terça-feira, 29 de maio de 2007

A Europa conservadora

A Europa conservadora

Emir Sader

O triunfo – mesmo que apertado – da direita nas eleições municipais espanholas confirma a tendência geral na Europa de alinhar-se à direita, somando-se à tendência predominante, entre outros países, na Inglaterra, na Alemanha, na França, em Portugal, na Suécia e na própria Itália. Aqui, uma coalizão muito ampla conseguiu arrebatar o governo a Berlusconi por muito poucos votos, mas pode-se dizer que a metade dos italianos vota por Berlusconi e uma parte não desprezivel dos que votaram contra ele podem ser catalogados como conservadores.

Na Espanha, Aznar teria eleito seu sucessor nas eleições presidenciais anteriores, não fosse sua empáfia de querer atribuir ao ETA os atentados de dois dias antes do fechamento da campanha eleitoral, o que levou a um movimento de opinião que permitiu que o PSOE - que havia estado atrás do PP durante toda a campanha eleitoral - supreendentemente triunfasse.

Zapatero tratou de consolidar aquela maioria ocasional, com iniciativas relativamente audaciosas, como a retirada das tropas espanholas do Iraque, certa limitação do financiamento das escolas religiosas, o reconhecimento do casamento dos homosexuais, avanços nos processos de autonomia – especialmente na Catalunha –, uma reivindicação dos combatentes republicanos contra a versão franquista e a tentativa – frustrada pelos novos atentados do ETA – de pacificação com este movimento basco. Agora, o PP retoma sua maioria, ainda que por pequena margem, colocando dúvidas sobre a continuidade do governo socialista nas próximas eleições presidenciais.

O fenômeno do voto de direita na Europa reflete uma tendência de fundo: nunca o continente viveu tão bem em seus níveis médios de vida, nunca esteve tão distanciado – nesse plano, mas também em interesses – dos países da periferia capitalista. A era neoliberal viu praticamente a totalidade dos governos europeus aderir ao novo modelo, somar-se à aliança com os EUA contra a periferia capitalista e unificar-se com um modelo adequado à nova hegemonia. Momento decisivo na virada foi a mudança radical de política de François Mitterrand, em 1983, depois de ter assumido como primeiro-ministro um ano antes e começado a colocar em prática a tradicional política da esquerda francesa de maior regulação estatal, nacionalização de empresas, extensão dos direitos sociais, solidariedade com a periferia capitalista.

Essa virada, somando-se às políticas que Thatcher e Reagan lideravam, representou uma ruptura total com os interesses dos países periféricos – aderindo aos globalizadores contra os globalizados -, iniciando o processo de adesão ao novo modelo por parte da social-democracia, seguido imediatamente por Felipe Gonzalez e o PSOE na Espanha.

Este novo modelo, por sua vez, aprofundou as tendências estruturais à guinada direitista da Europa, começando pela passagem do pleno emprego a taxas altíssimas de desemprego estrutural – de dois dígitos, fenômeno que encerrava os chamados “trinta anos gloriosos”, iniciados no segundo pós-guerra, que incluíam o pleno emprego. Isto, somado à chegada maciça de mão-de-obra estrangeira, ao enfraquecimento correspondente do movimento sindical e da esquerda – pelo debilitamento dos partidos comunistas, gerou as condições sociais para uma recomposição à direita da opinião pública européia.

A unificação continental não representou independência em relação aos EUA, com o eixo Londres-Washington significando uma presença norte-americana na Europa, assim como o apoio de governos conservadores no continente. Os problemas que desafiam a tranqüilidade dos europeus vêm da periferia: os imigrantes – absolutamente necessários para eles, mas que colocam dilemas ideológicos, sociais e econômicos – e atentados – reais ou temidos.

Os novos movimentos, surgidos no bojo dos foros sociais mundiais tiveram seu auge nas mobilizações contra a guerra do Iraque - as maiores que a Europa havia conhecido. No entanto, a própria concepção dominante – espontaneísta - levou a que não tivessem continuidade, fenômeno que afeta também a principal organização social do novo período – Attac – que não encontou sua expressão no plano político. A desconexão entre as mobilizações sociais – incluindo o não francês no plebiscito pela nova Constituição – e suas expressões políticas termina contribuindo para que a direita possa se impor com mais facilidade diante de uma esquerda tradicional excessivamente moderada e distante dos novos movimentos sociais e de uma extrema esquerda envelhecida e fragmentada.

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