sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Entrevista com futuro Secretário da Educação do RS

José Clóvis de Azevedo: “Não é necessário mexer no plano de carreira do magistério”

Bruno Alencastro/Sul21
José Clóvis de Azevedo | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Igor Natusch no Sul21

Nos últimos anos, a Secretaria de Educação transformou-se em uma das maiores dores de cabeça do governo gaúcho. Com um número crescente de aposentados, escolas em situação cada vez mais precária e clima de guerra declarada com o sindicato da categoria (Cpers), a pasta é tão problemática que mesmo partidos como o PDT, que tem na educação uma de suas principais bandeiras, declinaram de indicar nomes durante a divisão de secretarias entre a base aliada de Tarso Genro (PT). No fim das contas, caberá a José Clóvis de Azevedo, identificado com a corrente Democracia Socialista, desatar os nós que limitam as ações em um setor fundamental para o futuro do Rio Grande do Sul.
José Clóvis de Azevedo tem uma trajetória significativa dentro da educação gaúcha. Formado em História pela UFRGS, o professor foi secretário-geral do Cpers e atuou como Secretário de Educação de Porto Alegre, durante o governo de Raul Pont (PT). O pesquisador, que atualmente exerce atividades no Centro Universitário Metodista IPA, teve participação na elaboração do plano de governo do então candidato Tarso Genro – e foi essa participação que motivou o convite para ocupar a Secretaria de Educação no mandato que se inicia em 1º de janeiro de 2011.
Em conversa com o Sul21, o professor José Clóvis discutiu abertamente várias das questões que fazem da pasta uma das mais delicadas para o futuro governo. Falou sobre infraestrutura das escolas, evasão escolar, capacitação profissional dos docentes, salários e gratificações. Garantiu que não pensa em mexer no plano de carreira do magistério, e deixou claro que não pretende usar gratificações ao mérito, como o 14º salário aplicado por Eduardo Campos (PSB) em Pernambuco. Disse que a escola precisa ser um ambiente integrado à realidade cultural dos alunos, oferecendo a eles “carinho e acolhimento” quando necessário. E manifestou o interesse de abrir conversações imediatas com o Cpers, bem como de convocar concurso público ainda nos primeiros meses de governo.
“Então, a dificuldade é a de pegar uma curva descendente, que vem de 30 anos pelo menos, e reverter esse sentido, transformando-a em uma curva ascendente.”
Sul21 – Muito foi dito, nos dias anteriores à confirmação de seu nome, sobre como a Secretaria de Educação é uma pasta difícil, minada pelo relacionamento conflituoso com o Cpers e cheia de problemas na administração de recursos. Mais do que um desafio, ocupá-la seria a quase certeza de virar vidraça. O senhor já formou uma opinião sobre as dificuldades que envolvem administrar a educação no RS? Qual a sua visão sobre o assunto, faltando poucos dias para a posse?
José Clóvis de Azevedo - De fato, é uma pasta complexa. Nós tivemos, nos últimos 30 anos, um processo de empobrecimento da rede, por falta de investimento. Isso nos levou a uma crise generalizada. Não se fala muito em crise, é mais comum falar de problemas específicos, mas eu acredito que vivemos uma crise. E essa crise se manifesta em vários níveis, como na baixa autoestima entre os professores, nas dificuldades vividas pelos alunos, nas escolas fisicamente pauperizadas e mal cuidadas… Nós temos escolas com bibliotecas fechadas porque têm vazamento de água, ginásios de esportes fechados porque não apresentam condições de uso, refeitórios que não funcionam, salas de aula bloqueadas… Infelizmente, esses casos não são exceção, é um percentual significativo. Soma-se, então, um ambiente de trabalho precarizado a uma situação de queda de poder aquisitivo dos professores, de perdas salariais ao longo de trinta anos. O profissional não sente que está tendo sua dignidade respeitada, e muitas vezes acaba por não se sentir estimulado para realizar um trabalho de qualidade. Temos a questão dos limites materiais e a questão do estado de espírito também.
