o segundo trimestre de 2009, contudo, a produção nacional voltou a se recuperar, fruto das positivas políticas anticíclicas adotadas pelo governo federal. Tanto assim que, no ano de 2010, a economia registrou forte expansão do Produto Interno Bruto (PIB), com impactos significativos na geração de mais de 2 milhões de empregos formais. Por força disso, algumas regiões e setores de atividade econômica apresentaram, inclusive, alguns sinais de escassez relativa da mão de obra qualificada. Em geral, é possível assumir que o emprego de profissionais das engenharias pode ajudar a observar - ainda que sinteticamente - o impacto da expansão econômica sobre a determinação do nível de ocupação do trabalho qualificado.
No contexto de expansão das atividades econômicas que demandam crescentemente força do trabalho mais qualificada, devem ser considerados primordialmente os elementos determinantes da oferta laboral, sobretudo aquela derivada das engenharias, frente às suas interligações com outras categorias profissionais. Assim, não há com deixar de relacionar o processo de formação superior nas engenharias, uma vez que o ensino superior no Brasil é constituído por duas centenas de universidades, 127 centros universitários e quase 2 mil faculdades e institutos de educação tecnológica, responsáveis pela absorção de quase 6 milhões de alunos.
Nos dias de hoje, são cerca de 830 mil pessoas que se graduam anualmente, equivalendo a menos de 26% do total de vagas ofertadas a cada ano pelo ensino superior. Das 3,2 milhões de vagas disponíveis pelo conjunto dos cursos de graduação, 322 mil são de responsabilidade da área das engenharias (engenharia, produção e construção), ou seja, 10,2% do total de vagas abertas no país por ano. Para esse contingente de vagas, registram-se mais 770 mil candidatos (12,5% do total de candidatos aos cursos de ensino superior), o que resulta em 2,4 candidatos por vaga em todo o Brasil (para mais detalhes, ver a publicação Radar nº 12, do Ipea, de fevereiro de 2011).
No ano de 2009, houve a graduação de 47,1 mil engenheiros, que equivaleram a apenas um pouco menos de 15% do total de alunos que ingressam nos cursos de engenharia. Isso significa que as engenharias registraram elevados índices de evasão, impondo baixa quantidade de concluintes nos cursos de graduação e certo desperdício de recursos humanos e financeiros para vagas não ocupadas ou ocupadas por período demasiadamente longo. Além disso, assinala-se também o problema associado à qualidade formativa dos engenheiros, uma vez que 42,3% dos concluintes das engenharias que se formaram em 2008 são oriundos de instituições de nível superior que detêm baixo desempenho na proficiência acadêmica, segundo informações do Ministério da Educação (MEC). Ainda para o MEC, somente um em cada grupo de quatro graduados provém de instituições com nível superior de alto desempenho educacional.
Adicionalmente, ressalta-se que a oferta total de engenheiros formados no Brasil não se encontra ainda plenamente absorvida pelas atividades tradicionais das engenharias. Em plena década de 2000, por exemplo, constatou-se que, do total da mão de obra qualificada nas engenharias, estimada em 550 mil profissionais, havia menos de 1/3 exercendo atividades finalísticas da profissão. Esse desvio na alocação dos profissionais das engenharias em relação ao emprego final resulta de duas décadas anteriores de baixa demanda de engenheiros devido ao contido dinamismo econômico e quase ausência de investimentos em infraestrutura nacional.
Da situação atual de disponibilidade nacional de engenheiros, deve-se considerar o ingresso do contingente de graduandos a cada ano e o desvio de profissionais para outras áreas de ocupação, o que pode permitir antever alguns dos possíveis constrangimentos à demanda de pessoal qualificado a serem atenuados. Em 2009, por exemplo, 323 mil engenheiros foram contratados em todo o país, o que significou duas vezes mais a abertura de vagas que o verificado no ano 2000. Se a economia brasileira vier a crescer 6% em média nos próximos quatro anos, por exemplo, a demanda por engenheiros em 2014 pode chegar a quase 650 mil novos profissionais.
É em função disso que a formação de mão de obra qualificada no Brasil requer atenção, seja no processo formativo, seja no ambiente de contratação por parte das empresas. A ampliação das vagas no ensino superior pressupõe enfrentar simultaneamente tanto a qualidade dos cursos ofertados como a enorme evasão dos estudantes. Ao mesmo tempo, cabe mencionar a necessidade da oferta de cursos de readaptação ao ambiente de trabalho nas engenharias para aqueles profissionais que se encontram desviados e podem retornar às atividades finalísticas tradicionais. Considera-se que, do ponto de vista da demanda de mão de obra qualificada, há espaço para avançar nas relações de trabalho, especialmente naqueles setores mais dinâmicos em termos de contratação de trabalhadores.
O processo de formação no próprio local de trabalho pode ser uma oportunidade desenvolvida com apoio das instituições de representação dos trabalhadores e do governo federal, o que inibiria o veto à contratação de profissionais sem prévia experiência profissional. Também a restrição à elevadíssima rotatividade contratual permitiria que os investimentos na qualificação da força de trabalho pelas empresas se convertessem em maior segurança na própria ocupação por maior tempo. Isso implica planejamento democrático e participativo, sobretudo dos diretamente interessados em impedir que a escassez de mão de obra seja mais um obstáculo ao curso do desenvolvimento nacional.
 
Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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