terça-feira, 4 de novembro de 2008

A luta de classes persiste


Jorge Zabalza entrevistado por J. L. Berterretche, V. Loss e H. Peña.
www.alquimia.org

Quem é Jorge Zabalza? Jorge Pedro Zabalza Waksman nasceu na cidade de Minas, Uruguai, em 1943. Zabalza, “El Tambero” como é conhecido pelos movimentos sociais, foi dirigente do Movimento de Liberação Nacional Tupamaros – um dos movimentos guerrilheiros mais importantes da história da América Latina.

Zabalza esteve preso como refém no período nefasto da ditadura no Uruguai, governo de fato coincidente com todos os outros que assolaram e sacrificaram os povos da região entre os anos 70 e 80. Foi vereador de Montevidéu e exerceu a presidência da Câmara de Vereadores. Com uma posição crítica firme e uma coerência histórica incomparável, nestes tempos em que muitos dos principais dirigentes da esquerda uruguaia têm se entregado ao canto de sereia do neoliberalismo, Zabalza expressa ao Portal Desacato sua posição com ênfase e sem eufemismos inúteis. (N.R.)

DESACATO: - A quase quatro anos da experiência uruguaia com o governo progressista dá a impressão de que foi descartada tanto a reforma como a revolução. A opção parece ter sido o social-liberalismo. Que balanço você faz do governo atual?

Jorge Zabalza: - A herança que vem com a história do movimento popular constitui um mandato ético e moral que, segundo acredito, não tem sido ouvido pelo governo progressista. Há três parâmetros que dão a medida desse desconhecimento:

1) Durante o governo progressista cresceu a produção e cresceram as exportações do Uruguai, mas enquanto em 2004 a massa salarial era 30% do produto nacional, na atualidade se reduziu para 20%. Pese ao crescimento geral da riqueza, os ricos cada vez se apropriam de maior parte do bolo e os pobres cada vez recebem menos. Está comprovado que o novo imposto à renda não mexe no capital. Pode se disser que os conselhos de salário não conseguiram impedir que a redistribuição da riqueza funcionasse em favor dos que mais têm, aprofundando cada vez mais a brecha social. Fracassaram.

2) A pesar de ser verdade que há ditadores e verdugos presos, mesmo que seja em jaula de ouro, são as organizações e os advogados de Direitos Humanos os que devem manter viva a iniciativa por Verdade e Justiça. O governo progressista se limita a deixar os criminosos fora do marco protetor da lei de Caducidade ao contrário de brancos e colorados. A força política dos desaparecidos, assassinados e torturados deve ter uma atitude mais ativa e o companheiro Sr. Presidente deveria ordenar que os fiscais investiguem e processem tantos terroristas de Estado que estão soltos (o verdadeiro problema em matéria de falta de segurança). O que, pelo menos, se negaria a que as arcas do povo pagassem os advogados que os defendem a eles e aos três assassinos processados no Chile. A negativa a anular a lei de Caducidade (mesmo que com lei ou sem lei, a impunidade continue) e manter terroristas nos mandos das Forças Armadas e a Polícia, são uma mensagem clara de que os setores mais reacionários interpretam como consentimento e debilidade. Estão entreabrindo portas a futuros desmandos e golpes militares.

3) Em tempos de luta pela segunda independência da América Latina, uma luta favorecida pela recessão produtiva e a fraude financeira nos EUA, o governo progressista do Uruguai mantém uma política de muito boas maneiras com o imperialismo. Em lugar da solidariedade com os povos irmãos, uma espécie de neutralidade pela via de não tomar posições claras nos foros continentais. Se proclama que dá na mesma comerciar com deus que com o diabo, como se o comércio não tivesse nada a ver com o ideológico e o político. Contra a tradição histórica de seu movimento popular, o Uruguai está sendo o fura-greves latino-americano no conflito com os donos do mundo.

Em conclusão: em seus eixos centrais, o progressismo se limitou a uma mudança de caras no governo (mais doces que as anteriores, com mais gracejo popular) para benefício dos interesses dos mesmos privilegiados de sempre.

