Quando o ‘menor’ não é meu
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Elaine Tavares * Adital
A cidade de Florianópolis, no sul do Brasil, está estarrecida diante de
algumas informações que chegam aos correios eletrônicos como se fosse um
rastilho de pólvora. Uma garota de 13 anos, de um colégio de gente
endinheirada, teria sido estuprada por colegas, praticamente da mesma
idade. Um dos garotos seria filho de conhecido empresário, outro de um
delegado. Uma carta de mães indignadas - que o colégio nega que sejam de
lá - descreve a atrocidade com riqueza de detalhes. Nenhuma informação
saíra na imprensa porque, dizem as mães, um dos estupradores é filho do
dono de uma rede de comunicação. O jornal Diário Catarinense deu uma
nota no dia 30 de junho, lacônica, divulgando o ocorrido, mas, alertando
para o fato de que como todos são menores de idade o inquérito segue
sob segredo de justiça. Nenhum nome, nenhuma informação a mais.
Muito bem. Corretíssima nota do DC. Quando são menores os
envolvidos em crimes, não se divulgam nomes, não se publicam fotos. E
mesmo se são maiores e não há flagrante, não se poderia divulgar porque
haveria apenas uma presunção de crime. Os nomes só poderiam ser
divulgados depois de as pessoas terem sido julgadas. E as fotos, só
publicadas com a autorização do vivente. Mas, claro, isso só vale para
os que conhecem a lei, no caso, os ricos, que podem ter bons advogados.
Com os pobres, tudo é liberado.
Seria bom que o DC agisse assim em todos os casos que envolvessem
adolescentes infratores. Seria bom que os jornais preservassem o direito
dos menores, impedindo assim que eles ficassem marcados para o resto da
vida por conta de alguma infração cometida nesta idade "tão
problemática". Mas ocorre que este debate está eivado de um recorde de
classe. Quando são os pobres que cometem crimes, o que está implícito
nos informes que nos chegam via TV ou jornal é de só poderiam acabar
assim. "Não tem educação, não tem chances, estão fadados ao fracasso".
Como se isso fosse coisa natural. E não é assim. O prefeito Sérgio
Cabral, do Rio de Janeiro, chegou ao absurdo de chamar as mulheres
pobres e negras que vivem nos morros de "fábricas de marginal" porque,
afinal, é de seus ventres que saem os filhos da pobreza.
Mas e quando quem comete um crime é um rico? Como a coisa anda? A
primeira tese que se levanta é que a criatura deve ter algum problema
mental. Vide o caso da loira que matou os pais, num fato que ficou
semanas no ar. Pois é assim. Já se é um pé rapado quem mata os pais, aí
está certo. É quase óbvio, é "da sua natureza". Um juiz que rouba o INSS
é protegido pela polícia federal. Jovens que matam um homossexual não
têm seus nomes revelados para não terem seu futuro estragado. Não são
menores, só ricos. Os canalhas que falsificam licenças ambientais,
porque são empresários freqüentados por artistas e governadores são
escoltados por agentes públicos, sem autorização para fotos. Depois,
quando são soltos seguem suas vidas entre champanhes e festas. Nada os
marca para sempre. Nada.
Agora este caso da garota violentada é mais um para esta triste
estatística. Ficará em segredo de justiça para não manchar a vida dos
garotos. Certamente haverão de se defender teses sobre graves problemas
que teriam estes adolescentes, porque só isso poderia explicar tamanha
infâmia, tamanha crueldade. Não é da natureza de jovens bem-nascidos
cometerem atrocidades. Vamos lembrar os que queimaram o índio Galdino,
hoje vivendo muito bem, em cargos públicos até. "Foi uma fatalidade".
Ah! A hipocrisia burguesa! Todos os dias, em cada lugar deste mundão
de deus os ricos estão violentando as gentes. De todas as formas. Parece
ser da natureza de quem domina permanecer na impunidade. Por isso eles
criam exércitos, milícias, leis, justiça. Porque estas coisas existem
para eles, para proteção deles. É por isso que os gritos de "justiça,
justiça" dos que estão à margem, fora do centro de poder, se perdem no
vazio. A justiça é uma invenção dos poderosos para sua própria proteção.
Só a eles serve. Vez em quando se dá uma vitória a um pobre para que o
povo tenha a ilusão de que é possível confiar no sistema. Bobagem! Lei
não é sinônimo de justiça.
Dou um exemplo de uma comunidade indígena dos Andes, por exemplo. Lá,
se alguém viola o código da comunidade, é punido exemplarmente. O
coletivo não pode ser maculado pela ação individual. A comunidade
depende da harmonia. Se um homem mata outro ele não vai preso. Ele é
obrigado a sustentar por toda a vida a sua família e a do outro que ele
matou, vivendo essa vergonha para sempre. Porque um homem morto é um
braço a menos na construção do coletivo. São regras simples, de
comunidades simples.
No mundo capitalista a justiça é individual. Um homem morto é só um
homem morto num universo de milhares de braços sobrantes. Uma peça, que é
trocada, sem dor. Não há uma quebra no equilíbrio, porque é cada um por
si. Por isso às famílias agredidas só resta chorar.
É o que ocorre agora, em Florianópolis, neste triste caso. A família
da garota violada buscará justiça. Achará? O que devolve uma inocência
perdida? O que recupera toda essa dor de nunca mais poder confiar em
alguém? Como se retoma o equilíbrio numa sociedade medida pelo
individualismo e pelo consumo? Quem se importa com essa dor? Haverá uma
indignação momentânea e o caso cairá no esquecimento, como sempre é numa
sociedade eternamente a espera do próximo espetáculo? Num estado
dominado por um monopólio de comunicação, qual será a repercussão disso
tudo?
Este é o estado da coisa. E deve ser pensado no seu todo. Os finos
salões da burguesia também são capazes das coisas mais sórdidas. E não é
por problema mental não. Só que aos poderosos tudo parece permitido.
Até quando? Até que as gentes mudem este panorama, construindo uma outra
sociedade que não esta, dominada pelo dinheiro de alguns. Porque hoje,
aqui, neste modo de organizar a vida, a burguesia, por exemplo, pede
histericamente a redução da idade penal para conter a violência cada dia
maior. Mas, não é para todos. Isso vale apenas para quando o "menor"
não é seu.
* Jornalista
3 comentários:
Não sei quem é pior: Se é a verdadeira autora da postagem dizendo que Cabral é PREFEITO ou se é quem lê, não percebe e ainda posta em outro Blog..aff...
Anônimo, realmente passou despercebido porque o teor da mensagem é muito mais importante do fato de Sergio ser prefeito ou governador(cargo que ocupa atualmente)
Sou e quero continuar sendo indignada com esse Sistema... É com esse tipo de comportamento e com essas atrocidades que presenciamos diuturnamente em nosso país que somos "obrigados" a conviver, inobstante algumas reformas no âmbito legal. Por coincidência (ou providência)neste começo de semana transcevi uma frase do Herbert de Souza em minhas redes sociais: " Olhar para os filhos dos outros com os olhos do ECA, é desejar para os filhos dos outros o que desejamos para os nossos filhos".
contato: www.soscriancaeadolescente.com.br
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