domingo, 1 de fevereiro de 2009

FSM-2009

Fotos: Eduardo Seidl

Palestinos defendem prioridade para boicote econômico a Israel

Ativistas palestinos presentes ao FSM 2009 priorizam campanha de boicote econômico a Israel e pedem anulação do Tratado de Livre Comércio entre Israel e Mercosul. “Não precisamos de que a luta palestina seja encampada por todos. A resistência palestina existe há 60 anos e continuará. Devemos isolar Israel. Parar de comercializar seus produtos. Devemos boicotar até que Israel venha a respeitar as resoluções da ONU" diz Jamal Jumá, coordenador do movimento "Stop the Wall".

BELÉM - Aqui no FSM 2009 a percepção de que Israel pela primeira vez perdeu uma guerra ecoa na qualidade da participação palestina, que mudou muito. Os movimentos sociais da região não buscam mais visibilidade, apenas, nos debates e ambiente do Fórum. O mais recente massacre em Gaza atendeu a essa demanda. Os palestinos aqui presentes vieram com uma agenda de natureza popular e política.

Jamal Jumá, coordenador do movimento Stop the Wall – que participa do Fórum desde 2004 e que estava no painel Um Mundo sem Guerras é Possível, promovido pelo Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (Clacso) –, ocorrido no dia 30 , resumiu da seguinte maneira a sua campanha nos FSM: “Não precisamos de que a luta palestina seja encampada por todos. A resistência palestina existe há 60 anos e continuará. O que precisamos é que os movimentos se unam para que tenhamos a paz não em 20, mas em 10 anos”.

Do ponto de vista político a “causa palestina” neste FSM prioriza a campanha de boicote econômico a Israel, inclusive com uma campanha pela anulação do Tratado de Livre Comércio entre Israel e o Mercosul. Trata-se de uma tentativa de repetir a condenação ao regime de Apartheid na África do Sul, nos anos 80.

A perspectiva é conter Israel através de um movimento popular, palestino e internacional. No dia seguinte ao painel organizado pelo Clacso neste FSM, o jornal israelense Haaretz publicou com exclusividade uma matéria que talvez explique a agenda desses palestinos engajados no FSM. Os dados, minuciosamente apurados e alarmantes, dão conta do expansionismo israelense sobre territórios palestinos da Cisjordânia e foram, durante anos, mantidos em segredo pelo exército de Israel.

Segundo a matéria assinada por Uri Blau, “uma análise dos dados revela que, na imensa maioria dos assentamentos – algo em torno de 75% - a construção de casas, algumas vezes em larga escala, tem sido feita sem o cumprimento dos procedimentos adequados ou contra a lei que disciplina o assunto. Os dados também mostram que, em mais de 30% dos assentamentos a construção extensiva de prédios e infraestrutura (estradas, escolas, sinagogas, yeshivas e mesmo postos policiais) ocorreram em terras privadas pertencentes aos residentes palestinos da Cisjordânia”.

O exército de Israel levantou esses dados inicialmente para se defender de acusações de movimentos dos direitos humanos e de reivindicações judiciais de palestinos. Talvez essa realidade explique a consideração de uma década, por parte da campanha Stop the Wall, para que a paz seja alcançada entre ambos os povos. Desde 2002 - no governo de Ariel Sharon - Israel começou a erguer um muro de concreto de nove metros de altura e em torno de 700 km de extensão, anexando territórios palestinos e isolando ambas as comunidades, na região da Cisjordânia. A campanha que Jumá coordena chama esse muro de Muro do Apartheid. “Israel dá claros sinais de que não quer a paz, construindo colônias e estradas do apartheid, em que carros palestinos não passam. Pode-se sair de uma colônia ilegal até Tel Aviv sem ver um palestino sequer”, denunciou.

“Acredito que a paz seja fácil de se obter na Palestina, mas é difícil se as coisas continuarem como estão”, disse o ativista palestino, registrando a assimetria militar dos ataques israelenses em Gaza. “Foram 44 mil casas destruídas, usaram bombas de fósforo”, disse, para acrescentar em seguida que houve uma média de 230 palestinos mortos para cada israelense que morreu. O número de palestinos mortos recentemente em Gaza, segundo ele, “seria algo comparativamente a 730 mil brasileiros mortos”.

Em seguida, o ativista, que é formado em literatura árabe, fez um balanço do que sucedeu aos ataques recentes: “ficamos com duas lições quanto às pessoas: a primeira é que jamais tivemos em nossa experiência uma solidariedade como tivemos ao nosso povo, nessas três semanas. Foi uma heróica resistência, um grande exemplo; a segunda é que Israel não conseguiu entrar com seus tanques nas áreas habitadas de Gaza. Apesar de sua força militar, Israel não conseguiu quebrar o tecido social em Gaza”, concluiu.

