segunda-feira, 23 de julho de 2007

As grandes manobras

Nos próximos meses, em antecipação da Cúpula Europa-África, a África vai estar na mira de muitos interesses. A minha suspeita é que nenhum deles seja o interesse das populações africanas injustamente empobrecidas.

A nova fase da globalização chama-se regionalização. Na Ásia, na África e na América Latina aprofundam-se os laços de cooperação entre os países com vista a melhor responder aos “desafios globais”. Todos estes movimentos ocorrem sob olhar atento das grandes potências.

Nos próximos meses, em antecipação da Cúpula Europa-África, a África vai estar na mira de muitos interesses. A minha suspeita é que nenhum deles seja o interesse das populações africanas injustamente empobrecidas. Temo que, mais uma vez, os desígnios globais se combinem com políticos e políticas locais no sentido de privarem os povos africanos do direito a um desenvolvimento justo e democraticamente sustentável.

No caso da África, a Europa tem uma dívida histórica, decorrente do colonialismo, a qual, para ser paga, obrigaria a uma política africana muito diferente da dos EUA. Para estes, os objetivos estratégicos na África são os seguintes: luta contra o terrorismo, controlo do acesso aos recursos naturais, contenção da expansão chinesa.

Muitos países do continente (por exemplo, Angola) apoiam ativamente os EUA na luta contra o terrorismo. A crescente importância do golfo da Guiné (Nigéria, Angola, São Tomé e Príncipe) para assegurar o acesso ao petróleo está bem patente na recente criação do Comando de África pelo Pentágono.

A contenção da China é mais problemática não só pela força abissal que ela representa – em 2005, a China consumiu 26% do aço e metade do cimento produzido em todo o mundo – como pelo fato de se dispor a investir em todos os países que as potências ocidentais rejeitam, do Sudão à Somália.

Se a Europa não tiver outros objetivos, em nada poderá contribuir para os problemas que se avizinham. Estes têm a ver com o agravamento da injustiça social e com a recusa das populações a sujeitarem-se ao papel de vítimas.

A condenação política de Robert Mugabe não pode deixar de ter em conta que a Inglaterra não cumpriu o compromisso assumido no tratado da independência de co-financiar a reforma agrária do Zimbabué, consciente como estavam as partes de que 1 a 2% da população (branca) ocupava 90% da terra agrícola e 4000 agricultores (brancos) consumiam 90% da água disponível para o regadio.

O fato de a situação na África do Sul e na Namíbia não ser muito diferente faz temer pela estabilidade na África Austral. As relações tensas entre Angola e a África do Sul – com boatos de tentativas cruzadas de assassinatos políticos que não serão totalmente destituídos de fundamento – não são bom prenúncio.

Angola destina-se a ser um grande ator na região. Para isso, é fundamental que se não repita em Angola o que está acontecendo na Nigéria, onde a produção petrolífera baixou para metade devido à violência política no delta do Níger provocada pela injustiça na distribuição da renda petrolífera.

Preocupa que em Angola não se vislumbre o mínimo gesto de redistribuição social (tipo bolsa-família do Brasil) quando é certo que uma migalha (digamos, o equivalente a um dia dos rendimentos do petróleo) permitiria à população dos musseques de Luanda comer uma refeição digna por dia durante um ano.


Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

Nenhum comentário: