Nada mudou | | | |
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha | |
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“Em outros declives semelhantes, vimos, com prazer, progressivos indícios de desbravamento, isto é, matas em fogo ou já destruídas, de cujas cinzas começavam a brotar o milho, a mandioca e o feijão”.
“Pode-se prever que em breve haverá falta até de madeira necessária para construções se, por meio de uma sensata economia florestal, não se der fim à livre utilização, ou, melhor dizendo, devastação das matas desta zona”.
“As ervas desse campo, para serem removidas e para fertilizar o solo com carbono e extirpar a multidão de insetos nocivos, são queimadas anualmente pouco antes de começar a estação chuvosa (...) assistimos com espanto à surpreendente visão da torrente de fogo ondulando poderosamente sobre a planície sem fim”.
“(...) a atividade dos homens que esburacam o solo (...) para a extração de metais. Covas informes e montões de cascalho desfiguram as serras situadas a oeste e norte da cidade, nas quais corre ouro no xisto argiloso”.
“Infelizmente (...), ávidos de sua carne [tatu galinha], não ponderam sobre essas sábias disposições. Perseguem-no com tanta violência, como se a espécie tivesse de ser extinta.”
“No solo adubado com cinzas das matas queimadas dá boas colheitas (...) Contudo, isso se refere somente à colheita do primeiro ano; no segundo já é menor e, no terceiro, o solo em geral está parcialmente esgotado e em parte tão estragado por um capim compacto (...) que a plantação é desfeita ...”
“Maiores lucros deram, outrora, as minas de ouro (...). Agora estão esburacados os bancos de areia dos rios de todos os lugares e a superfície da terra”
“Em parte, haviam sido queimadas grandes extensões das pradarias. Assisti hoje a este fenômeno diversas vezes e, por um quarto de hora, atravessamos campos incendiados, crepitando em altas chamas”.
“Subimos então a Serra Garo, que oferecia um aspecto totalmente singular de abandono e devastação pelas inúmeras escavações feitas para as lavras de ouro”.
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Lendo as citações acima, o leitor pode estar se perguntando de onde elas foram extraídas, até pela linguagem pouco usual, e a que lugares referem-se. Poderá imaginar que são trechos de publicações técnicas sobre o meio ambiente, talvez algum relato de um membro de uma ONG ambientalista ou de um viajante de Portugal ou outra coisa qualquer do gênero. Pois bem, não é nada disso. Na verdade, as citações foram extraídas do livro “Viagem no Interior do Brasil” (1976, Editora Itatiaia/EDUSP, tradução de Milton Amado e Eugênio Amado) do naturalista austríaco Johann Emanuel Pohl (aliás, livro que particularmente recomendo, pela riqueza de informações sobre o Brasil da época). O detalhe que torna as citações mais interessantes para aquelas pessoas preocupadas com o meio ambiente é a época em que foi feita a viagem: entre 1818 e 1819. Isto mesmo, há quase 190 anos! Repito: cento e noventa anos atrás. Triste constatar que, de lá pra cá, não só pouca coisa mudou como retrocedemos em outras.
O naturalista viajou pelos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Tocantins e descreveu os caminhos por onde passou, detalhes geológicos, aspectos da fauna e da flora, costumes e tradições das cidades, do campo e de agrupamentos indígenas, aspectos históricos, etc. Embora não seja seu foco principal, pode-se extrair várias conclusões a respeito da forma como o meio ambiente era tratado. O imediatismo, a destruição pela cobiça, a nefanda prática das queimadas, a falta de planejamento e o hábito de esgotar os recursos para posteriormente mudar o local da destruição são facilmente percebidos ao longo do texto. Na verdade, dada a época em que o relato foi feito, isto não constitui grande surpresa. O mais impressionante, no entanto, é a analogia com os dias atuais. No tocante à mineração, basta lembrar Serra Pelada, os acidentes com derramamento de substâncias tóxicas no rio Pomba, as invasões de Terras Indígenas e áreas protegidas. Sobre a exploração madeireira, temos a mesma gana exploratória, agora disfarçada sob os auspícios das Concessões Florestais de florestas públicas, planos de manejo e do recém criado Serviço Florestal Brasileiro. No quesito queimadas, continuamos com taxas recordes e números que beiram ao ridículo. Quanto à extinção de espécies e desmatamento, bem, estas é melhor nem comentar. Quase dois séculos se passaram, o discurso ambientalista ganhou força, as ONGs são entidades de peso político extraordinário, mas tudo indica que, na prática, nada mudou.
Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews. E-mail: rogcunha@hotmail.com |
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