Então, a dificuldade é a de pegar uma curva descendente, que vem de 30 anos pelo menos, e reverter esse sentido, transformando-a em uma curva ascendente. Mesmo que seja uma mudança gradativa, degrau por degrau, essa é a nossa tarefa, de fazer um resgate geral da rede. Até porque é difícil cuidar de tudo de uma vez. Não apenas pelo vulto das obras que precisam ser feitas, mas também pelos próprios limites do estado, de finanças, processos licitatórios e coisas assim. Não basta só a nossa decisão, a vontade política de uma recuperação. Algumas dificuldades estão fora da esfera da educação. O próprio aparelho de estado, no RS, está muito prejudicado. Nós tivemos muitos governos com essa concepção de estado mínimo, que não chega a desmontar o estado propriamente, mas que não recupera as coisas na medida em que elas vão se esgotando. Temos várias estruturas de suporte que estão desaparelhadas e desestruturadas. Então, são desafios que estão colocados, dos quais temos conhecimento, e faremos um grande esforço para avançar na direção de soluções.
Sul21 – Nesse sentido, o noticiário informou nessa semana que as “escolas de lata” adotadas no governo Yeda só serão plenamente desativadas já em 2011. Isso provoca uma inevitável discussão sobre a situação das instituições de ensino no RS. Como melhorar a infraestrutura das escolas, não apenas nos imóveis em si, mas no fornecimento de material para o dia-a-dia de alunos, professores e funcionários?
JCA - Como eu disse, trabalharemos dentro de limitações, mas queremos promover um mutirão em Porto Alegre e na Grande Porto Alegre no sentido de melhorar a estrutura das escolas. Queremos concentrar nossa atenção na recuperação física dos edifícios, priorizando essa região, porque é onde os problemas são mais graves. Não quer dizer que não haja problemas no interior, mas há uma concentração maior aqui (na Grande Porto Alegre), por uma série de razões. Nas cidades de tamanho pequeno e médio do interior, praticamente não existe escola privada. Então, a escola pública é muito apreciada, tem um grande valor junto a essas comunidades. O diretor é uma figura destacada, e a própria escola é um espaço respeitado e até mesmo sustentado materialmente, de forma que independe do governo estadual. Isso faz com que as escolas do interior estejam, de modo geral, em melhor condição, além de que a própria vida do professor é menos atribulada e dispendiosa. Mesmo com um salário igual ao dos professores da capital, eles acabam almoçando em casa, não tem tantos gastos com transporte, as dificuldades não têm a mesma dimensão das que um assalariado do magistério vive em Porto Alegre. Então, nós faremos essa concentração de esforços para começar uma recuperação mais intensa das escolas da Grande Porto Alegre, onde já detectamos que o problema é mais grave. É claro que isso requer investimentos, requer um esforço de todo o governo, não só da educação. Precisaremos de uma decisão política do governador e do empenho de todos os órgãos – Fazenda, Administração, Secretaria de Obras – para que esses objetivos se cumpram.
Sul21 – Haverá construção de novas escolas, para atender a demanda por vagas?
JCA – Na verdade, nós temos uma situação nova na sociedade brasileira, que é a mudança do perfil etário de nossa população. A população jovem está diminuindo. Em vinte anos, nós seremos um dos países mais velhos do mundo. Então, isso muda também a demanda. Em Porto Alegre, já temos algumas escolas estaduais, especialmente em áreas centrais, que estão em condição de ociosidade, enquanto na periferia há falta de escolas de ensino médio. No Brasil, nos praticamente já resolvemos a questão do ensino fundamental. Não faltam vagas (nessa faixa de ensino). O que temos de problemas, no ensino fundamental, é relacionado com as famílias desses alunos, que vivem uma situação social tão grave que as crianças acabam não indo ou não permanecendo na escola. Isso tem melhorado com o Bolsa Família. A carência maior, então, é no ensino médio. Ou seja, não temos grandes problemas de espaço físico, de falta de escolas. A questão é melhorar os espaços que já existem e, quem sabe, de criar um sistema de transporte escolar, das periferias para o centro, onde estão concentradas as escolas ociosas. Isso é uma coisa que não está definida ainda, mas é uma possibilidade que estamos estudando: de ampliar as vagas de ensino médio nas grandes escolas do centro, algumas delas já com uma grande ociosidade, e trazermos as crianças da periferia para estudarem lá, com subsídio de transporte. Sem ignorar, é claro, o ensino infantil, mesmo que ele seja responsabilidade principal das prefeituras.
“… precisamos, (…) de um projeto de formação de professores, que coloque à disposição deles uma discussão teórica, uma formação atualizada, uma discussão das correntes pedagógicas, uma apropriação dos achados que a ciência tem hoje sobre o funcionamento da mente humana e os processos de aprendizado.”
