quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Outra economia, além do capital

Diplo - editorial


Espalham-se pelo planeta empreendimentos que organizam produção, comércio e finanças segundo valores e lógicas de solidariedade. Carola Rentjes, uma das referências internacionais desse universo, inaugura, no Le Monde Diplomatique Brasil, uma coluna sobre ele


Por tradição, quando falamos de economia (local e global, micro e macro), militantes, movimentos, pensadores e intelectuais da denominada esquerda [1] têm mantido uma atitude ambígua ante o terreno lamacento que a rodeia, associando-a, per si, com economia globalizada, a cara oculta da democracia, a mão invisível (mas onipotente) do mercado e o capitalismo em suas expressões mais excludentes.

Ante essa associação negativa, os mesmos atores têm preferido, em sua grande maioria, excluir o terreno econômico de sua intervenção cívica e política. Em sua agenda social e política entraram reivindicações dirigidas à economia globalizada-neoliberal-neoconservadora — mas não visões alternativas do mundo econômico. Teremos limitado nossa capacidade criativa de visualizar e construir outro mundo possivel a propostas e alternativas do âmbito social, político e cultural — sem vislumbrar outra economia possível?

Entretando, milhares de pessoas — formiguinhas em todos os cantos no mundo — não somente se atreveram a sonhar com outra economia mas também a estão construindo. Passo a passo, ladrilho por ladrilho. A utopia é o máximo do possível. E esse axioma vale, também, para o mundo da economia, como bem demonstram tais iniciativas de economia alternativa e solidária.

Elas surgem da necessidade de dar resposta à progressiva deterioração social, econômica e cultural que vivem as populações, devido à da crescente desumanização da economia, à degradação do meio-ambiente e da qualidade de vida, à falta de valores éticos, à piora paulatina do nível de cultura e de educação. As conseqüências mais evidentes dessa desumanização da economia são: o aumento da pobreza e as desigualdades sociais, afetando em especial a população vunerável (mulheres, menores, indígenas, etc.), a exclusão social e econômica, o desemprego e o emprego precário. A magnitude dos problemas que impregna nossa realidade cotidiana nos afeta, nos implica, nos põe diante de desafios e nos exige respostas que se desviem de tais carências e injustiças.

A Economia Alternativa e Solidária é uma forma de gerir a economia e a sociedade, e engloba todas as atividades da cadeia produtiva/comercial/financeira, até o consumo. Com seu enfoque global e sua marca ética, contribui para democratizar e socializar a economia e democratizar a sociedade.
Um mundo de novas práticas e princípios

A nova economia consiste em produzir critérios ambientais e sociais, organizar as iniciativas sociais e empresariais, e os que nela trabalham em entes auto-gestionados. Significa produzir, gerir, comercializar e consumir com critérios éticos. Depositar a poupança em sistemas financeiros baseados em solidariedade. Consumir produtos ecológicos ou de comércio justo. Usar dinheiro social ou moeda local. Tecer redes de troca solidária, de desenvolvimento local, ou de serviços da proximidade, educativos ou culturais. Todas essas manifestações contribuem no dia-a-dia — e a partir do setor econômico — para construir outra globalização.

O leque de setores envolvidos é extenso. Um elemento unificador é a busca e realização de atividades econômicas de alto componente social, ambiental e solidário. Diferentes realidades e redes setoriais representam, em todas as regiões do planeta, a face mais conhecida de tal realidade: consumo ético, finanças solidárias, comércio justo de bens e serviços. Agroecologia e agricultura sustentáveis. Meios e redes de comunicação alternativa. Desenvolvimento local, desenvolvimento rural, projetos comunitários no meio urbano. Diálogos interculturais. Sistemas de trocas solidárias e de moeda local e consumo responsável são algumas das tentativas concretas de resposta coletiva e criativa na busca de outra economia possível.

Nos últimos anos, o lema do Fórum Social Mundial tem ganhado notoriedade: Outro mundo é possível. A Economia Alternativa e Solidária contribui na construção desse outro mundo. Não existe a possibilidade de transformação política e social se não há transformação econômica.
Suprir desejos, evitando consumismo

Essa aproximação inovadora visa recuperar as raízes da economia, colocando-a a serviço das necessidades de todas as pessoas. Evita-se, assim, que tais necessidades assumam apenas a forma de demanda de mercadorias, que é estimulada pela propaganda consumista do capital e termina varrendo a rica variação cultural que deveria caracterizar um mundo global. O desafio consiste em repensar, reorientar e reconstruir a economia, para colocá-la a serviço do ser humano e da natureza.

O principal sujeito do desenvolvimento político, socioeconômico e cultural deve ser o próprio povo, pessoa por pessoa. Outro mundo é possível, e outro mundo poderá ser construído, somente se alcançarmos a transformação de valores, estruturas e relações econômicas, das pessoas e comunidade para o mundo. Nosso objetivo final é uma mundialização cooperativa da solidariedade, uma economia (do grego eco-nomia) recriada como a gestão e o cuidado (nomia) da casa (oikos), desde o doméstico, o lar e a comunidade local até o Planeta Terra

Tradução: Gabriela Leite

[1] Na hipótese de que tal ente ideológico-homogêneo exista e, é claro, sem a prestensão de querer definir esta esquerda, ou de julgar se existe a esquerda

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