Samir Oliveira no SUL21
Cinco jovens do Rio de Janeiro que protestaram contra a comemoração
do golpe de 1964 feita por militares da reserva no dia 29 de março estão
sendo ameaçados e tendo suas vidas expostas. O site A Verdade Sufocada, mantido pelo coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante
Ustra, publicou fotos com o nome de cinco manifestantes e os locais
onde eles trabalham. A ira da caserna recaiu com mais força sobre Luiz
Felipe Garcez, que foi flagrado numa fotografia cuspindo no
coronel-aviador Juarez Gomes enquanto ele deixava o Clube Militar no Rio
de Janeiro.
O site de Ustra, ex-comandante do DOI-CODI de São Paulo e torturador
reconhecido pela Justiça, informa o e-mail e os perfis no Twitter e no
Facebook de Luiz Felipe. Os dados se espalharam por sites e blogs
mantidos por militares, que estão postando diversas ameaças aos cinco
jovens pela internet.
No blog
do coronel da reserva Lício Maciel – que participou da repressão à
Guerrilha do Araguaia – há um vídeo de 3 minutos, que já foi retirado do
YouTube, com o título de “maloqueiros alucinados”, em referência aos
manifestantes. Os jovens são tratados o tempo inteiro como criminosos e
agressores de idosos e os militares fazem questão de expor informações
sobre eles.
No post que exibe o vídeo, o comentário de um sujeito identificado
como Eduardo Cruz demonstra que a vida desses cinco jovens –
especialmente a de Luiz Felipe – foi investigada. “Após um levantamento
preliminar, obtive algumas informações importantes sobre o covarde que
agrediu aquele senhor idoso no dia 29. O nome completo do meliante é
Luiz Felipe Monteiro Garcez, vulgarmente conhecido como Pato, estudante
do curso de Produção Cultural do IFRJ (Instituto Federal do Rio de
Janeiro) desde 2010. Tem 25 anos de idade, frequenta o Diretório
Estadual do PT no Rio de Janeiro e não trabalha”, escreveu o
comentarista, que fornece informações dos empregos que o jovem já teve.
Eduardo Cruz vai além em seu comentário no blog de Lício Maciel. Ele
dá informações sobre a família de Luiz Felipe e ainda faz juízo de valor
sobre sua criação. O comentarista cita o nome da “namoradinha” de Luiz
Felipe, informa que ele tem uma filha, publica o nome dos pais do jovem e
ainda comenta que eles “visivelmente falharam na educação do moleque”.
Eduardo Cruz finaliza o comentário dizendo que “por enquanto é isso” e
assegurando que irá prosseguir com a “averiguação” e que voltará “em
breve com informações sobre os outros agressores presentes naquele
episódio”.
Nesse mesmo post do blog do coronel Lício Maciel há um link para uma
pasta no site de compartilhamentos 4Shared com informações sobre a vida
de Luiz Felipe Garcez. São exibidas fotos dele, de sua mulher e até de sua filha. Uma das imagens mostra o jovem com a filha recém-nascida no colo, com as devidas identificações.
“Não podemos nos permitir ter medo”, diz jovem ameaçado
Em conversa por telefone com o Sul21, Luiz Felipe
Garcez conta que já recebeu mais de 150 ameaças por Facebook e por
e-mail. Ele assegura que o vídeo feito com informações sobre sua vida,
de seus amigos e de sua família – que chegou a ter mais de 11 mil
acessos até ser retirado do ar – foi produzido por um jovem “infiltrado”
no protesto do dia 29 de março e diz que vai entrar
com processos judiciais contra as pessoas que estão expondo sua vida.
“Estamos tomando medidas preventivas, documentando as ameaças e vamos
entrar com um processo por incitação ao ódio. Não podemos ter medo,
senão vão entender que esse tipo de intimidação funciona”, comenta.
Ele acredita que os ataques venham de grupos organizados de extrema
direita – com a presença ou não de militares. “São grupos organizados
politicamente que podem ter militares da ativa. Mas não é a instituição
Exército que está nos atacando, são fascistas que se organizam
internamente”, explica.
Luiz Felipe garante que continuará denunciando os abusos e não se
intimidará com as ameaças. “Sabemos que é isso que eles fazem, não
podemos esperar nenhum tipo de reação diferente. São filhotes de uma
ditadura que matou, perseguiu e torturou, ainda tem muita gente que
acredita nisso. Muitos dos que eles mataram deram a vida para que
pudéssemos estar hoje protestando. Não podemos nos permitir ter medo”,
defende.
Outro manifestante exposto por Ustra, Rodrigo Mondego, também conversou por telefone com o Sul21
e disse que também vem sofrendo ameaças. “Se identificam como militares
e nos ameaçam de morte. Entramos em contato com o ouvidor da Secretaria
de Direitos Humanos da Presidência da República, com a Defensoria
Pública do Rio de Janeiro, com a OAB-RJ e vamos conversar também com
Ministério Público Federal”, avisa.
Rodrigo explica que o principal objetivo é retirar a exposição de
seus dados e dos seus amigos dos sites dos militares. “Podemos ver que
vários blogs de militares nos citam, basta colocar nossos nomes no
Google”, lamenta.
Ele acredita que há policiais da PM do Rio de Janeiro atuando para
ajudar na apuração de informações sobre sua vida e a dos outros jovens
expostos. E lembra que havia diversos agentes disfarçados da P2 – o
setor de investigações da Polícia Militar carioca – durante a
manifestação contra a comemoração do golpe no dia 29 de março. “Eles são
organizados e muita gente simpatiza com a lógica da ditadura. As
ameaças são virtuais, mas vindo de onde estão vindo, tememos que se
transformem em realidade”, considera.
Rodrigo diz que está tomando precauções quanto à sua segurança e
admite que as ameaças afetam o seu cotidiano. “A tortura psicológica
está funcionando”, desabafa.
Dentre as centenas de pessoas que participaram do protesto no dia 29
de março, apenas cinco jovens foram expostos por Ustra. Rodrigo Mondego
acredita que foram escolhidos por estarem envolvidos na organização do
ato, além de serem todos amigos de Luiz Felipe Garcez. Além disso, todos
militam na juventude do PT do Rio de Janeiro.
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