terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Crônica de uma tragédia mundial

O Paquistão, hoje, é a chave do equilíbrio na Ásia central, não apenas pelos valiosos serviços que o seu serviço secreto presta a Washington, mas por sua posição geopolítica, como potência nuclear ao lado (e rival) da Índia e situado na fronteira entre Afeganistão e Irã

O Paquistão, hoje, é a chave do equilíbrio na Ásia central, não apenas pelos valiosos serviços que o seu serviço secreto presta a Washington, mas por sua posição geopolítica, como potência nuclear ao lado (e rival) da Índia e situado na fronteira entre Afeganistão e Irã



José Arbex Jr.

A Casa Branca, severamente golpeada no Iraque, parecia mais empenhada do que nunca em obter um acordo significativo entre israelenses e palestinos, e pressionou o quanto pôde pela realização de uma conferência de paz, finalmente realizada em Annapolis, perto de Washington, em novembro. Foi um fracasso. Todos os esforços diplomáticos resultaram em vagas declarações. Enquanto isso, na Ásia central, acumulam-se tensões muito perigosas: ninguém pode prever, com alguma segurança, mesmo no curto prazo, o que vai acontecer no Paquistão (potência nuclear e sob forte pressão de grupos fundamentalistas); no Afeganistão, as tropas estadunidenses mal controlam o centro da capital Cabul e, finalmente, o Irã mantém sua postura de desafio aos Estados Unidos.

A Conferência de Annapolis foi convocada como uma resposta do governo Bush à opinião pública de seu próprio país, cada vez mais crítica do desastre no Iraque. Às vésperas de eleições presidenciais, a Casa Branca precisa, ao menos, manter a aparência de que tenta promover a paz, ainda que seja para encontrar justificativas para novas aventuras militares no Oriente Médio. Mas, nada poderia salvar o show de Bush.

Na Palestina, a perspectiva de uma paz estável está mais distante do que nunca. Em primeiro lugar, a conjuntura política no âmbito da Autoridade Palestina configura uma situação de caos absoluto. Em junho, entrou em colapso o governo formado pelo presidente Mahmud Abbas (líder do grupo Fatah, ao qual pertencia o falecido dirigente Yasser Arafat) e pelo primeiro-ministro Ismail Haniyeh (do grupo islâmico fundamentalista Hamas). Sob pressão conjunta dos Estados Unidos, de Israel e da União Européia, Abbas depôs Haniyeh, que havia sido democraticamente eleito, e nomeou por decreto Salam Fayad como novo primeiro-ministro.

Como resultado, a sociedade palestina foi conduzida à beira da guerra civil generalizada. A imensa maioria dos habitantes da Faixa de Gaza apóia o Hamas e não reconhece o governo Abbas – Fayad (que é inconstitucional, de acordo com as próprias leis em vigor na Autoridade Palestina). Mesmo na Cisjordânia, onde o Fatah é mais forte, o apoio ao governo não é consensual. Nessas condições, Abbas já entrou na conferência de Annapolis com posição bastante débil, para dizer o mínimo.

Em Israel, o governo Olmert vai de mal a pior. Desmoralizado pelo fiasco que resultou do ataque ao sul do Líbano, o primeiro-ministro chefia uma coalizão que se apóia em dois partidos de extrema-direita, o Israel Betinu e o Shas. Ambos apóiam a expansão de colônias israelenses nos territórios ocupados. De outro lado, a opinião pública palestina mantém a expectativa de construir um estado economicamente viável, com base nas fronteiras anteriores à ocupação, iniciada em junho de 1967, o que requer o desmantelamento das colônias. Além disso, é favorável ao direito de retorno dos palestinos expulsos de suas terras após a criação de Isael, e ao estatuto de Jerusalém oriental como a capital de um Estado árabe palestino.

Mas todo esse imenso quebra-cabeça ainda é só uma parte do problema. No Paquistão, também às vésperas de eleições gerais, o governo de Musharraf, fiel aliado de Washington, dá sinais de crescente descontrole, ao passo que os grupos fundamentalistas ganham cada vez maior visibilidade e capacidade de ação política. O Paquistão, hoje, é a chave do equilíbrio na Ásia central, não apenas pelos valiosos serviços que o seu serviço secreto presta a Washington, mas por sua posição geopolítica, como potência nuclear ao lado (e rival) da Índia e situado na fronteira entre Afeganistão e Irã.

Para construir alternativas políticas palatáveis no curto prazo, a Casa Branca “ressuscitou” até a ex-presidenta Benazir Butho, que terminou o seu governo sob fortes suspeitas de corrupção. Mas todas as tentativas, até o momento, se mostraram incertas. Se o Paquistão “cair” em mãos fundamentalistas, o caos será definitivamente instaurado, não apenas pelo significado imediato (armas nucleares em poder de grupos extremistas), mas também no médio e longo prazos (instabilidade em toda a Ásia central, região absolutamente indispensável à economia do petróleo no século XXI).

Esse quadro geral pode levar a Casa Branca a novas aventuras – por exemplo, a regionalização da guerra, abrindo a possibilidade de uma intervenção em muito maior escala dos Estados Unidos e aliados? Pode. Em Israel, fiel escudeiro de Washington, debate-se abertamente, por exemplo, a possibilidade uma nova guerra com a Síria (que denunciou, recentemente, a incursão ilegal de aviões de guerra israelenses em seu espaço aéreo) e de um ataque nuclear localizado ao Irã, com o suposto objetivo de destruir instalações onde estariam sendo fabricadas bombas atômicas. Isso significaria envolver toda a região num conflito absolutamente infernal, de conseqüências imprevisíveis para toda a humanidade.

A dupla Bush – Olmert pode chegar a tal demência? Pode, como demonstram suas ações, nos últimos anos. Pode. Salve-se quem puder.


José Arbex Jr. é jornalista e professor da PUC

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