domingo, 20 de julho de 2008

Turbulências latino-americanas


Emir Sader

A América Latina tornou-se o cenário de uma intensa luta entre o velho e o novo, entre um modelo mercantil esgotado, mas que insiste em sobreviver, e a construção de alternativas, que lutam com dificuldades para nascer e se consolidar. Mas é um período em que predominam os ares de mudança positiva.

A direita, derrotada em países como a Venezuela, o Brasil, a Argentina, o Uruguai, a Bolívia, o Equador, a Nicarágua e o Paraguai, foi se recompondo, retomando capacidade de iniciativa, até desatar contra-ofensivas. A primeira se deu na tentativa de golpe de 2002 na Venezuela, protagonizada pela mídia mercantil, que quase conseguiu seu objetivo. Em seguida veio a campanha contra o governo Lula, que teve também a mídia como pivô central. Seguiu-se a campanha separatista na Bolívia, depois foi retomada ofensiva opositora na Venezuela e na Argentina.

O período dominado pela extensão desses governos se prolonga, desde a eleição de Hugo Chavez em 1998, somando já a 8 países. A direita busca, já há anos, a derrubada de pelo menos um deles, para tratar de configurar que essa onda estaria em processo de reversão. Como sucessos, pode contabilizar a vitória de Alan Garcia no Perú e de Felipe Calderón no México, porém nenhum dos eleitos com novas orientações foi derrotado – Chavez, Lula, Kirchner já se reelegeram.

Mas não é apenas nos países que buscam a construção de um novo modelo, que se dão turbulências. A Colômbia continua a ser cenário de guerra, o México assiste a proliferação do mais assustador e preocupante cenário de violência organizada vinculada ao narcotráfico, o Peru presencia grandes mobilizações populares contra o governo, o mesmo acontecendo com o Chile. A turbulência por tanto é hoje a regra geral, apesar do ciclo de expansão econômica que a região vive, fruto das novas políticas, mas também do panorama internacional, até aqui favorável às exportações dos países do continente.

Esse cenário de instabilidades se deve a um choque entre um modelo econômico que se esgotou, desde que afetado por graves crises nas três principais economias da região – México 1994, Brasil 1999, Argentina 2001-2 -, como seu reflexo mais expressivo, e as dificuldades para a construção de um novo modelo.

Depois de ter conseguido contornar os processos inflacionários, o neoliberalismo não foi capaz de impor um novo ritmo de crescimento às economias dos nossos países. O governo de FHC é um exemplo claro disso: depois da lua-de-mel da estabilidade monetária, transformada em dívida pública, sucedeu-se um processo recessivo, com três quebras da economia – e suas correspondentes Cartas do FMI -, situação de que apenas recentemente o Brasil conseguiu sair.

O futuro da América Latina na primeira metade do século se joga neste anos, na dependência da consolidação desses novos tipos de governos – com suas diferenças internas de orientação, mas com oposição comum aos TLCs e privilégio dos processos de integração regional -, tanto no avanço para modelos pós-neoliberais, quanto no aprofundamento e extensão das distintas iniciativas de integração regional.

O referendo sobre os mandatos do presidente, do vice e dos governadores na Bolívia, dia 10 de agosto, é o próximo grande enfrentamento na região. Se for vitoriosa a oposição – possibilidade menor atualmente -, a direita terá contabilizado uma primeira reversão na tendência geral da última década no continente.

Vitorioso, Evo Morales poderá renegociar o projeto de nova Constituição, em condições favoráveis, bloqueando as tentativas exacerbadas de autonomismo dos estados orientais do país e impedindo a tentativa destes de impedir que a reforma agrária afete suas bases de poder, incluindo a eventual substituição de alguns dos governadores que hoje fazem oposição ao governo boliviano.

Em seguida, em abril de 2009, será a vez dos governos progressistas terem a possibilidade de aumentar sua lista de presidentes, com a provável vitória de Mauricio Funes, da Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional, em El Salvador. Por tudo isso, são anos decisivos para a fisionomia que a América Latina apresentará na primeira metade do novo século.

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