terça-feira, 5 de outubro de 2010

Golpe no Equador: O fantasma persiste em rondar nosso continente


Enquanto os olhares do mundo se distraiam voltados para as disputas eleitorais brasileiras, o soturno – e nem um pouco sorrateiro – fantasma das ditaduras se preparava para nos assombrar, mais uma vez. Pouco mais de um ano após o golpe que solapou a democracia em Honduras, na tarde de ontem, 30 de setembro de 2010, a América Latina viveu mais um episódio de atentado contra um governo em exercício.
O alvo dessa vez foi o progressista e democraticamente eleito governo de Rafael Correa, presidente do Equador. Essa contradição é no mínimo pedagógica. É um balde de água fria no otimismo cego que em época de eleições toma conta da parca democracia que conquistamos. Otimismo que também nos impede de enxergar no que realmente estamos metidos.
O que sabemos até o momento é que o estopim da crise – que, felizmente, parece já estar sendo controlada – foi o protesto realizado pela Polícia Nacional do Equador contra um projeto de lei aprovado na quarta-feira (28/9) pela Assembleia Nacional. Um dos artigos da legislação prevê reduções nos benefícios salariais da categoria. Para o governo e a ampla maioria dos movimentos sociais daquele país, o rechaço à lei foi usado como um pretexto para uma truculenta tentativa de golpe de Estado.
Por mais que os poderosos veículos de imprensa do Brasil e de outros países de nosso continente se esforcem para afastar a ideia de golpe, colocando-a como mera especulação, as ações que se sucederam na empreitada frustada de instauração de uma crise naquele país não ocorreram gratuitamente.
O Equador vive hoje um processo de politização e mobilização popular impulsionado, dentre outros diversos motivos, pela eleição do governo Correa. Está também em curso um processo de mudanças profundas que está afetando as oligarquias locais. Uma das ações desse processo foi a instauração de uma auditoria da dívida pública daquele país, que trabalhou em busca da verdade sobre o endividamento público e, assim, levantou diversas irregularidades no pagamento das dívidas contraídas com bancos privados e possibilitou a redistribuição dos gastos do Estado equatoriano. A medida, que é defendia pelo candidato do Psol à Presidencia da República do Brasil, Plínio Arruda Sampaio, também altera os ânimos da elite de nosso país que, por isso mesmo, faz questão de descredibilizar e destratar o candidato por todos os meios dos quais dispõe.
Além disso, em 2009, contrariando os interesses dos EUA, o Equador fez a opção de não renovar o acordo que mantinha em seu território a base militar de Manta. É sabido que o governo de Correa não desperta a simpatia de Washington. Ou seja, motivos existem de sobra.
As experiências de governos progressitas como o de Correa no Equador, que resistem democraticamente em nosso continente, colocam-se como um dilema para as elites nacionais e para a direita. Nesse contexto, os golpes, o autoritarismo e o atropelo das instâncias democráticas estabelecidas e em atividade voltam a ser uma aposta para os setores reacionários mais atrasados. O que mais nos importa é questionar por quais razões continuamos a testemunhar essa postura de truculência pela qual as elites, quando contrariadas, insistem em se impor. A relação dessa postura com as dívidas que colecionamos com o nosso passado é grande e não diz respeito apenas à história de violação e assassinato inaugurada pela colonização européia. Diz respeito também a um acerto de contas mal feito com a ditadura militar. E nesse quesito, o Brasil é um belo exemplo, afinal por aqui torturadores e mandantes continuam a assombrar, vangando livres e gratos pela cumplicidade da Justiça.
Não podemos subestimar a força do passado, tampouco deixar ser apagada nossa memória, pois é do esquecimento que ressurgem os fantasmas. Há pouco vivenciamos a tragédia de Honduras, ontem foi o Equador. As elites de nosso continente são as mesmas de ontem e seu caráter também é o mesmo, basta que enterremos nossa memória para vermos a palavra se realizar: golpe.
A verdade que nos resta é que a postura de truculência golpista persiste em reaparecer em nosso continente. Não podemos aceitar que os fantasmas das ditaduras militares continuem a passear livremente pela América Latina e o Caribe, contra os ventos de mudanças sociais e políticas em curso em muitos países do continente. É preciso termos tudo isso vivo em mente, para que não estejamos sujeitos ao mesmo destino no dia em que conquistarmos as mudanças sociais profundas e necessárias que ainda não foram realizadas por nenhum governo em nosso país.

* Raul Marcelo é deputado estadual pelo PSOL em São Paulo, membro da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo e da Frente Parlamentar de Solidariedade a Cuba e candidato à reeleição.

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