quarta-feira, 15 de julho de 2009

O esgoto da midia corporativa chama-se...

O rodapé de Gore Vidal

Por Luiz Antonio Magalhães

Muita gente já aconselhou este observador a não perder tempo com Diogo Mainardi. De fato, comentar os textos do colunista da revista Veja é até aborrecido, ele vive repetindo os mesmos preconceitos e destila seu ódio contra o presidente Lula. Mas vez por outra, quando Mainardi se supera, vale a pena registrar, digamos assim, o novo patamar alcançado.

E na edição desta semana (nº 2121, de 15/07/2009), Diogo Mainardi subiu mais um degrau. Seu texto, reproduzido ao final desta nota, é um retrato acabado do pensamento da ultradireita tupiniquim. Desta vez, ele escreve sobre o compositor e escritor Chico Buarque de Holanda, a quem qualifica de "uma fraude". Vale a pena ler a coisa toda apenas para perceber como são ridículos os "argumentos" do colunista do semanário mais lido do país.

A construção do texto é centrada na figura de uma tal Edna O´Brien, escritora irlandesa que "entendeu" a fraude chamada Chico Buarque e não conseguiu dormir em Paraty por causa da irritante "batucada" que não parava durante a noite. Pior, também não dormiu no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, por causa da festa de casamento do jogador Alexandre Pato. Bem, para resumir a história, Mainardi jantou com a azarada O´Brien e parece que Chico Buarque foi o grande assunto do repasto. Ela "entendeu" algo que Dioguinho sempre soube: Chico nada entende de literatura e o Brasil é um país atrasado, onde a batucada nunca silencia.

Grande escritor

Dá até preguiça comentar, mas vamos lá: Mainardi certamente conhece mais literatura do que Chico Buarque. Senão vejamos. O colunista de Veja, que atualmente vive no Rio de Janeiro, deve morrer de saudades de Veneza e do tempo em que se divertia na Itália discutindo alta literatura com o grande escritor norte-americano Gore Vidal. Há controvérsias, porém, se foi Vidal quem primeiro introduziu a literatura na vida de Dioguinho. De qualquer forma, Chico jamais teve este prazer, de maneira que Mainardi deve mesmo saber mais do que o compositor quando o assunto é literatura.

Apesar de seu profundo conhecimento, o colunista de Veja não se arrisca sozinho: para dizer que Chico Buarque é "uma fraude", precisa do aval de alguém do Velho Mundo, pois tem pelo menos a consciência de que uma palavra sua contra Chico não seria nem levada a sério (como de resto quase tudo que escreve).

Em um futuro que este observador espera não estar tão próximo, isto é, quando estivermos todos mortos, Chico Buarque vai aparecer nos livros de história como um dos maiores artistas brasileiros. Já o grande escritor, cineasta e colunista Diogo Mainardi talvez, vejam bem, talvez, acabe em algum dos rodapés da biografia de Gore Vidal (that brazilian boy...). Uma diferença e tanto.

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Edna entendeu tudo

Diogo Mainardi # reproduzido de Veja, edição 2121, 15/07/09

Edna O’Brien está fazendo um conto sobre "Chico". Ela pronuncia "Chico" com um "T" na frente, como em Chico Marx. Por isso mesmo, "Chico", em seu conto, ganhou o nome de Harpo, como em Harpo Marx. Mas o inspirador da festejada escritora irlandesa – pode bater no peito – é o nosso "Chico": Chico Buarque.

Edna O´Brien conheceu "Chico" uma semana atrás, na Flip, em Paraty. Depois de participar de um debate, ela foi arrastada a um encontro entre Chico Buarque e Milton Hatoum. O que ela afirmou, assim que conseguiu escapar do encontro? Que Chico Buarque era uma fraude. O que ela afirmou em seguida, durante o jantar? Que se espantou com a empáfia e com o desconhecimento literário dos dois autores. E o que ela repetiu para mim, alguns dias mais tarde, em outro jantar, no Rio de Janeiro? Que Chico Buarque era uma fraude, que ela se espantou com sua empáfia e com seu desconhecimento literário, e que se espantou mais ainda com sua facilidade para enganar a plateia da Flip.

No conto de Edna O´Brien, Chico Buarque – ou Harpo – é tratado como "Astro do rock". O personagem é inspirado em Chico Buarque, mas tem também umas pitadas de Bono, do U2, admirador de Edna O´Brien. A narradora – uma autora irlandesa – está numa feira literária no Brasil. De alguma maneira, ela é inserida no séquito de um cantor que, como Chico Buarque, se meteu a fazer romances. Há uma atmosfera onírica no conto. Essa atmosfera onírica foi estimulada pelo fato de Edna O´Brien, nas quatro noites que passou em Paraty, atormentada pela batucada permanente do lado de fora da janela de seu hotel, nunca ter dormido. Quando saiu de Paraty, ela se refugiou no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, mas continuou insone, atormentada pela festa de casamento de Pato, o jogador do Milan, com Sthefany Brito, a atriz de Chiquititas. Sthefany é com "Y", como Paraty, e "Chiquitita" tem um "T" na frente, como Chico Marx.

Eu já resenhei um romance de Chico Buarque: Benjamim. Nele, um homem à beira da morte relembra o passado, misturando realidade e sonho. Em Leite Derramado, seu último romance, um homem à beira da morte relembra o passado, misturando realidade e sonho. Chico Buarque, como Harpo, é o buzinador das letras: fon-fon. Ele está para a literatura assim como Dilma Rousseff está para as teses de mestrado. Ou assim como José Sarney está para Agaciel Maia. Edna O´Brien passou apenas uma semana no Brasil. Mas ela entendeu tudo: neste país fraudulento, o que mais espanta é a facilidade para enganar a plateia, enquanto a batucada continua do lado de fora.

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