Gabriel Brito, da Redação do CORREIO DA CIDADANIA |
Tal como 2010, o ano que finda tampouco deixa motivos para grandes festejos no esporte brasileiro. No anterior artigo retrospectivo, destacou-se a obscenidade de diversos acontecimentos da política esportiva, basicamente relacionados aos grandes eventos que se avizinham. Dentro dos campos, quadras, pistas, piscinas, mais dissabores que alegrias, capitaneados pela desastrosa Copa do Mundo da seleção de futebol. Dessa forma, fica difícil expor algo de novo e, acima de tudo, positivo em mais um ano que termina em nossa pátria tão repleta de ufanismos. Mas diante, justamente, desse quadro de grande manipulação, desinformação e enganações diversas, mantém-se a necessidade de se fazer o papel mais chato da trama que só anuncia a felicidade geral da nação. Trata-se do contraponto ao que se vende como emancipação esportiva do país, na mesma esteira eufórica do desenvolvimento econômico nacional, mas que esconde muito mal as vísceras de projeto meramente capitalista, comandado pela parceria público-privada que realmente funciona por aqui: a associação de governantes, que, sob os mais cínicos e variados discursos, falsificam suas tarefas de promoção da justiça social e econômica, com seus empresários financiadores de campanha, que cartelizam todos os grandes negócios, projetos e obras deste “desenvolvimento”. Assim, o que podemos dizer é que, mais do que nunca, o esporte e, em especial, o futebol brasileiro têm reproduzido em escala acentuada a própria vida cotidiana verde e amarela. Enquanto vemos os mesmos políticos desmoralizados em seus parlamentos anunciarem com pompa as grandes obras de infra-estrutura e estádios que nos servirão de “legado”, temos uma mídia que predominantemente vende tais eventos como autêntica agência de propaganda. Empresas que sempre foram marcadas pela corrupção e super-faturamento em seus serviços ao Estado são apresentadas como grandes atores de nosso crescimento e do próprio orgulho que tais eventos representarão. A mídia comercial, com suas edições de fim de ano destacando os mais influentes e “especiais” dos brasileiros, deita perfis de cartolas esportivos e corporativos, apresentando-os com capa de homens de visão e conscientes de seu papel social. Tal cobertura acrítica da grande e monopólica mídia acaba superando largamente o papel do contraditório desempenhado pelos movimentos sociais, especialmente os comitês populares de cada cidade sede, e da chamada imprensa alternativa, que se esforça na divulgação dos acontecimentos por um ponto de vista social. Mas não tem o poder de alcance, por exemplo, de uma das grandes sócias da Copa e das Olimpíadas: a Rede Globo, claro, que, além de transmitir, faz todo o trabalho de marketing que se possa desejar para o “bom andamento” dos fatos. Assim, um estádio que será construído em torno de uma série de imoralidades, a começar pelo uso indiscriminado do dinheiro público e a quase certeza de remoções mal recompensadas, é vendido como grande ponto de partida do desenvolvimento da zona leste de São Paulo. E tal como em diversos outros momentos políticos de relevância histórica mundo afora, um time de grande força popular é o grande escudo do poder público para dar vazão a interesses escusos. Só não se sabe qual será o futuro do Corinthians, em seu estádio que só será seu de verdade após a Odebrecht recuperar o dinheiro investido (a partir de empréstimo do BNDES), sob risco de uma impagável dívida. O mesmo vale para todas as outras “arenas” (nome dos shoppings travestidos de estádios) reformuladas ou novinhas, superfaturadas desde o início e cercadas de incerteza acerca de sua gestão e viabilidade posteriores ao Mundial de futebol. Portanto, tal como dito desde a escolha do Brasil como sede de tais eventos, não haverá muito a fazer contra processo tão avassalador. Remar contra tem a serventia de evitar um massacre ainda maior e a promoção ilimitada de injustiças e violências sociais, especialmente através das remoções de famílias de favelas em áreas de interesse do mercado. No entanto, o máximo que se conseguirá é a chamada redução de danos. E posteriormente, a briga pela apropriação pública e social do que houver de “legado” estrutural. Lá dentro, as mesmas ilusões Já nos campos, o Brasil continua em péssima fase de sua história. Tal como nos últimos anos, a seleção, agora sob o comando de Mano Menezes, encontra-se completamente sem rumo, incapaz de reavivar a velha escola nacional que encantou o mundo e formou timaços. Não se consegue montar um grupo coerente e regular de jogadores, com estilo fiel ao que aprendemos a apreciar e livre dos vícios impostos pelo futebol de resultados, obsessivo física e taticamente e divorciado da perfeição nos fundamentos mais técnicos do jogo. Fora a contaminação por variados pragmatismos absorvidos da Europa, por onde vive ou deseja viver a nata do nosso futebol. Obviamente, isso é fator chave para a descaracterização do nosso jogo, “artístico”, “moleque”, “imprevisível”, ou o que o valha e hoje inexiste. “Um futebol muito corrido e pouco pensado. O Brasil precisa se reencontrar”, resume, há anos, Tostão, um dos maiores se não o maior analista de futebol do país – e craque da seleção de 70, se não bastar... O problema, pouco compreendido, é que não se atira a essência de um poção mágica ao espaço e depois a recupera num piscar de olhos. Essa seleção sem cara, alma, graça, distanciada das raízes e da própria casa, é o mais límpido e cristalino reflexo dos 22 anos de Ricardo Teixeira e sua gestão comprovadamente mafiosa e incompetente na