sábado, 29 de novembro de 2008

A Classe Média Enrustida que carregamos


Por Raul Fitipaldi. Brasil

www.desacato.info

Os acontecimentos que me acompanham desde que sai do PT em 2002, e antes, os que motivaram essa saída vieram à minha memória em várias ocasiões esta semana. Mencionarei apenas três delas. A primeira é fruto da leitura minuciosa de todos os artigos que nossos companheiros da Venezuela têm escrito sobre os resultados da eleição regional acontecida no domingo 23. A segunda é fruto da leitura do belíssimo artigo da companheira Elaine Tavares, titulado Jornalismo é Conhecimento e libertação (Pobres & Nojentas Teórica No 1 P 7). Finalmente, a terceira é de ordem pessoal e, portanto, ficará guardada nos seus dados (nem que dizer dos detalhes) e mudou substancialmente minha rotina diária.

Primeiramente, por que estas três questões, aparentemente sem nexo me lembraram minhas últimas andadas no PT? Porque em 2002 o PT já estava definitivamente carcomido pelo cancro oportunista da classe média enrustida nele, discursando pela classe trabalhadora, repintando o vermelho da bandeira em tons branquelos, pálidos de sem-vergonhas. Porque a retórica humilhante do assistencialismo e o boçalismo já formavam parte do cardápio diário do partido. Porque, em definitivo, a classe média representada pelo burguês pequeno-pequeno tinha se empossado definitivamente e com ares de gloriosa determinação uniformista desde a direita mais radical, então representada pela Unidade na Luta, até a esquerda reformista que então se chamava, quase de forma eufemística, Articulação de Esquerda. O resto era o resto, talvez excetuando a neurótica fábula da classe média típica instalada na Democracia Socialista, redundante como o seu próprio nome.

Afirmei desde então um sentimento nada recomendável que me acompanha desde a infância como “doença incurável”, repugnância pela forma como a classe média repta e se instala encostada no poder institucional (para defender o status quo) fazendo o discurso por esquerda e aumentando a poupança por direita. Sinto repugnância por essa classe média que bebe dos ricos e come dos pobres. Que me desculpem meus amigos que a ela pertencem e não tem se locupletado nos determinismos obseqüentes de sua classe.

No belo artigo da Elaine Tavares há um trecho titulado Os Pecados do Jornalismo praticado Nos Sindicatos. Ele discorre sobre os paradoxos de uma discurseira sindical que execra a “mídia como instrumento da burguesia” (...) “ao mesmo tempo, esperam que essa mesma mídia dê generosos espaços para suas lutas” diz Elaine. Eu gostaria de avaliar isso desde o ponto de vista do status social e econômico obtido por boa parte das direções sindicais, em muitos casos tornada em cara mobília dos sindicatos, que envelhece dentro deles como madeira e cupim. A fonte informativa dos sindicatos, me parece, e observo que Elaine toca com justeza esse assunto, em geral não tem mais o trabalhador como assunto e sim o dirigente liberado. O jornalismo chapa-branca que promove o dirigente famoso, o presidente, o secretário geral e não o trabalhador na sua planta de afazer. De novo a classe média, através dos modos perfumados, bem vestidos, de carrinho e motorista, está enrustida no coração da organização que deveria nos levar aos pobres à mobilização, à luta de classes capaz de derrotar a miséria que nos impõe o sócio rico, cujas migalhas alimenta o cerne intelectual e estético da classe divisória. Todo presidente ou dirigente “poderoso” de um sindicato (salvo numerosas exceções –ainda bem que numerosas embora em extinção) prefere aparecer no Diário Catarinense do Império Sirotsky e, como não pode, transforma seu jornal de categoria num espelho ridículo da sua imagem adquirida de classe média aburguesada.

Do último caso não darei conta nem nome aos bois, saiba me desculpar o leitor. Porém, mesmo sendo uma experiência da vida privada consta das tinturas oriundas dessa classe maluca que se assenta numa contradição histórica desde sua artesanal existência de cortesã palaciana do pré-capitalismo até essa coisinha apêndice do imperialismo do capital. O fato oculto remete à constante procura da nova certeza, do estímulo novo, da nova partitura que nos faça bailar ao compasso da música sem ficar à margem, da “vida intensamente vivida” e outros chavões, certa e alegre. Aconteceu sem e com a “culpa cristã” dos protagonistas sonegados e em questão. A doença, a fome e a dor, que foi reservada aos pobres mais claramente desde Malthus (séculos 18/19) para sua diminuição como espécie, é um fantasma que persegue à classe média. Chorar pouco para não alagar, rir o suficiente para não enrugar, comer o necessário para ser apetecível, e espirrar pedindo perdão. A classe média sempre estará com sua atitude e aptidão recebendo o benefício dos ricos e despejando uma parte importante dos lucros na culpa que arroja em cima dos pobres. E embora pareça contraditório (homenagem suplementar à dialética) a classe média é o objetivo primordial dos pobres sem consciência de classe, sem desejos reais, práticas verdadeiras de transformação (fora do discurso oral e escrito). Às vezes parece que para a classe média a vida dos pobres é como a morte, os desabamentos e os acidentes, só acontece com os outros, e alguns pobres desejam sentir e viver assim. Porém...

... ESSA CLASSE MÉDIA que me veio à tona esta semana, desde que sai do PT em 2002, até que li no ônibus o belo capítulo da Elaine Tavares, e finalmente até o desfecho peculiar que virou minha rotina diária, está em franca extinção. A concentração de capital dos ricos, e dos mais ricos, e dos mais-mais ricos dos ricos, a fará vir a conviver conosco, aqui abaixo. Lembro-me dos anos 80, quando morava em Buenos Aires, e num conjunto habitacional de pobres e desempregados, chamado Villa Lugano, havia uma faixa enorme de lado a lado da entrada que rezava os dizeres BEM-VINDA CLASSE MÉDIA! E ela virá conosco, sem dúvida, não por que o deseje, apenas porque assim o determina o patrão, mas, cuidado, sempre pode ser a quinta coluna da luta final contra o capitalismo. E, sempre também, quando cometa os erros que lhe são proverbiais, culpará aos ricos e nos passará a fatura aos pobres.

Assumo as dores de quem seriamente emergiu da classe media para exercer a defesa dos pobres e excluídos na Venezuela e o faz com afinco e clareza incomparáveis (nossa boa Carola Chávez), e tomo para mim seus Gritos Digitais que Desacato publicou esta semana. Apelo aos governantes que pretendem encarnar nossos desejos de transformação (Chávez, Evo, Correa, Ortega) que não façam mais esse discurso de GOVERNAR PARA TODOS. O que há é que governar é para as maiorias pobres e excluídas, que os RICOS JÁ TÊM GOVERNOS HÁ SÉCULOS E A CLASSE MÉDIA É SUA CAMAREIRA ENRUSTIDA.

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