segunda-feira, 28 de abril de 2008

O ódio à velhice


Cynara Menezes

Agora que estou grávida, faço hidroginástica, atividade física apelidada por uma amiga de “natação geriátrica”. E é verdade. Minhas colegas de piscina são todas velhinhas. Adoro velhos, crianças e adolescentes, também. Confesso ter maior dificuldade de relacionamento com os adultos. Parece que a idade adulta é a idade da dissimulação. Velhos, crianças e adolescentes são sinceros por natureza. É muito mais fácil lidar com gente que não esconde o que pensa, ainda que não seja agradável ouvir.

No vestiário, as velhinhas me contam de suas doenças. Uma diz que se submeteu a uma cirurgia moderna, que lhe deixou cinco furinhos nas costas: “Bem aqui, ó”, exibe. Não dá para ver nada... Acho graça. Ela me conta que o tal procedimento ultra-sofisticado custou a bagatela de 170 mil reais! Fico pensando: se fosse pobre, estaria morta, coitada. Outra senhora se queixa de que não gosta de ser idosa, e me espanta saber o porquê. “Velho sofre muito preconceito, ninguém gosta de velho.”

Que horror. Chegamos a uma época de desprezo absoluto à velhice, condição inexorável do ser humano – bem, ou é isso ou morrer. Ficar velho não é mais tornar-se um sábio, mas um enjeitado. Talvez esteja na repulsa ao envelhecimento a raiz de tanta superficialidade no mundo, de tanto querer seguir jovem à custa de cirurgias plásticas patéticas em vez de se preocupar em aprimorar o espírito. Cuidar da mente, evoluir como ser humano, e, claro, conservar a alma sempre jovem. Isso é saber envelhecer bem. E reflete no lado de fora.

Alguém se engana mesmo com uma mulher que injetou não-sei-o-quê na boca para rejuvenescer? Ela parece de fato mais moça ou apenas feiosa? Ladies, preocupar-se com as rugas causa rugas! Não sou uma radical do “deixa cair”, nada disso. Não vejo mal algum em pintar os cabelos, passar uns creminhos para hidratar a pele (o creme compensa!), fazer exercícios para manter a forma. Mas há um exagero evidente nesta busca pela juventude eterna. Me incomoda essa multidão de seres espichados, de faces sem movimento, como um exército de clones assustadores a desfilar pelos calçadões da vida, sem idade ou identidade.

Como será no futuro quando os netinhos falarem de suas vovozinhas? “Ah, vovó é tão linda, com aqueles olhos puxados de chinesa! E os beijos que ela me dá, com aquela boca de Pato Donald, toda inchada? Adoro cada cicatriz naquele corpinho dela!” Observo a carne vincada, as dobras, os braços flácidos, as marcas que o tempo deixou no corpo de minhas colegas de hidroginástica e sinto saudade, já, da pele macia de vovó, tão longe de mim no final da vida. Aos 86, sua pele é enrugada, sim, como um dia também eu naturalmente serei. Mas suave ao toque, como a de um bebê.

Reparo que não se usa mais falar “morreu de velhice”, “de causas naturais”. Será que também aí não estaria embutido o preconceito? Diz-se que uma atriz, aos 90 e tantos anos, morreu de falência múltipla dos órgãos. Alguém me explica que é porque a ciência avançou e hoje em dia se sabe que as pessoas não morrem de causas naturais, mas por alguma razão específica. Ganha-se em informação, perde-se em poesia. Num mundo como o que vivemos, morrer de velhice deveria ser considerado um luxo.

Cynara Menezes

La Dolce Vita

créditos: CartaCapital




Nenhum comentário: