Agrotóxicos versus saúde e meio ambiente |
Marco Antônio de Moraes e Raul Marcelo - Correio da Cidadania | |
A notícia veiculada pela "Folha de S. Paulo", na edição do dia 22 de
março, reportando as flagrantes irregularidades constatadas pela ANVISA
nas empresas fabricantes de agrotóxicos, é um fato importante, uma vez
que a produção desses produtos no Brasil é marcada pela excessiva
tolerância do poder público para com essas empresas e substâncias
perigosas.
O poder público tem a obrigação constitucional de tutelar e assegurar a
saúde e a qualidade ambiental. Mas, em relação aos agrotóxicos, esse
importante preceito constitucional é, na prática, negligenciado. São
priorizados os aspectos meramente produtivistas e colocam-se em segundo
plano os riscos intrínsecos a essas substâncias. Não fosse assim, os
produtos com princípios ativos baseados em moléculas de organofosforados
- de elevada toxicidade e proibidos em grande número de países do mundo
- não teriam ainda uso autorizado no Brasil, como é o caso do
Metamidofós, Acefato etc. São vários os trabalhos científicos que
comprovam a alta toxicidade e os danos neurológicos ocasionados por
esses compostos, inclusive triplicando o índice de suicídios nas
populações mais diretamente expostas aos mesmos.
Como se denota da reportagem da "Folha", o domínio de mercado é das
transnacionais, que, vistas pelo cidadão incauto, são gigantes do
mercado apenas pela extrema competência e compromisso com a
sustentabilidade ambiental e social, como anunciam suas dissimuladas
campanhas publicitárias. No entanto, são corporações absolutamente
desprovidas de qualquer consciência ética ou ambiental.
As empresas produtoras de agrotóxicos lucram com o veneno na nossa
alimentação, com a intoxicação de trabalhadores rurais e com a
contaminação do nosso ambiente. E são as mesmas que nos impõem os
transgênicos, produtos cujas conseqüências são ainda indecifráveis nos
ecossistemas e organismos biológicos. Essas grandes corporações nos
adoecem e nos ofertam medicamentos produzidos também em suas fábricas.
Lucram com o fechamento de um ciclo de malefícios.
Tenta-se criar um mito, de fácil disseminação no senso comum, de que sem
esses produtos não haverá capacidade de suprir as necessidades
alimentares da população humana: os efeitos colaterais dos agrotóxicos
são apregoados como uma espécie de mal menor ante a possibilidade de
fome mundial. Desconsiderando que, mais do que uma questão de produção
de alimentos, a fome que recai sobre grande parcela da população mundial
é conseqüência do insano caráter concentrador do sistema capitalista.
Ademais, a criatividade humana tem plena capacidade para o
desenvolvimento de tecnologias de produção agrícola que prescindam dos
agrotóxicos, como mostram as crescentes vivências e experiências com
agroecologia mundo afora. A disseminação de tais experiências encontra
como principal obstáculo a insensibilidade governamental para um maior
estímulo e incentivo à pesquisa, ao ensino e ao desenvolvimento de
programas de extensão rural voltados para essa outra visão tecnológica.
A política governamental optou pelo agronegócio e suas nefastas
conseqüências: monoculturas, desmatamento, poluição por agrotóxicos e
adubos industrializados, concentração de renda e terras, empobrecimento
do camponês, enfim, uma opção que não supera o histórico papel
periférico de exportador de matérias-primas pelo Brasil. Trata-se de
opção em evidente contradição com um novo paradigma de produção
agrícola, mais limpa social e ambientalmente, voltada às necessidades
humanas, e não apenas aos lucros de poucos.
Pensando nisso, elaboramos uma proposta de regulamentação da produção,
comércio e uso de agrotóxicos no estado de São Paulo. A proposta tem
como orientação a prevenção da saúde e do meio ambiente. Esperamos que a
Assembléia Legislativa consiga, em seu conjunto, dar uma resposta à
sociedade paulista em relação ao uso descontrolado dessas substâncias
que ocorre atualmente no estado. É premente uma determinação política
para que, acima dos interesses econômicos, esteja o bem estar da
humanidade.
Marco Antônio de Moraes, 44, engenheiro agrônomo; Raul Marcelo,
30, deputado estadual e líder do PSOL na Assembléia Legislativa do
Estado de São Paulo.
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