CBF, associada a outra aliada de primeira hora do atraso: de novo, a Globo, que não se cansa de transformar o futebol em mero produto de entretenimento, onde reina a paparicação, e se poda a verdadeira cultura popular e autêntica do jogo. Essa nefasta sociedade foi quem passou tal período evitando os necessários avanços, que vão muito além da escolha de um treinador certo e a conquista de uma ou outra taça. O grande desastre é que o futebol brasileiro ficou não apenas sem escola, mas sem direção, cara, visão, mentalidade, coerência, gestão, e como vai longe a lista... Em suma, tudo que o aclamado Barcelona, e também a seleção espanhola, não fizeram. Não à toa agora gozam o trono que pensamos ser eternamente nosso. Em todo este período, no qual o futebol se “modernizou” e se transformou também em grande negócio capitalista, deixaram-se no Brasil as mesmas estruturas que nas décadas anteriores já anunciavam a penúria, até por nunca terem sido capazes de organizar coerentemente sequer duas edições consecutivas do campeonato nacional, como mostra a história. O interesse mesquinho, e falsamente favorável aos pequenos, das federações estaduais, a inadequação do nosso calendário, sempre na contramão do resto do mundo, a liderança não menos despótica da confederação continental e o nível de imbricação, protagonismo e ingerência atingido pelos empresários, agora turbinadíssimos por fundos ainda mais poderosos de investimentos, nos levaram a tamanha decadência. Portanto, nada gratuita. Mesmo assim, seguimos sem visão Mas como o esporte é uma das áreas da vida mais pródigas em desfazer mitos e desmentir as maravilhas do marketing, dentro de campo tivemos um ano que, se não nos levar a uma rápida reflexão, pode significar novos e traumáticos infortúnios. O que não é nada desejável quando se está perto de sediar Copa e Olimpíadas... Na Libertadores, 5 dos 6 brasileiros fracassaram retumbante e precocemente, sendo derrotados para equipes de países vizinhos sempre desabonadas por nossa mídia, que, por mais que raramente os veja jogar, jamais dá o braço a torcer e reconhece seus méritos, até mesmo quando batem nos brasileirinhos, o que fizeram a granel em 2011. Via de regra, “são times limitados, mas esforçados, raçudos e que jogam com a pressão da torcida”. É hora de contar outra... Apesar do título do Santos na Libertadores, os demais foram um fracasso. Assim como na Copa Sul-Americana, vencida pela virtuosa Universidad de Chile – que já vendeu o artilheiro do torneio pra Europa, nessa triste saga... E também na Copa América de seleções, na qual fomos eliminados nas quartas de final para o Paraguai, nos pênaltis, com três empates, uma vitória e outra campanha horrorosa. Já o massacre sofrido pelo Santos contra o Barcelona na final do Mundial de Clubes deve ser visto como choque de realidade, não como “maior espetáculo da Terra”. Pois parece muito oportunista da parte da mídia, e de todos, sempre resistentes em aplaudir rivais gringos, agora reverenciar incansavelmente o timaço catalão. Sim, trata-se de um dos maiores que já vimos, mas não se pode perder de vista que foi a maior diferença de gols da história do Mundial de Clubes e que foi aterradora a postura entregue, reverente, submissa, dos atletas santistas, como se cientes de estarem diante de mestres imbatíveis e de que o negócio era fruir a aula... Não parece ser o papel que melhor cabe ao futebol brasileiro. Não há marketing que cubra tamanha fraqueza e despreparo de nosso futebol diante de outras grandes potências, que passaram as últimas décadas saqueando livremente nossos talentos (e dos vizinhos), melhoraram seu futebol doméstico, evoluíram na maneira de jogar, (re)criaram estilos, variações táticas ofensivas e também progrediram na formação de jogadores, até pelo fato de contarem com legiões imigrantes, cujos filhos talentosos florescem por lá mesmo. Em suma, estamos no futebol exercendo o mesmo papel periférico e subalterno de sempre da geopolítica e da economia. A tragédia é que tal tendência não dá o mínimo sinal de reversão. Os megaeventos simplesmente não estão servindo como oportunidade de retomada de “nosso devido lugar” no esporte, especialmente naquele em que éramos reis. E ninguém parece atentar para tamanho desperdício. O pior de tudo é que o boom econômico brasileiro já chegou ao futebol (e aos poucos aos demais), nossos clubes têm dinheiro como nunca, mas não conseguem sair da fórmula fácil de trazer de volta medalhões cadentes sem conter a sangria “juvenil”. “Essa grana toda só vai servir pra deixar tudo igual, mas com um custo maior. Eles vão deixar tudo no mesmo nível, apenas custando mais”, opina o jornalista Paulo Calçade, do Estadão/ESPN. Diante do atual protagonismo brasileiro no esporte, e também sua história ao menos em alguns deles, fica clara a falta que faz uma verdadeira política esportiva, inclusive com participação do Estado, algo mais que comum na organização de parâmetros e objetivos “macro” de toda uma nação, neste e em qualquer âmbito. Até pela possibilidade mais clara de punir desmandos e assaltos, o que nunca ocorre no nosso espúrio cenário. A maneira como caiu o ministro Orlando Silva, aliado de primeira hora do que há de pior no mundo esportivo, foi só um pequeno exemplo de como ainda estamos atrasados nessa estruturação, que pode cobrar um inesquecível preço nos próximos e esperados tempos. Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania. |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Além dos desmandos de sempre, muito marketing e pouca bola
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