DESACATO – Há assuntos no país que parecem ser tabu para a grande maioria da esquerda. Um deles é o da propriedade da terra. A Frente Ampla em sua totalidade não a questiona nem nas suas palavras nem nos fatos. Isso já não é mais um problema? Raúl Sendic e os trabalhadores dos canaviais que foram os últimos que fizeram uma grande campanha pela socialização da terra, estavam equivocados?

Zabalza: - Há uma contra-reforma agrária. A propriedade da terra concentrada cada vez em menos mãos e dedicada ao cultivo da soja e o eucalipto dominados por grandes capitais transnacionais. O mono-cultivo desertifica nossos solos suaves e ondulados. O governo financia gratuitamente as caravanas e a computarização na cria de gado bovino. Mais da metade das indústrias de moinhos e frigoríficas em mãos estrangeiras… o que tem feito o governo progressista para frear o processo? Olhar pro lado e recitar versos gauchescos. Mantém-se a impunidade impositiva do latifúndio e os exportadores. Nem sequer foram anuladas as sociedades anônimas, base jurídica do grande negócio agro exportador.

DESACATO: – O outro assunto é o da constituição. Comparando-a com a constituição de 1988 no Brasil dá a impressão que como mínimo está 50 anos atrasada em termos de direitos e liberdades. A Frente Ampla com maioria absoluta nas duas câmaras coincide agora com os setores políticos tradicionais em que a constituição de Jorge Batlle é uma maravilha? E tendo em conta que muitos países da América Latina estão redefinindo suas constituições.

Zabalza: - A Constituição atual do Uruguai é produto da reforma "laranja", a mesma que amparou a escalada autoritária e repressiva de Pacheco Areco. Em 1985, os uruguaios festejamos o regresso ao regime constitucional mais favorável às classes dominantes.

DESACATO: – O que parecia impossível aconteceu: uma greve general contra o governo progressista Qual é a situação no movimento social que levou à greve?

Zabalza: - Nas bases sociais há uma surda desconformidade com sua situação econômica e social. O amortecimento progressista do conflito social segue funcionando perfeitamente e os desconformes escolherão um novo governo progressista, enganados pela demagogia de Mujica, a quem crêem equivocadamente parado à esquerda de Astori e Tabaré. Mas a luta de classes persiste em seu trabalho incessante sobre as consciências…

DESACATO: - Tendo em conta que o Uruguai é um país netamente exportador e com sua economia interna dolarizada, Há forma de prever como pode afetar o colapso financeiro global à política uruguaia?

Zabalza: - A última mentira de Astori: o Uruguai está "blindado" contra a crise mundial… não estiveram a City londrina nem Wall Street, não esteve nenhum dos grandes ladrões universais, mas o progressismo convenceu a muitos que aqui nada acontecerá. Como todos os povos do mundo, o uruguaio pagará esta gigantesca fraude que se denomina "crise".

DESACATO: – Quais seriam os caminhos para a recomposição de um programa de esquerda radical no país?

Zabalza: - A luta social.

DESACATO: - Em que estrutura devem se localizar os verdadeiros militantes de esquerda que querem de verdade a revolução?

Zabalza: - Fora de toda a merda progressista e eleitoreira.

DESACATO: - Você quer acrescentar alguma reflexão a esta entrevista?

Zabalza: - Que papel teria o parlamentarismo em um projeto deste tipo? Um parlamentar extra - frenteamplista seria um vaso de hortênsias decorando o frondoso jardim do progressismo. O debate no parlamento foi substituído pelos grandes meios de comunicação. Através deles os lutadores sociais podem conseguir maior incidência na opinião que o melhor dos deputados "radicais". Citam que Lenin, que só contava com o Iskra para difundir as idéias revolucionárias… se deve fazer a revolução com todos os instrumentos atuais e não repetindo esquematicamente análises corretas nas condições de princípios do século passado… por favor!

Versão em português: Tali Feld Gleiser, de América Latina Palavra Viva.

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