Bruno Alencastro/Sul21
José Clóvis de Azevedo | Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – Um ponto bastante importante no programa de governo de Tarso Genro trata da necessidade de manter os alunos na escola, incentivando o aprendizado e trazendo a realidade cultural do aluno para a sala de aula. É um tema complexo. Como o senhor pretende abordá-lo?
JCA – Temos, nesse ponto, um grande desafio. Para avançarmos, precisamos, antes de tudo, de um projeto de formação de professores, que coloque à disposição deles uma discussão teórica, uma formação atualizada, uma discussão das correntes pedagógicas, uma apropriação dos achados que a ciência tem hoje sobre o funcionamento da mente humana e os processos de aprendizado. Queremos fazer um convênio, que o governador Tarso tem chamado de Pacto pela Educação, envolvendo universidades públicas e comunitárias de todo o estado, para a formação de professores. Não só daqueles que ainda não possuem ensino superior, mas também dos que são formados, com a possibilidade de cursos de pós-graduação e da segunda licenciatura. Também queremos trabalhar a questão da formação permanente em serviço, atuando em cima das próprias questões que surgem no dia-a-dia da escola. Desta forma, tu tens um aporte das universidades para a discussão de como lidar com o aprendizado em determinados casos ou situações mais desafiadoras. Queremos uma grande mobilização que mude a cultura da escola, reforçando, por exemplo, a compreensão de que a responsabilidade de aprender não é só do aluno. É uma responsabilidade compartilhada por aluno, família, professor e escola, como instituição.
Sul21 – A relação de alunos e professores é proposta de forma equivocada, então?
JCA – Eu acho que nós temos que ter muito claro que, quando o aluno não aprende, o resultado do trabalho não está acontecendo, o trabalho está sendo ineficiente. E aí não é questão de culpar A ou B, e sim de assumirmos todas as dimensões de aprendizagem. Quando a criança tem uma família socialmente desestruturada, por exemplo, ela se encontra em uma situação de vulnerabilidade social. Então, a responsabilidade maior é da escola, porque a criança só tem a escola para atendê-la. A escola tem que assumir esse dever e fazer alguma coisa por essa criança. Mas, para que isso seja possível, temos que mudar essa cultura. Atualmente, a ideia dominante é de que, quando o aluno não aprende, é porque ele não estudou, é um vagabundo, então o problema é dele. Mas não: o aluno pode ser tudo isso, mas a primeira responsabilidade continua sendo da escola. Porque a escola é a instituição especializada em ensinar, e se ela não estar ensinando, então o fracasso é dela. Se o aluno é irresponsável ou pouco estudioso, pode ser porque a escola não encontrou os caminhos, não estimula, talvez não tenha feito nenhum esforço de integração desta criança ou adolescente com o processo educativo. Mas é algo que precisa ser construído, o professor precisa de muito estudo para chegar até essa compreensão.
“Muitas crianças não confiam na escola, outros nem sabem bem no que a escola pode ajudá-los. Não há, na casa deles, qualquer tipo de debate sobre o que é a escola, sobre a importância de educar.”
Sul21 – Ou seja, para que o aluno se sinta mais estimulado a permanecer na escola, é necessário que o tratamento que ele recebe do professor e da escola seja diferente do que tem sido.
JCA – Exatamente. E precisamos levar em conta outra questão também. Quando eu era estudante, quem ia para escola eram os filhos das classes mais altas, ou de famílias humildes que tinham que se esforçar muito para que seus filhos pudessem frequentar as aulas. O Julinho (Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre), por exemplo, mesmo sendo uma escola pública, era onde estudavam os filhos da elite gaúcha. A realidade, hoje, é outra – a escola se abriu, democratizou-se o acesso ao ensino. Com a Constituição de 1988, a educação passou a ser um direito, e não mais um privilégio. No momento em que a educação passou a ser um direito, aquelas camadas sociais que estavam historicamente alijadas do acesso à escola, passaram a ter acesso. Mas a escola não foi preparada para recebê-las. A escola foi estruturada para nós, de classe média, classe alta. Ela carrega os nossos códigos, nossos discursos. Queremos impor nossos códigos a essas pessoas (das classes mais baixas), e é isso que gera os conflitos. Muitas crianças não confiam na escola, outros nem sabem bem no que a escola pode ajudá-los. Não há, na casa deles, qualquer tipo de debate sobre o que é a escola, sobre a importância de educar. Além disso, costumamos avaliar as crianças pelo seu desempenho na matemática ou português. E uma pessoa não é só isso, uma pessoa é um conjunto de sensibilidades dos mais variados tipos. É sensibilidade linguística, lógico-matemática, histórico-social, artística… Se você avalia apenas matemática e português, pega apenas uma dimensão de todo esse espectro.