Para Jumá, o apelo às leis internacionais, à ONU e ao seu Conselho de Segurança não pode depender, apenas, de governos ou membros dos poderes estatais. Ele interpreta os movimentos subsequentes ao ataque a Gaza da comunidade internacional como de apoio, cumplicidade e anuência para com Israel. Tampouco guarda grandes expectativas frente ao presidente norte-americano recém empossado, Barack Obama: “Ficamos frustrados em não escutá-lo defender o fim da ocupação e o reconhecimento dos direitos dos palestinos. Nem mencionou os crimes de guerra”, disse, para afirmar o que esperava do novo presidente: “O que esperamos de alguém como ele, o primeiro negro a governar o país, é que os Estados Unidos peçam perdão pelos crimes que cometeram contra o mundo, contra os palestinos, contra o Iraque, o Afeganistão, o Cambodja, o Vietnã, o mundo árabe... a lista é longa”, disse o palestino.

No lugar do apelo aos governos e aos dirigentes estatais, o coordenador do Stop the Wall defende a militância política, popular e internacional das sociedades civis organizadas. Para ele, está em jogo, neste momento, barrar um diagnóstico e um projeto que, segundo disse, é apoiado por Barack Obama e pelo ex-senador George Mitchell, o novo enviado especial para o Oriente Médio, dos EUA. “Eles defendem um estado palestino contíguo ao israelense e apresentam como solução para os territórios palestinos ocupados um projeto de industrialização, como se dizendo 'vocês vão ter empregos, mas não seu território'”.

O projeto a que Jamal Jumá se refere transformaria o que se vem chamando um tanto simpaticamente da solução “dois povos, dois estados” num campo minado de conflitos infindáveis, porque iria ser criada uma zona de bolsões, ou um, nas suas palavras, “estado bantustão”, os falsos estados que o regime do Apartheid criou, na África do Sul, para manter os negros longe das terras dos brancos mas próximos dos postos de trabalho dominados por estes. Apesar de os bantustões, espécies de favelas legalmente constituídas serem em tese territórios autônomos, de fato eram territórios depauperados, sem independência. No caso dos palestinos, seria, inclusive, cercado por um imenso Muro, que Jumá combate na sua campanha.

Para Jumá, os cercos a Belém, com o “Muro do Apartheid” e o bloqueio a Gaza são expressões de um aviso à população palestina da Cisjordânia. Algo como “se vocês não aceitarem esse sistema, a Cisjordânia pode ser bombardeada como Gaza foi”, disse Jamal, para afirmar que “o ataque a Gaza é só um aviso à Cisjordânia”.

A defesa do papel dos movimentos sociais que orbitam no FSM não é, para o ativista palestino, a de salvar os palestinos ou de oferecer-lhes uma solução. Ambos os procedimentos não deixam de abundar em sua inutilidade e hipocrisia, dada a fraqueza da ONU e as trevas da quadra recente da história sob os anos George W. Bush, para dizer o mínimo. Para ele, a solução dos problemas dos palestinos “deve partir da Palestina”. O apelo de Jumá ao FSM é um apelo pelo boicote comercial a Israel, com base na perda de credibilidade na força de lei das decisões da ONU. “Devemos isolar Israel, boicotá-lo. Parar de comercializar seus produtos. Devemos boicotar até que Israel venha a respeitar as resoluções da ONU. Precisamos que esse movimento continue. Lutar contra os acordos de livre comércio que Israel tem celebrado com vários países, inclusive com o Mercosul. Precisamos pensar neste fórum em como trabalhar unidos, ao redor do mundo”.

Essa é a agenda, não apenas do Jamal Jumá e do movimento Stop the Wall, mas de muitos outros movimentos palestinos presentes em Belém. Eles defendem (ainda que não falem disso aberta e espontaneamente) uma tese que já foi considerada utópica, mais ou menos nos anos 60 do século passado, a saber, a de um único estado, laico, binacional, sem muros, nem fronteiras entre os povos, sem documentos de identificação distintos. Afinal, disse Jumá, “ou reconhecemos que não vamos eliminar a existência um do outro e que estaremos sempre juntos, ou o conflito nunca terá fim”.

Dada a ocupação empedernida de Israel sobre territórios palestinos, já a mais longa da modernidade, e dada essa derrota moral e política que parece clara para os participantes deste Fórum, essa utopia pode vir a fazer sentido. Pode ganhar realidade, pois, como disse o palestino, “as questões essenciais do mundo, que aqui se discutem, dizem respeito a cada um de nós”, chamando à militância, não pela visibilidade, mas pelo reconhecimento.



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