terça-feira, 26 de junho de 2007

O sujeito do consumo e os laços afetivos



“...A onipotência e a onipresença da mídia determinam o que se come, onde se vive, como e onde se morar e se divertir, o que trajar, o que se ler, em que se acreditar, como deve ser a história da vida cotidiana no terceiro milênio, na pós-modernidade. O consumo é a nova ordem e a nova lei que eternizam o bem descartável, no seu tempo veloz (mais rápido de que o “o infinito enquanto dure” do poetinha Vinícius de Moraes), enquanto não chega a nova tendência, ditada pelos interesses econômicos que tornam tudo substituível e superado, para garantia de novos lucros.
O consumismo cria necessidades artificiais com tal força e apelo que há o esvaziamento, ou uma perversão do senso crítico, a ponto de que ao se possuir um objeto que não seja o último lançamento, mesmo cumprindo sua finalidade, pode se enfrentar constrangimentos.
O exemplo dos celulares é pertinente: de uma semana para outra, aparecem novos modelos, com opções das mais variadas, que não se relacionam com sua finalidade básica. O novo aparelho é o que vende, é o que está na moda, é o que exibido, garante aceitação, é fashion.
Segundo Boltanski, a mídia é a grande divulgadora do consumo, investindo no público feminino, através de revistas que são lidas pelas mulheres das classes superiores, médias e populares, difundindo o comportamento e a necessidade da classe alta, aumentando o consumo de roupas, produto de beleza, bronzeadores, emagrecedores, etc. As necessidades virtuais são impostas como normas e padrões de consumo próprios das classes superiores, sob a ótica das classes dominantes. O autor cita as revistas francesas Elle e Marie-Claire, com versões em português para o Brasil, que visam as mulheres porque socialmente elas são detentoras da função de consumo. Elas prestam mais atenção ao corpo e exteriorizam mais seus gostos.

Tendo em vista que o índice de analfabetismo é alto no Brasil e o poder aquisitivo bem mais restrito que o francês, há que se pensar que as novelas, principalmente as da “emissora do plim, plim”, têm cumprido esse papel de manipulador e que vem massificando as escolhas. Para o mesmo autor, perder peso, fazer plástica e lipo aspiração são os cânones de beleza das classes superiores e o mal estar, a vergonha de não usufruir desses valores é a “vergonha de classe”.

O apelo ao consumo universaliza metaforicamente a finitude humana. As relações de afeto interpessoais e intrafamiliares são fragilizadas e inconsistentes nos programas e nas propagandas televisivas, que bombardeiam a qualquer hora, sem distinção da faixa etária que deve ser atingida. A exemplo dos objetos que se compra, utiliza por algum tempo e logo se despreza, o sujeito não cria vínculos estáveis com sua família nuclear, mas submete-se à tirania de ter mais e cada vez mais. É a alienação do poder econômico, gerando a alienação do consumismo, que por sua vez, gera a alienação das relações parentais. Essa deve ser uma das razões porque filhos abastados ou drogaditos têm sido notícia por terem assassinado seus genitores. Eles representavam uma lei ultrapassada, uma lei que devia permanecer, e por isso, eram um obstáculo ao vício do consumo.

A sociedade coletivamente não se deita no divã, mas o indivíduo ao deitar-se a traz consigo na sua formação, na sua subjetividade, na sua história, na sua cultura, nas suas relações sociais. O sintoma fala do sujeito singular e o habitus, segundo Bourdieu, fala do sujeito da cultura, analisado coletivamente. A sociedade é a grande família, as instituições sociais, funcionam como a grande lei que interdita. O desejo de consumo não existe apenas entre os que detêm o poder de adquiri-los. O apelo da mídia desperta necessidades de consumo em todas as camadas sociais. O consumismo desenfreado que parece nivelar a todos na pseudo democratização do desejo, tem sua face discriminatória e exclui o acesso. Muitos são chamados e pouco são os escolhidos. Muitos são seduzidos e poucos são os que podem se satisfazer.

Alguns burlam ou sublimam sua frustração aderindo às alternativas, aos similares, aos genéricos. Para Boltanski, quem tem dinheiro compra uma roupa de couro e quem não tem usa napa; quem pode, usa jóia e quem não pode, enfeita-se de bijuterias. Constata-se que há poder aquisitivo para o Mac Donald, para o Habibs e para os vendedores de lanche ambulantes. Há produção de objetos personalizados, caros, de produção restrita, com o nome e ao gosto do freguês para o primeiro grupo. Para o segundo, há uma produção em massa, indiferenciada, homogenizadora.
Existe o terceiro grupo que é maior em quantidade e não tem poder aquisitivo algum. É uma grande parcela da população que é hipnotizada pela mídia, tem o convite universal ao consumo, mas são todos excluídos, por não terem poder de compra. Essa frustração renovada é uma das causas da violência urbana, que banaliza a vida do ser humano, a ponto de valer menos do que um tênis, entre os rebeldes, aqueles mobilizam a força policial nos grandes centros, principalmente, nas grandes festas de consumo, tais como Natal e Carnaval. A frustração também causa a “doença dos nervos” que se manifesta nos corpos e no psiquismo dos enquadrados, dos que se resignam.

Exagerados ou sensíveis ao desenrolar dos acontecimentos, os diretores e roteiristas da sétima arte focalizam o outro lado da moeda. Estão anunciando que o homem, a sua realidade e sentimentos não passam de uma grande construção: tão frágil, quanto virtual. Anunciam que há o tempo de caçar e há o tempo de ser caçado. Sugerem que pode ocorrer a inversão e o grande consumidor pode ser consumido. É possível que nessa leitura cinematográfica, que questiona e ameaça o domínio e o direito do homem sobre sua vida e atos nas sociedades modernas, esteja a paranóia do criador que na sua ambivalência admira e teme o que criou...”

Dalva de Andrade Monteiro, Médica homeopata, psicanalista

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