sábado, 28 de novembro de 2009

República Tcheca: 20 anos depois da Revolução de Veludo

  Jonas Lunardon - Correio Internacional



PRAGA, capital da República Tcheca – Essa semana a República Tcheca deu início às comemorações do 20º aniversário da Revolução de Veludo. Naquela época, foram os estudantes tchecoslovacos que tomaram a liderança do processo. Hoje em dia, a juventude do país é ambígua em relação à democracia ao estilo de Praga.
Na Tchecoslováquia, tudo começou com os estudantes.
No final do outono de 1989, o Muro de Berlim já havia caído, a fronteira entre Hungria e Áustria tornava-se porosa e na Polônia, há tempos, já eram realizadas eleições livres. Porém, na Tchecoslováquia o governo comunista ainda fazia o que podia para se manter firme nas rédeas do poder. Não iria durar muito.
Em 17 de novembro, milhares de estudantes tomaram as ruas de Praga. O protesto era pacífico – mas, mesmo assim, foi brutalmente reprimido por centenas de policiais equipados com armas de guerra. Dois dias depois, a multidão aumentou de tamanho e, em 20 de novembro, 500 mil tchecos e eslovacos se juntaram numa marcha pacífica pela cidade. A Revolução de Veludo – duas semanas de demonstrações não-violentas que derrubaram o regime comunista – tinha começado.
Das inúmeras revoluções anti-comunistas que ocorreram ao redor do leste europeu duas décadas atrás – durante um ano em que Timothy Garton Ash chamou de “o melhor da história européia” – a derrubada do governo comunista tchecoslovaco chega perto, talvez, do ideal de revolução democrática. Centenas de milhares de cidadãos querendo ser livres distribuíam flores a soldados e balançavam chaves como símbolo de liberdade: o que pode ser mais igualitário que isso?
“Escrava do capitalismo”
Essa semana, a República Tcheca está celebrando o 20º aniversário da Revolução de Veludo. Muitas das demonstrações estão sendo recriadas, milhares acenderam velas no centro de Praga em comemoração e Václav Havel, que se tornou o herói da Revolução, está onipresente. Mas como a juventude da nação, cujos antecessores foram unânimes na derrubada do governo comunista, se sente sobre isso hoje?
“Ser escrava do capitalismo não é diferente do que ser escrava do comunismo”. É o que a mãe de Jana Kajnarová lhe diz. Kajnarová, que vive hoje em Berlim, diz que existe uma nostalgia forte pela época do sistema comunista, principalmente nas gerações mais velhas.
“Minha mãe – que está doente e não recebe tratamento suficiente do Estado – era mais feliz 20 anos atrás”, ela afirma. “E muitos dos pensionistas de Varnsdorf, minha cidade natal, concordam com ela. Sob o comunismo as pessoas trabalhavam com a certeza de que um dia não precisariam mais” a jovem de 25 anos diz. “Agora, você simplesmente não tem mais esse tipo de segurança”.
Kajnarová também admite estar decepcionada com o governo atual, afirmando que, no momento, ela acredita que a República Tcheca não tem uma democracia real. “Simplesmente não há partido bom o suficiente para ameaçar (o atual presidente tcheco) Václav Klaus”, diz ela. Kajnarová descreve o presente governo como uma “farsa”.
“Eu posso viajar o quanto quiser”
No entanto, mesmo que Kajnarová entenda o ponto de vista dos pensionistas de sua cidade e esteja decepcionada com o governo tcheco, ela ainda acredita que as coisas estão melhores do que eram antes da Revolução. “Eu lembro constantemente (minha mãe) que agora somos livres, que eu posso viajar o quanto quiser”.
Esse pensamento é comum entre muitos outros estudantes tchecos neste século, como demonstra um recente estudo feito pela agência de pesquisas tcheca CVVM, publicado no jornal Aktuálne. A juventude tcheca vê a queda do comunismo como uma evolução muito positiva, de acordo com a pesquisa. Um estudo sobre o fim do comunismo lançado pela empresa Pew Global Attitudes Project, localizada em Washington, no início do mês, indica que quase 90% dos tchecos entre 18 e 29 anos aprova o sistema político multipartidário. 80% aprova a economia de livre mercado.
Ondrej Odehnal, 21 anos, estudante de Brno, uma cidade no sudeste do país, está certo de que a vida melhorou em todos os aspectos. Ele disse que, dentre outras coisas, suas instalações sanitárias são muito melhores agora e que crê que a corrupção no regime durante o qual seus pais sofreram muito também distorceu as mentes dos cidadãos e suas atitudes em relação ao Estado.
Perguntado sobre o que achava de seus compatriotas, aqueles que ainda sentem falta da Cortina de Ferro, ele disse: “Talvez sejam os velhos comunistas que sentem falta, não? As pessoas dizem muita besteira”.
Seu amigo Michal Jež, um garoto de 17 anos também de Brno, concorda com ele. “Hoje em dia, existem pessoas idosas que gostam do comunismo por que ocupavam uma boa posição no sistema e eram contentes”, Jež diz. Bem Skála, um rapaz de 24 anos formado pela University of Southern Bohemia em Ceske Budejovice tem pouco a acrescentar: “comunistas são porcos”, afirma.
“Cansadas dos nossos políticos”
Ainda assim, poucos jovens têm a ilusão de que estão vivendo em um tipo de democracia sonhada por todo mundo que a Revolução de Veludo fez parecer possível. Radys Kovaík, um estudante de 19 anos de Brno, acompanha a política, mas não tem tempo para o que ele vê como pequenas engrenagens do parlamento de seu país. Ele disse: “Sou interessado por política, mas somente por coisas importantes. Os políticos no nosso país geralmente agem como crianças brigonas”. Radys também acredita que a vida no país é imensamente melhor agora, mas lamenta o fato de que o cidadão comum tcheco perdeu o engajamento político por que as pessoas estão “cansadas de nossos políticos”.
É um pensamento que se espalhou nesse outono. Uma pesquisa feita pelo grupo STEM relatou, no início deste mês, que, enquanto dois terços da população viam a Revolução de Veludo como um dos momentos mais importantes da história tcheca, menos da metade – somente 43% – está satisfeita em como o país progrediu dali em diante. Uma pesquisa do mesmo grupo lançada na última sexta-feira descobriu que 87% do povo tcheco está descontente com a situação política do país.
Na terça-feira, milhares de pessoas se reuniram no centro de Praga para comemorar o início da Revolução de Veludo. A multidão refez o percurso que aqueles esperançosos estudantes que mudaram os rumos da história tcheca fizeram, e nesta multidão havia tanto jovens quanto velhos. De fato, muito dos que falaram com o SPIEGEL ONLINE (tchecos vivendo na Alemanha) voltaram para casa para a celebração.
Mas nem todos. Alguns preferiram ficar em Berlim para ir ao show de Marilyn Manson. “Quase todos nós somos completamente diferentes”, Odehnal diz. “(Minha geração) é livre – mas indiferente e interessada em outras coisas. Nosso estilo de vida mudou completamente. E estamos interessados com o futuro, não com o passado”.

Sarah Karacs


Tradução: Jonas Lunardon

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