Incenso e Mirra: Resinas Preciosas
Angelo C. Pinto e Valdir F. Veiga Jr
Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Tecnologia, Bloco A
Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, RJ, 21945-970- Brasil
A propagação e o conhecimento científico têm estreita relação com a frequência de citação que é realizada na literatura. Algumas destas citações nos acompanham há milênios e estão localizadas em textos tão antigos que remontam ao início da história escrita e nos ajudam a entendê-la.
Entre algumas das mais antigas citações de produtos naturais, duas resinas merecem especial destaque, a mirra e o incenso.
Resinas são secreções sólidas ou semi-sólidas produzidas por plantas e árvores. As resinas verdadeiras são solúveis em solventes orgânicos e as gomo-resinas parcialmente solúveis em qualquer tipo de solvente1. Na antiguidade, as resinas eram coletadas de árvores que cresciam na Bacia Ocidental do Mediterrêneo, enquanto as gomo-resinas eram colhidas de árvores no sul da Península da Arábia e na Somália.
Incenso e mirra estão entre os produtos mais antigos comercializados pelo homem. Foram dois dos três presentes ofertados pelos três reis magos a Maria quando Jesus Cristo nasceu em Belém da Judéia.
Tendo Jesus nascido em Belém da Judéia, em dias do rei Herodes, eis que vieram uns magos do Oriente a Jerusalém. E perguntavam: "Onde está o recém-nascido rei dos judeus? Porque vimos a sua estrela no Oriente, e viemos para adorá-lo."
Tendo ouvido isso, alarmou-se o rei Herodes e, com ele, toda Jerusalém.2
"...então convocando todos os principais sacerdotes e escribas do povo, indagava deles onde o Cristo deveria nascer."
Em Belém da Judéia, responderam eles, porque assim esta escrito por intermédio do profeta:
"E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá. Porque de ti sairá o guia que há de apascentar o meu povo, Israel."
Com isto Herodes, tendo chamado secretamente os magos inquiriu deles com precisão quanto ao tempo em que a estrela aparecera.
E, enviando-os a Belém, disse-lhes: "Ides informar-vos cuidadosamente a respeito do menino, e, que quando o tiverdes encontrado, avisai-me, para eu também ir adorá-lo."
Depois de ouvirem o rei, partiram; e eis que a estrela que viram no Oriente os precedia, até que, chegando, parou onde estava o mesmo.
E vendo eles a estrela, alegraram-se com grande e intenso júbilo.
Entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, o adoraram; e abrindo os seus tesouros,entregaram-lhes suas ofertas: ouro, incenso e mirra.
Sendo por divina advertência prevenidos em sonho para não voltarem à presença de Herodes, regressaram por outro caminho à sua terra."3
A palavra Incenso em português refere-se tanto a resina natural, extraída principalmente de plantas das famílias Burseracereae, Estiracaceae e Anacardiaceae,como as preparações nas quais são adicionadas essências às resinas naturais para aumentar o aroma exalado durante a queima.
Incenso ou Olíbano4,5 é uma resina extraída por incisão do tronco de árvores da família Burseraceae, que se recolhe do tronco depois que a resina seca e endurece. O incenso genuíno era obtido de plantas do gênero Boswellia, que cresciam nas montanhas do sul da Arábia e da Abíssinia (atual Etiópia). Durante muito tempo sua origem foi desconhecida, e depois acreditou-se que viesse da Índia.
O comércio do incenso era sagrado, cheio de riscos e de lendas, e seu uso perde-se na noite do tempo. Havia a lenda de que cada árvore de olíbano- Boswellia serrata- era guardada por bandos de pequenas serpentes aladas,que só podiam ser afastadas das árvores com a fumaça produzida pela queima da resina do estoraque6. Se o incenso fosse colhido por um homem que tivesse tido contato com a esposa ou a amante durante uma fase lunar, torna-se-ia acre ou rançoso.
Em Alexandria o incenso era tão valioso que os escravos dos comerciantes que o colhiam eram obrigados a trabalharem nus, com exceção de uma pequena tanga, para não o roubarem, e reis pagavam por suas esposas favoritas seus pesos em incenso. O incenso era queimado pela maior parte dos povos orientais em honra de suas divindades, e os primeiros cristãos o empregavam para purificar o ar dos lugares subterrâneos onde celebravam suas cerimônias religiosas. No tempo do feudalismo, o "direito de incenso" era o que tinha o senhor de ser incensado durante as cerimônias como são os eclesiásticos no altar-mor das igrejas.
