sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Pagrisa: empregados viviam em condições subumanas


“A alimentação feita sob o sol escaldante e que, segundo os obreiros, causava problemas intestinais em muitos empregados, regada a água oriunda dos banheiros e em temperaturas elevadas para serem consumidas por um ser humano ressaltam ainda mais a degradação a que aqueles estavam submetidos”, esse é uma pequena descrição do relatório da fiscalização na fazenda Pagrisa. Os 18 volumes foram apresentados no Senado nesta quarta-feira (26), pelo ministro do Trabalho e Emprego, Carlos Lupi. O Portal Vermelho teve acesso ao material.



O documento é bastante descritivo e revela as condições subumanas a que os trabalhadores eram submetidos. Ao iniciar a inspeção na empresa, que foi realizada no período de 28 de junho a 08 de julho de 2007, os ficais do Grupo Especial de Fiscalização Móvel já se depararam com problemas: “Antes de sairmos para as frentes de trabalho, fomos abordados por alguns empregados que estavam prestes a ter seus contratos de trabalho rescindidos pela empresa. Aqueles afirmavam que não estavam pedindo demissão, mas, em suas rescisões contratuais, constava a dispensa a pedido do empregado”.

O relatório mostra que “durante a inspeção nos alojamentos, nas frentes de serviço, na cozinha e refeitórios, em entrevistas com os empregados, através de termos de declarações dos obreiros e analisando os documentos apresentados, o Grupo constatou diversas irregularidades, que caracterizaram o trabalho em condições degradantes na empresa, que relataremos a seguir”:

Lameiro

O primeiro local para onde o grupo foi elevado foram ao alojamentos. Foi constatado que os locais em que os trabalhadores eram alojados estavam superlotados. “As redes dos empregados, além de não serem fornecidas pela empresa, estavam dispostas muito próximas e sobre as outras, não proporcionando as mínimas condições para uma noite de repouso que recuperasse os empregados que passavam o dia em uma atividade desgastante como é o corte da cana-de-açúcar”.

Lameiro era o nome sugestivo que se dava a um dos alojamentos. “No local, havia um esgoto a céu aberto que era despejado diretamente na represa ao lado, utilizada pelos empregados para tomar banho e lavar suas roupas. Tal prática de tomar banho na represa era estimulada pelo fato de faltar água nos horários em que os empregados tomavam banho”.

Um dos obreiros, Cristiano Costa Martins, relata que, em seu alojamento, apenas posteriormente foi colocado um bebedouro e este nunca funcionou, motivo pelo qual todos tomavam água da torneira, sem filtragem e sem resfriamento; que os banheiros dos alojamentos são muito sujos, a maioria das descargas não funcionava e que, muitas vezes, faltava água quando os empregados chegavam do serviço e alguns tinham que tomar banho no rio”.

“Os instrumentos de trabalho também eram guardados nos alojamentos, nos mesmos armários utilizados por alguns empregados para depositar suas roupas e demais pertences pessoais. Como se vê, o conforto nos alojamentos era artigo de luxo para os empregados”, denúncia o relatório.

Em nota, a própria empresa reconheceu que havia superlotação de alojamentos, sob a justificativa de que um gerador de energia havia quebrado dias antes. “Tal alegação, entretanto, não foi apresentada perante a fiscalização antes da divulgação da nota, nem coincide com as declarações dos obreiros, que, em seus Termos de Declarações, afirmaram que, desde as suas respectivas contratações, convivem com a superlotação dos alojamentos”. O material também mostra um trecho do depoimento da Engenheira de Segurança da empresa, Cíntia Lobo do Nascimento, confirmando a situação dos obreiros nas áreas de vivência.

Refeições

Os fiscais constataram que “foram construídos locais para refeição em algumas frentes de trabalho, onde os empregados almoçavam diariamente; entretanto, não havia assentos suficientes para todos, nem proteções laterais que os livrassem da poeira que atingia suas refeições. Há relatos de empregados que faziam suas refeições nas próprias frentes de serviço, sentados sobre suas garrafas térmicas ou no chão e embaixo de caminhões, quando as frentes de trabalho estivessem distantes de algum refeitório”. A Pagrisa também isso reconheceu em nota.

Muitos empregados relataram que faziam suas refeições e, logo depois, voltavam para o corte de cana, para poder produzir mais, não gozando de um intervalo razoável para recuperar suas energias e voltar para o campo. “A pressão para produzir era tão grande, que havia proibição expressa de os empregados fazerem lanche nas frentes de serviço, pois o tempo gasto nesse intervalo prejudicaria a produção da empresa”.

