Das imensas confusões que se criam, propositadamente por
uns e despropositadamente por outros, é que economia e capitalismo são
uma espécie de sinónimos.
Sem
patrões não há empresas, sem empresas não há emprego, sem emprego não há
salário...este é um raciocínio lógico, contudo não é necessariamente
verdadeiro se tivermos em conta a pluralidade da economia.
Assim,
comece-se por desvincular estas duas realidades, capitalismo é uma
teoria ideológica de organização económica, economia é a pluralidade de
formas de organização social do trabalho e da propriedade. Esta confusão
está latente quando se diz que a economia evoluiu da economia política
para uma versão pós-moderna “limpa” e que subsiste enquanto ciência
empírica positivista. Nada mais errado, qualquer cariz mais positivista
do actual modelo obrigaria a revisões profundas perante a crise que
eclodiu em 2008. No entanto, assistimos a uma continuação agressiva (em
crescendo) das mesmas políticas que nos trouxeram até aqui.
Não
está aqui a defesa do regresso à economia política, está antes a
constatação de nunca existiu outra economia que não a política. Se os
patrões exploram assalariados é porque uma determinada visão política
assim o quis, não há nenhuma ordem natural que obrigatoriamente nos
direccione para esse modelo verticalizado de relação produtiva. As
necessidades sociais de consumo, essas sim, são naturais. Não produzimos
porque sim, produzimos porque precisamos e deveríamos produzir aquilo
que precisamos na medida das nossas necessidades.
Logo
aí, o capitalismo quebra o “elo embrionário” da necessidade social de
produção, é que ele produz (para) uma sociedade desigual, produz em
demasia para poucos e produz em consonância com apetites irracionais
mercantis não estando direccionado para a realização das necessidades
sociais objectivas. Não é preciso ser muito elaborado nesta constatação,
basta pensarmos nas assimetrias sociais que ditam que haja quem possa
fazer colecção de carros de alta cilindrada e quem tenha de se sujeitar a
trabalho escravo para alimentar a si e aos seus dependentes. Esta é
primeira diferença que nos aponta para as soluções à esquerda, é a visão
heterodoxa da sociedade, uma visão política que vê as desigualdades e
procura soluções. O capitalismo não permite a evolução, a libertação da
sociedade, porque para esta teoria ideológica a desigualdade é condição
natural e motor da economia ao passo que para as teorias de esquerda
essa é a principal falha e indicator de fracasso de um modelo económico.
Mas
se capitalismo não é economia, o capitalismo também está contra a
economia. Todas as teses ditas consensuais da vulgata económica são
atropeladas pelos próprios que as proclamam em horário nobre sem
contraditório. Nenhum economista “da praça” dirá abertamente que é
objectivo criar desemprego, pelo contrário, contudo assistimos à pressão
da economia de casino* para flexibilizar os despedimentos. Fala-se em
lei de oferta-procura mas os juros de dívida pública continuavam a
disparar apesar da oferta por parte dos credores ter sido o dobro da
solicitada pelo Estado português (se há muita oferta de crédito em
relação à necessidade/procura de crédito, os juros teriam de baixar ou
ser baixos). A produtividade será a solução de todos os males mas
assistimos a um deslocamento massivo de investimentos para sectores não
produtivos (finança) e os salários não acompanham o crescimento da
produtividade (mais uma vez transfere-se do trabalho para o capital).
Diz-se que vivemos num regime de meritocracia mas se nas empresas
públicas temos nomeações políticas para altos cargos, nas privadas temos
uma monarquia de longa data e desenvolvemos relações laborais com base
em relações parasitárias de propriedade**.
Para
aqueles que advogavam o capitalismo como o fim da história é melhor
começarem a pensar na estória do seu fim, porque o futuro será escrito
pelos que lutam pela liberdade, pela emancipação dos povos. Não é de
futurologia que falo, simplesmente com capitalismo não há futuro. À
esquerda cabe encurtar o período de transição entre capitalismo e
democracia económica, não ficando de braços cruzados à espera que a
degradação siga o seu curso, até porque os ciclos económicos criam a
ilusão que tudo vai mudar quando no longo prazo caminhamos para
degradação das condições de quem trabalha.
* Economia de
casino define bem a visão política de Cavaco, é de dentro de um casino
que este diz aos portugueses que se devem envergonhar pela pobreza. Esta
é a mesma pessoa que defende os mercados financeiros que atacam
Portugal e que ataca os Açores por não cortar nos salários da função
pública. De facto terão de ser os portugueses a envergonhar-se, porque o
actual Presidente da Répública não tem mesmo vergonha.
** As relações de trabalho que
desenvolvemos com base na propriedade fazem lembrar a criança que levava
a bola para jogar com os colegas mas que vendo que o jogo não lhe
corria de feição ditava as regras à medida da sua conveniência e se,
mesmo assim, a coisa não se compunha ao seu jeito, levava a bola para
casa e deixava os colegas sem bola para jogar. Qualquer semelhança com
leis laborais e deslocalizações é da pura responsabilidade de 36 anos de
governação à direita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário