A onda fascista que assola o Brasil,
pela mão do candidato de direita José Serra [PSDB-PIG], não é um
"privilégio" só nosso. Outros países, na Europa "civilizada," que se tem
na conta de democráticos, também abraçam, com entusiasmo, a via
fascista.
E Israel, que se
pretende o baluarte da democracia em meio às "ditaduras" do Oriente
Médio, todas apoiadas pelos EUA, não fica atrás!
O
gabinete de Israel aprovou projeto de lei que exige que pessoas que
requeiram a cidadania israelense prestem um ‘juramento de lealdade’ a
Israel definida como “estado judeu e democrático”. Atualmente, a
exigência só afeta relativamente poucos, quase exclusivamente os
palestinos que vivam fora de Israel, que casem com cidadãos
palestino-israelenses e que desejem que a família viva do lado
israelense da linha verde (hoje, podem fazê-lo). Mas o padrinho da ‘lei
da lealdade’, Avigdor Lieberman (ex-crupiê de cassino, da Moldávia),
deseja que o mesmo juramento, ou juramento ainda mais estrito seja
imposto a todos os palestinos-israelenses – que são cerca de 20% da
população de Israel.
Apoiadores
do projeto, como o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, dizem que a
definição de Israel como estado judeu democrático já existe na lei
orgânica.
Mas líderes da comunidade palestino-israelense e membros do Parlamento denunciaram o projeto de lei, por racismo.
A
expressão “judeu”, como marcador de identidade, tanto pode referir-se à
religião quanto à etnia (em Israel, é judeu quem nasça de mãe judia). O
traço de etnia é talvez o mais importante dos dois marcadores de
identidade, porque um judeu praticante e cidadão israelense, se filho
de mãe não judia, não terá papéis que o identifiquem como “judeu”.
O
mais recente censo mostra que havia 7,2 milhões de israelenses, dos
quais 5,5 milhões são judeus, 300 mil são não judeus e 1,4 milhões são
árabes, ditos “palestinos-israelenses”. Os não judeus são, quase todos,
filhos de famílias mistas nas quais a mãe não é judia. A maioria
desses consideram-se judeus, e alguns lamentam não serem oficialmente
reconhecidos como judeus. Nos 5,5 milhões de judeus, estpa incluído
grande número de russos que não praticam o judaísmo, mas declaram-se
‘judeus étnicos’, por terem tido algum ancestral judeu – argumento que
as autoridades israelenses aceitam sem qualquer investigação. (É ideia
generalizada entre os intelectuais israelenses que bem poucos desses
russos são judeus seja ‘religiosos’ seja ‘étnicos’.)
Parece
bem evidente, pois, que a expressão “judeu”, no juramento de lealdade
de Netanyahu não é um marcador religioso. Se fosse, muitos dos 300 mil
não judeus seriam identificados como judeus nos documentos de
identidade e muitos dos russos seriam definitivamente não judeus, o que
facilmente se comprovaria pelo amor que manifestam a sanduíches de
porco.
Não
há dúvida de que alguma religião está incluída no pacote, é claro,
porque em algum momento do passado as matriarcas que pariam judeus
foram, sim, praticantes da religião dos judeus. No passado, a religião
predominava sobre a etnia; hoje, pela lei israelense, a etnia predomina
sobre a religião.
Mas
exigir que alguém declare que Israel é “estado judeu democrático”,
como condição para que receba a cidadania israelense, equivale a exigir
que um indiano hindu que emigre para os EUA declare, para ser acolhido
como cidadão, que os EUA são “estado branco, cristão e democrático”.
Nessa fórmula, a etnia (brancos) estaria sendo adotada como critério
privilegiado, definida em parte por haver ancestrais brancos, mesmo que
fossem protestantes. (No início do século 20, juízes racistas
decidiram que os indianos hindus poderiam ser considerados arianos
porque falavam língua indo-europeia, mas nem por isso podiam ser
considerados “brancos”.)
É
óbvio que exigir que imigrantes africanos ou asiáticos, ou mesmo
latinos, prestem aquele juramento, naqueles termos, como preço exigido
pela cidadania israelense é discriminatório e racista, posto que o
próprio juramento rouba-lhes a cidadania de primeira-classe.
Especialistas
em teoria política distinguem entre o nacionalismo “cívico” – como há
nos EUA e na França – e o nacionalismo “étnico”, mais comum na Europa
Central no século 19. O nacionalismo cívico é baseado em ideais
(respeito à Constituição dos EUA, por exemplo) e na história. Crispus
Attucks, afro-americano, é considerado o primeiro mártir da
independência dos EUA – o que consagra os ideais, não a etnia.
