Wagner Iglecias no Correio da Cidadania | |||
A eleição presidencial deste ano é a sexta desde 1989, quando o Brasil
voltou a eleger seus presidentes de forma direta. Uma eleição até aqui
modorrenta, com pouca ou nenhuma discussão real de propostas para o
país. Caminhamos para um pleito no qual, segundo as pesquisas, a maioria
do eleitorado votará de maneira bem pragmática, conservadora, quase
interesseira. A melhora das condições de vida dos brasileiros é notória
nesta década, e o voto em Dilma Rousseff reflete, talvez mais do que o
reconhecimento ao trabalho de Lula, o receio de que dar a vitória à
oposição possa mudar, para pior, o rumo das coisas. Até aí, nenhuma
novidade no front: a maioria dos brasileiros votou em Fernando Henrique
em 1994 e o reelegeu em 1998 a partir da melhoria das condições de vida
proporcionada pela estabilidade econômica do Plano Real e pela
desconfiança de que uma mudança de rumos àquela altura pudesse
representar mais perdas do que ganhos.
Por conta do sucesso econômico do governo Lula, a tarefa da oposição
nesta eleição sempre foi tida como inglória, mesmo antes de a campanha
começar. O brasileiro vota com o bolso, como de resto ocorre em muitas
partes do mundo. Como então convencer o eleitorado a optar pela
alternância, se o cálculo da maioria das pessoas as leva a constatar que
suas vidas melhoraram em relação a dez anos atrás? Provavelmente daí
resulte a trajetória errante da campanha de José Serra, que passou meses
a fio sem saber se elogiava ou se criticava Lula, se resgatava o legado
de Fernando Henrique ou se o escondia.
Estes dias têm sido de tiroteio, de blefes, de movimentos
contraditórios. Fala-se muito em balas de prata, há inúmeros interesses
em jogo, que ultrapassam inclusive a disputa partidária e eleitoral,
como se sabe. Mas independentemente do que disserem as urnas na noite de
3 de outubro, uma das questões mais relevantes desta eleição, a ser
analisada no futuro, é o enfraquecimento das duas principais legendas do
país, em que pese a quantidade de votos que venham a obter e a
quantidade de governadores e congressistas que venham a eleger.
Embora tenha surgido no ABC paulista, região onde se localizava, nos
anos 1970, o que havia de mais avançado no capitalismo brasileiro, o PT
carregava em sua origem duas bandeiras: a do socialismo e a da ética na
política. A bandeira do socialismo o partido abandonou há tempos, talvez
desde o congresso interno de 1995, ou antes. A bandeira da ética na
política foi seriamente comprometida com o escândalo do mensalão, em
2005. E continua a sê-lo a cada nova denúncia de mau uso do dinheiro
público que atinge o partido e suas administrações, em especial o
governo federal. E a cada vez que é tratada com escárnio por parte
daqueles que durante anos se apresentaram para a sociedade brasileira
como diferentes dos velhos donos do poder e do sistema político
tradicional e seus costumes daninhos. De 2005 para cá, boa parte do
eleitorado passou a ter a impressão de que o petismo converteu-se à
normalidade do jogo sujo, com o qual gente comum identifica a atividade
política. E isso é extremamente grave, pois do petismo se esperava algo
diferente, e isso esperavam muitos, até os que nunca votaram no PT. Daí a
grande frustração que setores médios da sociedade tiveram com o partido
nos últimos anos.
O PSDB, por sua vez, também se enfraquece muito neste pleito. E mais que
o PT, obviamente, diante da provável derrota eleitoral. Quando no
poder, no entanto, o partido construiu um legado extremamente importante
para os dias de hoje, que foi o fim da inflação. Foram os tucanos, em
grande medida, que reestruturaram, para o bem e para o mal, o Estado
brasileiro, e as conseqüências daquela reestruturação estão aí, tanto
para quem governou depois deles, quanto para a sociedade e para o
mercado.
Mas o PSDB parece que envelheceu. Continuou a ser um partido de quadros,
elitizado, comandado por uma geração já veterana, que ao que tudo
indica perdeu a capacidade de compreender as transformações pelas quais o
país tem passado. É de se lamentar que uma agremiação com alguns dos
expoentes intelectuais que possui tenha entrado numa campanha
presidencial quase que reduzida a um denuncismo moralista, muitas vezes
requentado, diante do qual qualquer projeto de governo ou qualquer idéia
para o país passam despercebidos, se é que existem. A aposta no
escândalo, dirigida a uma sociedade que vive melhor hoje que há uma
década e que, em grande medida, acha que "todos os políticos são
iguais", só pode resultar no que está resultando, pelo menos até o
momento: em nada. Como conseqüência só resta a alguns insinuar, entre a
raiva e o muxoxo, que "o povo não sabe votar" e que estaríamos diante do
ocaso da democracia brasileira, dois óbvios exageros.
PT e PSDB se enfraquecem nesta eleição, perdem um pouco mais a energia
inovadora que, cada qual a seu modo, tiveram um dia, porque mimetizam as
piores características de seus respectivos eleitorados. O PT tem hoje
um eleitorado expandido, e sua pregação pragmática vai ao encontro e se
alimenta das novas e crescentes parcelas de eleitores conquistadas pelo
partido de 2002 para cá. Esse petismo pragmático e conservador dos dias
de hoje não é muito diferente do eleitor que passou a apoiá-lo mais
recentemente, e lembra muito pouco aquela interessante alternativa
eleitoral surgida em 1982, a qual representava uma lufada de ar fresco
na cena política brasileira da época. Já o PSDB, que vê hoje diminuído
seu market share eleitoral, aferra seu discurso naqueles segmentos que,
até a última conseqüência, lhes são e serão fiéis em voto. Modula sua
pregação eleitoral a partir do que lhes sopram seus eleitores mais
reacionários e elitistas, desde sempre indispostos a reconhecer qualquer
mérito em Lula e no seu governo.
Neste sentido, a eleição de 2010 talvez seja a mais pobre, desde o
pleito de 1989, em termos de idéias inovadoras para o país. Ficamos
reduzidos ao embate do "mais do mesmo" contra o "pode mais". Entre o
escândalo e o escárnio, ou, melhor dizendo, o contrário.
Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Eleição 2010: entre o escândalo e o escárnio
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