quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O combate à discriminação e a educação antirracista



VERA ROSANE RODRIGUES DE OLIVEIRA no sitio do CPERS


Este artigo tem como preocupação a relevância do combate à discriminação racial através das lutas impelidas pelo Movimento Social Negro Organizado, o qual nos últimos 90 anos privilegia como eixo central de suas reivindicações a educação, enquanto elemento capaz de possibilitar as mudanças de “ideias”, a fim de combater o racismo. Há muito as organizações negras lutam contra a discriminação racial intuitivamente ou não tendo na educação um de seus pilares para sua inclusão no mundo do trabalho. No entanto, é necessário vermos esta questão na perspectiva da sociedade de classes, que utiliza das diferenças sejam elas quais forem, em especial das diferenças raciais, para melhor explorar o conjunto da classe oprimida.
Assim, com a conotação de que o racismo se constituiu ideologicamente e se pauta na discriminação racial para criar as desigualdades de oportunidade e de acesso que dão origem as mais variadas formas de exploração social, que são percebidas nos campos econômico/político-jurídico e cultural e que constituem as bases da dominação e da exclusão social. Neste prisma, deve-se analisar a educação como parte de um processo ideológico de manutenção da hegemonia da elite racialmente dominante.
Pois, como salienta Lia Faria em seu artigo intitulado O papel da Escola no Processo de reversão (ou eliminação) da exclusão social (1996, p. 9-10): Longe de ser uma prática desinteressada e neutra, a educação é um importante instrumento de reprodução social, impondo ao educando o modo de pensar considerado correto, a maneira ״cientifica˝, ״racional˝, ״verdadeira˝ de se entender e explicar a sociedade, a família, o trabalho, o poder, bem como os modelos sociais de comportamento, as formas tidas como corretas de se comportar na família e no trabalho, de se relacionar com Deus, a autoridade, o sexo oposto, os ״subalternos˝.
Esta característica de reprodução de comportamentos trazida por Faria é significativa, principalmente em uma conjuntura onde as demandas por políticas de combate ao racismo, pautadas pelo Movimento Social Negro, começam a ver seus limites estruturais. Não importando se sejam elas políticas educacionais de inclusão como as Cotas e a Lei 10.639 com um caráter mais pedagógico ou mesmo as que tangem aspectos mais globais como o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em agosto deste ano de 2010 e que desconstitui ações voltadas para saúde da população negra e dos Territórios de Quilombos.
 A educação e todo o processo educacional devem ser entendidos enquanto partícipe em uma análise aprofundada e seu aspecto de manutenção da ordem discriminatória. Porém, existe uma determinada postura de mudança que também necessita ser observada, pois o movimento social negro ao optar como forma de reorganização da luta a educação, aposta na mesma como instrumento possível à mudança de mentalidade. Segundo Giroux (1988, p. 32), “a escola é uma das esferas públicas, juntamente com as associações de classe, sindicatos e partidos, isto é, espaços onde a sociedade discute e procura soluções para os seus problemas coletivos”.
As organizações negras há muito já entenderam isso. Mesmo antes do final da escravidão, o Estado Brasileiro enquanto Instituição já tinha a preocupação de determinar os critérios de acesso ou possibilidades aos negros na escola.
O Decreto nº 1.331 de 17 de fevereiro 1854 proíbe nas escolas públicas do país a admissão de escravos e prevê a instrução de adultos negros dependendo da disponibilidade do Professor. Ainda, o Decreto nº 7.031-A, de 06 de setembro de 1878, estabelece que os negros pudessem estudar no horário noturno. Teve-se ainda neste período a Lei Eusébio de Queirós, que aboliu o tráfico negreiro no Brasil, e ao mesmo tempo a Lei que regulamenta a posse e venda de terras.
Observa-se, assim, que a desigualdade entre brancos e negros não se deu de forma particularizada e individualizada, pelas potencialidades dos sujeitos. Mas se consubstancia por vias institucionais da Coroa Real.
Segundo Gohn (1995, p. 42), “as revoltas eram constantes, sendo a da Bahia uma das mais significativas. O apoio à causa da abolição começava a aparecer, vindo a ser transformado nas décadas seguintes na principal questão do país”. A história oficial nos induz a crer que as lutas negras nunca se deram de forma organizada. No entanto, pode-se citar apenas um dos vários exemplos que retratam o quanto é necessário se re-estudar a história: em 1857, trinta anos antes da abolição da escravatura, houve no Rio de Janeiro a primeira Greve de Escravos-operários do Brasil, Gohn (ibid).
Este fato é significante, uma vez que a maioria dos acadêmicos, bem como os militantes sindicais no país, reconhece as lutas organizadas apenas a partir do anarco-sindicalismo, ou seja, do ingresso da imigração Italiana.
Problematizar estes elementos dá sentido às indagações levantas pelo Professor Cunha Junior, de que a produção acadêmica, conta apenas a história dos eurodescendentes, seja pelos setores mais reacionários ou progressivos da intelectualidade. Ou como ainda expresso pelo militante trotskista, James Cânon (2000, p. 03):O movimento socialista anterior [...] jamais reconheceu a necessidade de um programa especial para a questão do negro. Esta era considerada pura e simplesmente um problema econômico, uma parte da luta entre os operários e os capitalistas, a ideia era que não se podia fazer nada sobre os problemas especiais da discriminação e desigualdades antes da chegada do socialismo.
Trilhar o caminho constituído pelo movimento negro até a formulação de que o Estado tem papel emblemático, através das políticas públicas e ações afirmativas como forma de reparações aos crimes da escravidão é fundamental. Em 2001 na III Conferência Internacional Contra o Racismo, a Discriminação, a Homofobia e todas as formas de Intolerância, Correlatas, em Durban, na África do Sul, o racismo foi reconhecido como Crime que Lesa a Humanidade. É preponderante para se perceber a possibilidade da mudança estrutural das condições de desigualdade vividas pelos negros.
A política de cotas em sua formulação atual é um anseio da história contemporânea. No entanto, tem suas raízes desde as associações de ajuda mútua do início do século XIX, passando pela Frente Negra Brasileira e o Teatro Experimental do Negro, a fundação do Movimento Negro Unificado, em 1978 até a configuração da Lei de Cotas em 2001.
Entender o papel educativo da luta negra inferindo no papel social da educação é contribuir no processo de desalienação em que o capitalismo submete a todos de uma forma indistinta, criando a divisão dos próprios trabalhadores, seja, pelas questões de exploração de classe através de salários e condições de trabalho diferenciadas, entre negros e brancos, homens e mulheres, seja pelas possibilidades de acesso aos recursos institucionais, como escolas, universidades, trabalho e outros.
Pois, tanto as relações sociais de produção, e reprodução, como a escola educam o trabalhador para divisão, e essa divisão gerada é que permite que o conhecimento científico e o saber prático sejam distribuídos desigualmente. Assim, também não nos permite entender o processo de construção das relações sociais e do mundo do trabalho.
Estes elementos emblemáticos necessitam ser analisados e incorporados ao espaço da sala de aula, visto ser premente políticas públicas e ações afirmativas como cotas nas universidades, nos serviços públicos, salário igual para trabalho igual, a real implementação da Lei 10.639 ou mesmo a re-discussão de um Estatuto da Igualdade Racial que leve em consideração não apenas os termos raça, racial, escravidão e discriminação que foram abolidos, mas que reveja recursos para implementação de todas as ações necessárias principalmente na educação.

VERA ROSANE RODRIGUES DE OLIVEIRA  é doutaranda em Educação/UFRGS

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