quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A guerra dos minaretes no centro da Europa






A Suíça é um país encantador, com calendários de paisagens bucólicas, floridas e/ou nevadas que fizeram felizes milhões de brasileiros durante gerações, um recanto de paz onde as guerras não entram, cujo lema (não oficial) é um manifesto pela solidariedade, a famosa frase dos três mosqueteiros (que eram quatro) de Alexandre Dumas Pai, "um por todos, todos por um", certo? Errado.
A Suíça é um país estremecido por uma vaga de intolerância que ameaça projetá-la internacionalmente como um território ocupado por políticas e propaganda de inspiração racista, ondas de xenofobia, perseguições contra minorias étnicas e culturais, voltada para a defesa de uma "pureza européia" como raramente se viu desde as sinistras campanhas de arianismo dos anos 20 e 30 que levaram ao nazismo no mundo germânico. Errado? Não, certo.
Infelizmente, certo. Mas felizmente não é toda a Suíça (assim como não foi todo o mundo germânico que mergulhou na sandice nazista). Há ainda quem manifeste indignação, perplexidade, repúdio diante do que aconteceu.
E o que, afinal, aconteceu?
No domingo, 29 de novembro, houve um plebiscito na democrática Suíça, onde tudo pode ser plebiscitado, desde que seja objeto de uma petição com um certo número de assinaturas. O tema do plebiscito era se a construção de minaretes (as torres com sacadas circulares, junto às mesquitas muçulmanas, de onde o muezzim anuncia as preces) deveria ser proibida em território suíço, ou não. Autoridades, religiosos de todas as religiões, o Vaticano, militantes dos direitos civis, ecologistas, até políticos conservadores e de direita se posicionaram contra a proibição, a favor dos minaretes. Ademais, a população muçulmana na Suíca é pequena (400 mil em 7,75 milhões, cerca de 5,1%) e, na maioria, não provem de países árabes, mas da Turquia, da Albânia e da Bósnia; em todo o país há apenas 4 minaretes.
Cartaz da campanha contra os minaretes

As pesquisas de opinião davam uma confortável maioria para o "não". Talvez isso tenha contribuído para afrouxar o ímpeto dos que defendiam a liberdade para os minaretes e para todos os cultos religiosos. O fato é que o "sim" venceu, com 57% dos votos, e mergulhou o país numa crise de credibilidade e também de temor.
Crise de credibilidade: a Suíca deixou de ser aquela "terra de tolerância" descrita no primeiro parágrafo desse "post". Aliás, já vinha deixando de ser. Em campanhas eleitorais anteriores, um poster racista, em que três ovelhinhas brancas chutavam uma negra para fora da bandeira suíça, já chamara a atenção. Agora o poster principal da campanha pró "sim", ou seja, contra os minaretes, mostrava uma mulher com trajes muçulmanos, ao lado de minaretes negros sobre a bandeira suíça, cuja forma (a das torres) se confundia com a de mísseis. Tão ameaçador e intolerante era o poster, que ele chegou a ser proibido em algumas cidades.
Crise de temor: teme-se agoras que haja represálias por parte dos países de predominância muçulmana, não propriamente sob a forma temida do terrorismo, mas sim sob a forma apavorante da retirada de investimentos e de depósitos em bancos.
Segundo a revista Der Spiegel (artigo de Michel Soukup), por trás de ambas as propagandas (a das ovelhinhas e a das torres/mísseis), está um alemão residente na Suíça, Alexander Segart, de 46 anos, que se declara um defensor ardoroso do cristianismo.  Mas a campanha, cujo efeito na Europa é temido e pode de fato ser ameaçador, parece ter um tipo de apelo diverso do que o religioso. A sua base de propagação, também manifesta em vídeos e outros meios da mídia (inclusive no Brasil) difundidos pela internet, é uma suposta "islamização" da Europa e do mundo. Essa "islamização" teria como armas uma taxa de crescimento populacional maior entre os muçulmanos e uma militância religiosa e cultural mais empenhada do que aquela dos "frouxos" cristãos e ocidentais. Em tempos recentes uma acirrada polêmica marcou a licença para a construção de uma grande mesquita em Colônia, na Alemanha, e um dos argumentos brandidos pelos opositores era o de que a "cultura muçulmana" não "pertence à Europa", seja lá que insensatez isso queira traduzir. Insensatez? Sim, além de intolerância absurda, insensatez. Por exemplo: não fossem os sábios muçulmanos, os europeus e outros povos teriam "esquecido" quase todo o seu mundo da antigüidade grega.
Parlamentares e ativistas suíços estão se mobilizando para averiguar a possibilidade de declarar o resultado do plebiscito inconstitucional, além de pretenderem levar o caso à consideração do Parlamento e do Tribunal da União Européia em Estrasburgo, numa medida, na verdade, preventiva, já que a Suíça não faz parte da UE.
A adesão de movimentos de direita à campanha da proibição não surpreendeu. O que trouxe mais mal estar à história toda foi a adesão de grupos que se consideram "de esquerda" ou "militantes dos direitos humanos", argumentando com sua preocupação diante da "posição da mulher" nas culturas muçulmanas. Essa posição, disfarçada de "progressismo", esconde na verdade um ranço neo-colonial, baseado na idéia de que "como sou mais adiantando eu sei o que é melhor para você". Uma coisa é debater posições autoritárias ou machistas na cultura islâmica - aliás, em todas as culturas e sociedades. Outra é sair proibindo, barrando, impedindo a liberdade de expressão (é disso que se trata)  em nome de que "nós" somos "o" modelo para o mundo, o que no mínimo revela a arrogância de quem nào consegue se focar no espelho.
Infelizmente, a proibição dos minaretes, como também aponta o artigo do Der Spiegel, têm precedentes em outros tipos de proibição: na Arábia Saudita torres de igrejas cristãs são proibidas, o que apenas prova que a insensatez não tem fronteiras.

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