Há,
contudo, algum racismo latente no nacionalismo dos EUA, pelo qual há
quem creia que os “verdadeiros” norte-americanos seriam os protestantes
brancos. O ideal do nacionalismo cívico, portanto, várias vezes
aparece misturado com sentimentos de nacionalismo étnico. Ao longo do
tempo, contudo, o nacionalismo cívico parece estar derrotando o
nacionalismo étnico nas cortes de justiça – resultado, sim, de uma
longa luta.
O
nacionalismo étnico já produziu monstros como a Alemanha nazista e a
Sérvia de Milosevic. Se a nação for definida por uma etnia dominante,
cria-se a ideia de que quanto ‘mais pura’ a etnia dominante, mais
direitos terá. O nacionalismo étnico também sempre gera confrontos
contra outras etnias que vivam em áreas próximas (e se os casamentos
interétnicos diluírem a etnia dominante?)
Em mundo global, com migração massiva de trabalhadores, o nacionalismo étnico é germe de guerras raciais.
Claro
que, como historiador, rejeito completa e absolutamente a ideia de
“raça”, da qual falavam os nacionalistas românticos do século 19. Brian
Sykes descobriu, em pesquisa com o DNA mitocondrial dos europeus, que
todas as mulheres apresentavam pelo menos um de sete pares de alelos
nos cromossomas; e que os mesmos sete pares apareciam em todos os
grupos nacionais e lingüísticos, inclusive, por exemplo, nos bascos,
embora em diferentes proporções. Nesse sentido, os alemães são idênticos
aos irlandeses e aos búlgaros. Vasta maioria de mulheres judias
azquenazes têm os mesmos sete pares de alelos que se encontram nas
mulheres palestinas. Todas, portanto, são descendentes de matriarcas
ancestrais não judias.
Não
há raças. Todos os seres humanos são mestiços. Basta recuar 10, 12 mil
anos, para encontrar um ancestral comum de todas as populações
mediterrâneas. Escavações recentes em Roma, em camadas arqueológicas do
tempo de Augusto, encontraram a ossada de um trabalhador chinês.
Descobrir como chegou ao Império Romano é enredo para um romance. Mas,
se aquele chinês algum dia deitou-se com mulher romana e nasceram-lhes
filhos, praticamente todos os italianos hoje vivos são descendentes
daquele casal e, pois, são primos de todos os chineses hoje vivos.
O
nacionalismo étnico não é apenas intrinsecamente discriminatório: ele é
sobretudo contrário a todas as evidências, é uma falsidade. Não há nem
jamais houve raças.
Em
Israel, o nacionalismo étnico sempre predominou, embora haja alguns
traços do nacionalismo cívico na política israelense. Os
palestinos-israelenses são cidadãos, votam, podem organizar-se em
partidos políticos e podem eleger representantes ao Parlamento. Ao
mesmo tempo, podem, também, ser sumariamente expulsos da sociedade e
privados da cidadania. Seus direitos civis são frágeis e menos estáveis
que os dos israelenses judeus.
Agora,
Lieberman e Netanyahu, com a nova ‘lei da lealdade’, deslocaram a
ênfase a favor do nacionalismo étnico, contra o nacionalismo cívico,
garantindo aos judeus o posto de etnia privilegiada. Estão convencidos
de que nada fizeram de extraordinário. E erram gravemente, se supõem
que o que fizeram não terá consequências profundas. Sempre que, por
vias políticas, se faz aumentar o peso da etnia contra o peso dos
valores cívicos, as consequências são profundas.
É
exatamente essa mudança de peso, a favor de uma etnia privilegiada,
que políticos e líderes da comunidade dos palestinos-israelenses estão
denunciando como política racista.
Vejo
algum exagero em dizer que a ‘lei da lealdade’ converte Israel em
estado de apartheid dentro dos limites da Linha Verde e suas 67
fronteiras. Os palestinos-israelenses são cidadãos, convivem com os
judeus israelenses, frequentam as mesmas escolas, as mesmas
universidades. Podem casar com judeus israelenses, em Israel ou em
qualquer lugar do mundo. A ‘lei da lealdade’ não expande o apartheid
para todo o estado de Israel, mas fortalece, sim, um nacionalismo
étnico muito semelhante ao que se viu na Alemanha hitlerista ou na
Sérvia. É escândalo e é vergonhoso que judeus, precisamente, acolham
esse tipo de lei discriminatória e antidemocrática, da qual os próprios
judeus foram as mais trágicas vítimas.
Há
apartheid, sim, em Israel, mas contra os palestinos não-israelenses
que vivem na Cisjordânia e em Gaza. Ali, sim, já se criaram bantustões,
idênticos aos que se viram na África do Sul, criados pelos europeus,
para manter cercados os africanos.
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