domingo, 28 de outubro de 2007

Ruralistas ignoram Estado Democrático de Direito



Mateus Alves - CorreioDaCidadania

O conflito em Santa Tereza do Oeste, no estado do Paraná, entre a milícia da empresa NF Segurança e militantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e da Via Campesina, é a mais recente demonstração da total ignorância da existência de um Estado Democrático de Direito no Brasil por ruralistas, que continuam utilizando a violência rotineiramente.

O assassinato do sem terra Valmir Mota de Oliveira, também conhecido como Keno, ocorreu após a reocupação das terras utilizadas pela transnacional Syngenta Seeds para o plantio de sementes transgênicas experimentais. Na manhã do dia 21 de outubro, cerca de 150 agricultores tomaram a área – cujas funções têm sua legalidade contestada devido à proximidade ao Parque Nacional do Iguaçú - e renderam os seguranças da NF, cujas armas foram retiradas.

A reação da milícia da NF ocorreu às 13h30 do mesmo dia, quando um ônibus estacionou em frente à ocupação e cerca de 40 pessoas armadas desceram do veículo atirando contra os ocupantes. Keno, de 42 anos, foi atingido no peito por dois tiros; outros seis sem terra foram gravemente feridos.

De acordo com as testemunhas, a milícia tinha a intenção de assassinar os líderes dos movimentos sociais presentes no local. Uma denúncia anônima, feita dias antes, avisava de “uma armadilha que estava sendo preparada pela UDR (União Democrática Ruralista)”.

Conseguiram escapar com vida da ação paramilitar Celso Ribeiro Barbosa e Célia Lourenço, que, juntamente com Keno, eram os líderes sem-terra almejados pela milícia.

Paramilitares ilegais

Contratada pela Syngenta Seeds para proteger os campos experimentais, a NF Segurança atuava de forma ilegal na região, sendo inclusive alvo de uma ação da Polícia Federal ocorrida em outubro, quando foram apreendidas armas e munições ilegais na sede da empresa.

Embora a transnacional negue ter dado qualquer ordem para a retomada da área ocupada, a prática de violência por milícias ligadas à empresa de segurança contratada pela Syngenta já havia sido denunciada pelos trabalhadores rurais (clique aqui para ver o documento com as diversas denúncias) em audiência pública com membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal na capital Curitiba, realizada poucos dias antes da tragédia em Santa Tereza.

A Sociedade Rural do Oeste (SRO) e o Movimento dos Produtores Rurais (MPR), associações ruralistas lideradas pelo fazendeiro Alessandro Meneghel, são citadas como fomentadores de milícias armadas na região oeste do Paraná, um dos principais focos de conflito agrário no país.

"Os ruralistas cometeram diversas agressões contra agricultores na região, como o fechamento de estradas no ano passado, ameaças por telefone e a invasão do assentamento vizinho às áreas da Syngenta", diz a advogada da ONG Terra de Direitos, Gisele Cassano.

De acordo com a advogada, a criação do MPR teve como principal intuito a arrecadação de fundos para a contratação de seguranças para garantir a reintegração de posse em terras ocupadas na região.

A utilização de milícias em ações contra a população constitui grave afronta à Constituição Federal, que, por meio de seu artigo 5º, inciso XVII, proíbe a formação de grupos paramilitares. No entanto, durante a audiência com a CDH da Câmara, os ruralistas já afirmavam que iriam contratar empresas de segurança para remover ocupações em áreas improdutivas no Paraná.

Ataque a princípios democráticos

A formação de milícias não tem sido o único instrumento antidemocrático utilizado por ruralistas no embate que travam contra instituições e organizações progressistas no Brasil.

No mês de agosto, ativistas do Greenpeace, da OPAN (Operação Amazônia Nativa) e dois jornalistas franceses foram impedidos de chegar às áreas indígenas em Juína, no Mato Grosso, pelo prefeito da cidade, Hilton Campos (PP), levado ao cargo devido ao apoio que possui entre os fazendeiros da região.

Assim como no Paraná, a expansão do agronegócio sobre terras ilegais ocorre freqüentemente em Juína. Os alvos dos fazendeiros, no entanto, são os indígenas Enawenê-Nawê, que reivindicam seus direitos sobre terras ainda não demarcadas.

A truculência dos fazendeiros com os ativistas e jornalistas, cercados no hotel onde estavam e levados a uma audiência na Câmara Municipal da cidade, está registrada em um documentário intitulado "Amazônia, uma região de poucos" (clique aqui para assistir).

Nos depoimentos dos fazendeiros e políticos de Juiná, são amplas as provas de que a democracia ainda dista de certas regiões do país, onde se minam, facilmente, o direito de ir e vir e o direito à liberdade de imprensa, garantidos na Carta de 1988. Algo ainda mais estarrecedor – e inconcebível em qualquer democracia - se dá em certo momento durante a audiência com o prefeito da cidade mato-grossense, quando um discursante declara que "os índios são nossos".

Reações

As reações da sociedade frente à escalada da violência e da destruição dos princípios democráticos nas regiões de conflito agrário parecem ter, hoje, uma celeridade maior do que em anos anteriores e lideranças proeminentes no campo político não tardaram a demonstrar preocupações com os ocorridos.

Logo após os acontecimentos no Paraná, uma frente parlamentar – composta principalmente por políticos pró-reforma agrária - se reuniu com Tarso Genro, ministro da Justiça, para pedir providências em relação aos crimes cometidos pelas milícias ruralistas.

De acordo com o deputado federal Adão Pretto (PT/RS), um dos participantes do encontro com o ministro, o resultado da reunião foi positivo e um relatório das ações paramilitares no oeste do Paraná deverá ser preparado em breve, assim como uma denúncia oficial para que o ministério tome as providências cabíveis.

"Genro ainda prometeu disponibilizar a Polícia Federal para o caso", relatou Pretto. No Paraná, também já se iniciam as investigações, cujas conclusões deverão apontar os reais motivos e os devidos culpados por tamanhas agressões às instituições democráticas do Brasil.

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