Doenças

Os empregados trabalhavam em média 12 ou mais horas diárias e muitos não garantiam o suficiente para comer ou pagar remédios que precisassem utilizar. Os empregados falaram as ameaças que sofriam. Também relataram as pressões a que eram submetidos quando acometidos por enfermidades. “Segundo estes, era raríssimo um obreiro conseguir atestado médico quando estava enfermo; e havia ameaças diárias de descontos de dias parados, caso os empregados não fossem trabalhar sob a justificativa de estar doentes”.

Todos os medicamentos utilizados pelos empregados eram descontados do pagamento. “De acordo com as folhas de pagamento, no mês de abril, o valor descontado dos funcionários a título de farmácia foi de mais de dez mil reais, já no mês de maio, os descontos chegaram a quase vinte mil reais. Sobre tais descontos, a empresa não fazia os recolhimentos a título de FGTS e INSS. Seguem anexos ao relatório, comprovantes de cobrança de medicamentos”.

Outro dado alarmante são os preços a que eram vendidos os medicamentos. Existiam casos de ágio de mais de cem por cento. O relatório disponibiliza os valores de alguns remédios comparados aos de uma farmácia do município de Marabá-PA. Como exemplo, um Sedilax em Marabá custava R$ 3,00, na Pagrisa custava R$ 8,00.

Salários

Os salários eram pagos de forma totalmente ilícita. “Estes chegaram ao grupo de fiscalização com contracheques zerados ou com valores irrisórios, que, em alguns casos, não chegavam a R$ 10,00 (dez reais). Quando recebiam um pagamento com um valor tão acanhado, nem recebiam a referida verba, em face da insignificância”.

“A empresa não garantia o salário mínimo aos empregados, que recebiam por produtividade. Tal fato, somado aos descontos de alimentação e de medicamentos que os empregados consumiam, fazia com que, em muitos casos, empregados recebessem apenas o suficiente para pagar os seus gastos com comida e medicamentos”, informa.

Direita em ação

Antes de iniciar toda campanha de desqualificação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, os parlamentares da direita já começaram a se movimentar para descredibilizar o trabalho.

No dia 07/07, período da fiscalização, chegou à fazenda, em um avião, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) que, depois de visitar as instalações da empresa e conversar com alguns empregados e seus diretores, dirigiu-se à equipe de fiscalização e conversou com o coordenador e outros dois Auditores-Fiscais do Trabalho, relatando o que vira, além de perguntar se a equipe de fiscalização havia trazido à fazenda, repórteres da Agência de Notícias Reuters”.

“Durante a conversa, o senador afirmou que a imagem do Brasil estava ruim no exterior e perguntou ao coordenador do grupo se este já havia visto condições de trabalho piores que as da empresa Pagrisa”.

Assessoria de imprensa

Continuado o processo de desqualificação do Grupo Móvel, a empresa “manteve, em atividade, durante toda a ação fiscal, um cinegrafista por ela contratado, além de um assessor de imprensa próprio, provável autor das notas divulgadas” sobre o trabalho realizado.

“Cabe ressaltar que a empresa proibiu, terminantemente, a entrada da imprensa em suas dependências, o que seria de seu mais relevante interesse, caso a situação dos trabalhadores fosse distinta da ora relatada e não existissem as práticas ilícitas apontadas pela equipe fiscal”, esclarece.

Fiscalização

A fiscalização aconteceu a partir de denúncias de trabalhadores, que informaram “sobre pagamento de salários baixíssimos, consumo de água poluída, alimentação de baixa qualidade, jornada exaustiva e péssimo tratamento dispensado a eles pelos prepostos da empresa”, tendo sido comprovadas posteriormente. Durante a operação foram lavrados 23 autos de infração e 1064 empregados resgatados.

A fazenda em que se localiza a Pagrisa tem uma área de aproximadamente 17.000 ha (dezessete mil hectares), também pertencente ao Grupo (Pagrisa) , que tem como atividade principal o cultivo de cana-de-açúcar, para posterior fabricação de álcool. A Pagrisa localiza-se na Rodovia BR-010, km 1565, estrada da Cauaxi.

O relatório descritivo pode ser lido neste link, em PDF.

De Brasília
Alberto Marques

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