segunda-feira, 22 de junho de 2009

GARRINCHA - A "OVELHA NEGRA"


Por Adriano C. Tardoque

A final da Copa do Mundo de 1962, entre Brasil e Tchecoslováquia (resultando em 3 a 1 para a seleção canarinho) foi a primeira a ser transmitida ao vivo pela televisão, em preto e branco, para alguns países do mundo. Além do bicampeonato mundial para o Brasil, este torneio selava na ausência de Pelé, contundido, o nascimento da mítica figura de Garrincha como ídolo do futebol. Considerado indisciplinado e boêmio, o “Mané”, como era chamado, não se enquadrava no perfil do atleta moderno, das capacidades físicas plenas e obediência:

“Algum de seus muitos irmãos batizou-o de Garrincha, que é o nome de um passarinho inútil e feio. Quando começou a jogar futebol, os médicos o desenganaram: diagnosticaram que aquele anormal nunca chegaria a ser um esportista. Era um pobre resto de fome e de poliomielite, burro e manco, com um cérebro infantil, uma coluna vertebral em S e duas pernas tortas para o mesmo lado” [1]

O futebol mostrou que o “cérebro infantil” de Garrincha, tal qual a sua atribuição, o levava a brincadeiras dentro de campo que representavam a mais pura arte e descontração, características do futebol brasileiro. Suas “pernas tortas” como instrumentos de sua mente brincalhona desesperava seus adversários, arregalando olhos e derrubando os queixos nas arquibancadas. Expulso no jogo da semifinal, na vitória de 4 a 2 contra o Chile, o Mané contou com uma intervenção direta do presidente do Brasil, João Goulart, para sua participação no jogo da final:

“Jango acompanhava todos os jogos através do rádio, tendo a seu lado o popular ministro da guerra, marechal Henrique Lott (1894-1984), ou o primeiro-ministro, Tancredo Neves (1910-1985), o que a imprensa nacional noticiava fartamente. Veio a semifinal, e Garrincha foi expulso. O Brasil, que já perdera Pelé por contusão no segundo jogo, ficaria sem seus dois principais jogadores. O presidente acionou o primeiro-ministro e os dirigentes do nosso futebol para que intercedessem junto a FIFA, e aos organizadores do torneio, para que Garrincha fosse perdoado, o que, de fato, ocorreu" [2]

Sua arte lhe rendeu dinheiro e fama, e como não poderia deixar de ser, fez pesar sobre sua imagem, responsabilidades além daquelas que escolhera. Estar nas “graças” de João Goulart, não seria bom negócio, nos dias anos subsequentes. Logo estava perseguido pela mídia e pela “moral pública”, após a revelação de sua relação com a cantora Elza Soares, por quem abandonara a família. Elza, politizada e apoiando o então presidente João Goulart esteve presente no discurso pró-reformas em 13 de março de 1964, para quem se apresentou em show no dia 30 de março do mesmo ano, um dia antes do golpe militar. Como resultado destas “relações”, Elza e Garrincha tiveram sua casa invadida e sofreram ameaças:

“Os homens que invadiram a casa de Garrincha e Elza podiam pertencer a qualquer um desses grupos (exército e marinha), mas não deixaram registro escrito em nenhum órgão daquela época. E também não apresentaram cartões de visita (...) Na casa estavam Garrincha, Elza, dona Rosária, e três filhos de Elza: Carlinhos, Dilma e Gilson. Os homens os puseram nus contra a parede da sala enquanto reviravam a casa pelo avesso. Não disseram se estavam, procurando alguém ou alguma coisa, mas, no meio da confusão, Elza julgou ouvir várias vezes o nome de Jango. Não podiam estar procurando o presidente deposto – este já estava posto em sossego desde o segundo dia do golpe, numa de suas fazendas no Uruguai (...) Aparentemente satisfeitos com o estrago, os sujeitos foram embora. Não levaram nada. Mas, para provar que não estavam brincando, um deles antes de sair, trouxe a gaiola com o mainá para a sala. Abriu a portinhola e tirou o mainá lá de dentro. Depois de exibi-lo para Garrincha e os outros, torceu-lhe o pescoço. Atirou-o morto no chão e saíram (...) Dois dias depois os jornais deram a notícia , mas convenientemente maquiada: a casa de Garrincha e Elza fora arrombada enquanto eles dormiam. Os ladrões haviam matado o pássaro que ele ganhara de Lacerda. Os homens teriam entrado e saído em silêncio que só de manhã os donos da casa viram o que acontecera (...) Elza queria evitar que a notícia ganhasse conotação política. Garrincha tentou minimizar a história' [3]

Garrincha que não tinha engajamento político algum, por força das suas relações cotidianas e pessoais, se vê entre embates de “direita e esquerda” pelo simples fato de ser uma estrela do futebol. Suas escolhas independem algumas vezes de sua própria vontade, ficando a mercê de políticos ou cartolas:

“O jogador brasileiro é de todos o que menos dura em atividade e talvez não haja na história do futebol, crueldade maior do que a praticada contra Garrincha, reconhecido no exterior após o bicampeonato (1962) como melhor ponta direita do mundo. 1963, o joelho do campeão começa a falhar, a cada partida incha e dói. Interessado na bilheteria, o Botafogo se recusa a interna-lo para operar e o induz a aceitar o “joelho aplicado” – infiltração de analgésico antes do jogo e punção de água que se formava em torno da rótula. No mesmo ano, o Juventus (Itália) oferece 700 mil dólares àquele clube e 60 milhões de cruzeiros ao jogador pelo passe., comprometendo-se a trata-lo. O Botafogo não aceita a proposta e nega a Garrincha os 18 milhões de cruzeiros requeridos para renovar o contrato. Em 1966 vende-o ao Corinthians quase de graça" [4]

Em 1966, já decadente, Garrincha disputou sua última copa do mundo pelo Brasil. Graves problemas no joelho, alcoolismo e ostracismo, levam-no ao encerramento da carreira e a morte na pobreza e esquecimento, em 1983. Representava de longe o “bom mocismo” do futebol, imagem esta que Pelé, carregava só e muito bem amparado.

[1] Galeano, Eduardo. Futebol ao Sol e Sombra. p.106
[2] Barreto, Túlio Velho. “A copa do mundo no jogo do poder”. In: Nossa História. Ano 3 no 32 – Junho 2006. p. 61
[3] Casto, Ruy. Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha. P. 324-325
[4] Milan, Betty. Brasil: o País da Bola. p.26

* Publicado originalmente como capítulo da monografia "A Construção da Democracia Corintiana" para Trabalho de Conclusão do Curso de História na Universidade Nove de Julho, em 2006, sob orientação do Professor Fabio Franzini.

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