ESTIGMA
Luís Fernando Veríssimo no CONTEXTOLIVRE
É difícil acreditar que não exista, entre os militares, uma corrente, ou
talvez até uma maioria, que reprova a atitude dos clubes de reformados
das Forças Armadas em relação à Comissão da Verdade e ao esclarecimento
final do que houve nos anos de rebeldia e repressão.
Dos clubes militares só se pode esperar bravatas vazias mas ignora-se
até que nível vai a mesma insubordinação entre os da ativa.
Entende-se a resistência a remexer lama antiga mas é impossível que se
continue a sonegar à Nação uma parte tão importante da sua história. E é
impossível que ainda confundam a preservação da honra da instituição
militar com o silêncio, e prefiram o estigma das acusações nunca
investigadas ao esclarecimento.
LEGADO
Dizem que o legado mais importante de qualquer presidente americano não
são suas obras, suas escolhas econômicas ou sua herança política, são
suas nomeações de juízes para a Suprema Corte.
Os juízes supremos, com suas decisões e interpretações da lei, são os
que determinam os rumos do país, seja quem for o presidente — que é
apenas temporário, enquanto eles costumam ser longevos. A Suprema Corte
americana (muito mais marcadamente do que a nossa, onde há algumas
figuras intermediárias) se divide em conservadores e liberais, e nos
últimos anos tem sido dominada pelos conservadores. Que, apesar da
antipatia declarada da maioria por uma Corte muito “ativista”, tem se
metido bastante em política.
Foi a atual Corte, com duas ou três exceções, que literalmente doou a
reeleição ao Bush, quando houve aquele problema da recontagem dos votos
para ele e para o Gore na Flórida e havia a ameaça de que a recontagem
favoreceria o Gore. A Corte mandou parar a recontagem.
Estes mesmos juízes, quase todos nomeados por republicanos, estavam
infernizando a vida do Obama, que tenta criar um programa de saúde publica que só os Estados Unidos não têm, entre as potências industriais do mundo, e que os juízes retalharam.
CAÇA-NIQUEIS
A mesma Suprema Corte americana decidiu eliminar qualquer limite ao que
empresas e corporações podem doar aos candidatos a cargos públicos em
campanha. Antes, claro, já davam muito dinheiro escondido, ou você pensa
que a Caixa 2 foi inventada no Brasil?
Agora podem dar às claras, e o quanto quiserem. E os candidatos prometerem o melhor governo que o dinheiro pode comprar.
No Brasil deveríamos fazer o mesmo, uma espécie de leilão em que o
candidato se ofereceria abertamente ao maior patrocinador com o
compromisso de defender seus interesses no governo ou no Congresso. O
que nos pouparia de espetáculos melancólicos como o do Demóstenes —
claramente uma vítima do sistema atual de financiamento de campanhas —
negociando apoio clandestino com o rei dos caça-níqueis.
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