sábado, 9 de outubro de 2010

Eleição, aborto e a infantilização da religião




Jung Mo Sung * Adital
 

Por que bispos, padres e grupo religiosos que sempre defenderam a separação radical entre a religião e política, que sempre criticaram a discussão política no âmbito da Igreja ou até mesmo a relação "fé e política", estão fazendo, até mesmo nas missas, campanha aberta contra Dilma?
Uma primeira resposta poderia ser: hipocrisia. Respostas moralistas podem satisfazer o "juiz moralista" que todos nós carregamos no mais profundo do nosso ser, mas não são boas para nos ajudar a entender o que está acontecendo.
Esta campanha contra a candidatura da Dilma, e com isso o apoio explícito ou implícito à candidatura do Serra, está sendo feita de várias formas, mas com um elemento comum: os católicos e os "crentes" não devem votar nela porque ela seria a favor do aborto e, por isso, contra a vida. Alguns agregam também a acusação de que, se ela for eleita, as TVs católicas e evangélicas seriam proibidas de veicular os programas religiosos ou obrigadas a diminuir o seu tempo de duração. É a velha acusação de que "comunistas" são contra a religião.
Essas duas acusações são expressas e justificadas através de lógicas religiosas, e não a partir da "racionalidade leiga" que deve caracterizar a discussão sobre a política hoje. Esses grupos não admitem a distinção entre a religião e a política, ou melhor, não admitem a "autonomia relativa" do campo político e de outros campos -como o econômico- que se emanciparam da esfera religiosa no mundo moderno. Por isso, eram e são contra "fé e política" ou o debate sobre a política no campo religioso, pois esses debates são feitos normalmente a partir do princípio da autonomia relativa da política. Isto é, a discussão sobre questões políticas são feitas com argumentos de racionalidade sócio-política e não submetidos ao discurso meramente religioso.
Para esses grupos (é preciso reconhecer que ocorre também em outros grupos político-religiosos), os valores religiosos (do seu grupo) devem ser aplicados diretamente a todos os campos da vida pessoal e social. E, em casos graves como aborto, ser impostos sobre toda a sociedade através das leis do Estado. Nesses casos, não seria misturar a religião com a política, mas seria a "defesa" dos mandamentos e valores religiosos; ou colocar a política a serviço dos valores religiosos (nessa discussão apresentados como "a serviço da vida"). Pois, nada estaria acima dos "mandamentos de Deus". Desta forma não se reconhece a autonomia relativa do campo político, a dificuldade de se passar do princípio ético abstrato (do tipo "defenda a vida") para as políticas sociais concretas, e muito menos se aceita a pluralidade de religiões com valores diversos e propostas de ação divergentes e conflitantes.
Esta é a razão pela qual esses grupos não entendem e nem aceitam a resposta dada por Dilma de que ela, pessoalmente, é contra o aborto, mas que ela vai tratar esse tema como um problema de saúde pública. Para ouvidos daqueles que crêem que não há ou não deve haver separação entre a saúde pública (o campo da política social) e a opção religiosa pessoal do governante, a resposta da Dilma soa como eu não sou contra o aborto, que logo é traduzido na sua mente como "eu sou a favor do aborto".
E se ela é a favor do aborto, ela é contra a vida e, portanto, ela é do "mal". Enquanto que, por oposição, o outro candidato seria do "bem".
Reduzir toda a complexidade da "defesa da vida" -a que um/a presidente deve estar comprometido/a- à manutenção da criminalização do aborto (que é o que está discutido de fato neste debate sobre ser a favor ou contra o aborto) é uma simplificação mais do que exagerada. Simplificação que deixa fora do debate, por ex., toda a discussão sobre políticas econômicas e sociais que afetam a vida e a morte de milhões de pessoas. Mas é compreensível quando os cristãos têm muita dificuldade em perceber quais são os caminhos concretos e possíveis para viver a sua fé na sociedade, perceber em que a sua fé pode fazer diferença na vida social. Diante de tanta complexidade, a tentação mais fácil é simplificar o máximo para separar "os do bem" de "os do mal".
Essa simplificação me lembra a pergunta que os meus filhos, quando muito pequenos, me faziam ao assistir um filme: "pai, ele é do bem?" Se sim, eles torciam por aquele que "é do bem" contra o "do mal". Essa necessidade de separar os do bem e os do mal faz parte da condição mais primária do ser humano. O problema é que reduzir toda a complexidade da luta em favor da vida ao tema de ser favor ou contra a manutenção da criminalização do aborto é infantilizar a discussão política e, o que é pior, é infantilizar a própria religião que professa.
[Autor, em co-autoria com Hugo Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece na luta em favor dos pobres"].

* Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo

3 comentários:

Professor Tiago Menta disse...

Seja qual for a análise, quando ela começa a utilizar-se de termos maniqueístas, pode saber que é uma argumentação pobre, sem profundidade alguma.
Isso que estão fazendo contra a candidatura petista não me surpreende, pois a Igreja literalmente joga sujo dentro de sua lógica irracional e intolerante por excelência.
Por isso, contra todas as forças conservadoras e reacionárias o meu voto neste segundo turno é para Dilma Roussef.

Anônimo disse...

Um estado laico não implica que as pessoas não possam lutar por suas convicções, o que é condenável é usar meios ilicitos ou antiéticos,como por exemplo, dizer que a pessoa disse o que de fato ela não disse.
Não está implícito na idéia do estado laico que as pessoas somente se manifestem sobre assuntos de políticas sociais concretas, embora talvez fosse bom que isso ocorrece,como seria bom que tantas outras coisas ocorrecem, mas que na prática não ocorrem.
Uma nação se compõe de várias classes sociais,com religiosidades diferentes,escolaridades diferentes e percepções diferentes, o que devemos buscar e lutar é por uma ética no agir, quanto ao resto que as pessoas se manifestem como manda a sua sensibilidade tendo por condição o respeito pela decisão nas urnas como manda a democracia.

Anônimo disse...

Um estado laico não implica que as pessoas não possam lutar por suas convicções, o que é condenável é usar meios ilicitos ou antiéticos,como por exemplo, dizer que a pessoa disse o que de fato ela não disse.
Não está implícito na idéia do estado laico que as pessoas somente se manifestem sobre assuntos de políticas sociais concretas, embora talvez fosse bom que isso ocorrece,como seria bom que tantas outras coisas ocorrecem, mas que na prática não ocorrem.
Uma nação se compõe de várias classes sociais,com religiosidades diferentes,escolaridades diferentes e percepções diferentes, o que devemos buscar e lutar é por uma ética no agir, quanto ao resto que as pessoas se manifestem como manda a sua sensibilidade tendo por condição o respeito pela decisão nas urnas como manda a democracia.