As primeiras evidências arqueológicas da queima de incenso datam dos primeiros reinados do Antigo Império Egípicio onde foram encontrados queimadores de incenso em formato de colheres de cabos longos. Os fabricantes devem ter usado um grande número de ingredientes de grande valor comercial na preparação de incenso. No entanto, nenhum conhecimento químico se tinha dessas resinas. Recentemente, um grupo de cientistas ingleses identificou por cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massas e por técnicas de pirólise os ácidos a e b-boswélico e seus derivados acetilados em amostras amorfas de incenso que datam aproximadamente de 400 a 500 DC, que foram coletadas durante escavações na adega de uma casa, na região fronteiriça a Qasr Ibrim, no extremo sul do Egito4.
Estes ácidos triterpênicos são os principais constituintes químicos das gomo resinas aromáticas de espécies do gênero Boswellia5. Nas mesmas escavações foram encontradas resinas ricas em diterpenos ácidos tricíclicos, como o ácido isopimárico, abiético e di-hidroabiético, caracteristícos de resinas da família Pinaceae.
Esta é a primeira vez que resinas ricas em triterpenos e ricas em diterpenos são encontradas na mesma localidade. Como o gênero Boswellia não cresce próximo a Qasr Ibrim, sendo encontrado principalmente no norte da Somália e no sul da Península da Arábia, o incenso deveria ser importado da região do Médio Nilo. Como as espécies de Pinaceae também não crescem na região de Qasr Ibrim, a resina destas árvores também era importada. O principal período de comércio foi o grego-romano, quando o incenso era transportado por navios vindos do sul da Arábia e possivelmente em caravanas por terra.
A descoberta de amostras semelhantes dos dois tipos de resina pode indicar que estas eram usadas em cerimônias religiosas. No fim do império romano o incenso deveria vir da África pelo mar Vermelho. A chegada da cristandade no Mediterrâneo e no Egito aparentemente reduziu sua demanda. Isto coincide com a data arqueológica do incenso encontrado em Qasr Ibrim.
Da mirra obtida de Commiphora molmol foram identificados os sesquiterpenos 1,3-dieno furoeudesmano, curzareno e furodieno, sendo o primeiro o mais abundante7. O 1,3-dieno furoeudesmano e o curzareno apresentaram atividade analgésica que é bloqueada pelo naloxona. Isto pode explicar porque a mirra era usada antigamente como analgésico, provavelmente substituída pelos derivados do ópio.
Para ler mais sobre o assunto:
1- Langenheim, J. H., American Scientist, 1990, 78, 16.
2- Bíblia Sagrada, Evangelho de Mateus, 3.
3- Bíblia Sagrada, Evangelhos, 2-3.
4- Evershed, R. P., et al, Nature, 1997, 390, 687.
5- Hairfield, E. M., Hairfield Jr., H. H., McNair, H. M., Journal of. Chromatography Science, 1989, 27, 127.
6- Estoraque - Bálsamo extraído da resina produzida por arbustos da família das Estiráceas.
7- Menichetti, S., et al, Nature, 1996, 379, 29.
8- http://www.pe.net/~genetrix/eohistory.htm, consultado em agosto de 1998.
9- Ácidos boswélicos no projeto "Molecule of the Month"
A gravura é de autoria de Antonio Poteiro de Natal (1984). Óleo sobre tela - 100x120 cm (acervo CEF).
1- Langenheim, J. H., American Scientist, 1990, 78, 16.
2- Bíblia Sagrada, Evangelho de Mateus, 3.
3- Bíblia Sagrada, Evangelhos, 2-3.
4- Evershed, R. P., et al, Nature, 1997, 390, 687.
5- Hairfield, E. M., Hairfield Jr., H. H., McNair, H. M., Journal of. Chromatography Science, 1989, 27, 127.
6- Estoraque - Bálsamo extraído da resina produzida por arbustos da família das Estiráceas.
7- Menichetti, S., et al, Nature, 1996, 379, 29.
8- http://www.pe.net/~genetrix/eohistory.htm, consultado em agosto de 1998.
9- Ácidos boswélicos no projeto "Molecule of the Month"
A gravura é de autoria de Antonio Poteiro de Natal (1984). Óleo sobre tela - 100x120 cm (acervo CEF).
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