Bruno Alencastro/Sul21
José Clóvis de Azevedo | Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – E como a escola pode ajudar a mudar essa situação social?
JCA – É uma questão delicada, porque a situação é muito mais precária do que a gente pensa. Nós temos 90 milhões de pobres no Brasil, e 40 milhões abaixo da linha da pobreza. As crianças que vêm desse universo de 40 milhões chegam na escola com marcas de violência, abuso sexual, alcoolismo, inexistência de figura paterna, moradia precária… E a escola ainda não se deu conta disso, de que ela tem outra população chegando até as instituições de ensino. É aí que entra a educação popular, essa questão de compreender o contexto cultural e absorver esse contexto no currículo. Construir uma linguagem a partir desse conhecimento, que motive as crianças a permanecer na aula. E aí precisa de outras coisas, precisa de carinho, de cuidado, de acolhimento. Elas precisam ser conquistadas, até porque essas crianças já são culturalmente violentas. Elas estão acostumadas a apanhar e a bater, e o jeito que eles se tratam dentro da escola reflete essa vivência. Então, tu tens que reverter isso, tens que ensinar a criança a interagir, a usar um banheiro, tens que fazer demonstrações de carinho. E essas crianças, quando tem acesso a um computador, por exemplo, em dois dias já estão “bombando”, como se diz por aí. É um grande desafio, que está ligado a oportunidades e qualidade de vida.
“Antigamente, quando um professor era contratado, era um contrato de 12 horas, em uma escola só. Agora, nós temos contratos de 12 ou 14 horas, com professores trabalhando em três ou quatro escolas diferentes.”
Sul21 – Outra questão preocupante é referente à falta de professores. Muitas turmas acabam não tendo aulas de determinadas matérias, por falta de quem possa ministrá-las. A defasagem que isso provoca no aprendizado é indiscutível. Como encarar essa carência de profissionais?
JCA - Isso não se resolve a curto prazo, mas temos que iniciar a solução desses problemas. Temos que voltar a fazer concurso para professores, que é algo que queremos encaminhar logo em seguida à posse. Eu fui sindicalista até 1990 e, quando deixei as atividades do sindicato, nós tínhamos uma situação trabalhista estabilizada. Praticamente não tínhamos contratos na rede (de ensino), eram contratos residuais. No entanto, eu chego agora na Secretaria de Educação com quase 30 mil contratados, contando funcionários. Quase a metade dos professores do RS são contratados, e com critérios que eu considero muito problemáticos. Antigamente, quando um professor era contratado, era um contrato de 12 horas, em uma escola só. Agora, nós temos contratos de 12 ou 14 horas, com professores trabalhando em três ou quatro escolas diferentes. Esses contratados acabam não tendo raízes com a escola; eles vão lá dar suas aulas rapidamente e se retiram em seguida. Nem eles conhecem a escola, nem a escola os conhece.
É claro que não estamos combatendo os contratados. Nós queremos criar condições para que se faça concurso, que sejam aprovados e nomeados, para regularizar sua situação. Então, nos já queremos anunciar, assim que assumirmos, um concurso público para o mais breve possível. E também estabelecer um banco de nomeados, para que não falte professores. Mas nós também temos alguns problemas que vão além disso, como a falta de professores formados em algumas áreas, em especial para matemática, física e biologia. Esses programas de formação, dos quais queremos lançar mão, devem ajudar a preencher com qualidade essas áreas específicas. Essas coisas precisam de tempo para ser resolvidas. Não estou aqui com um discurso escapista, e sim realista. Todos os esforços que faremos serão para dar início a uma solução para problemas estruturais do nosso ensino, que precisam de um esforço duradouro para ser resolvidos.
Sul21 – Qual a sua opinião a respeito da meritocracia?
JCA – Sinceramente, eu não assumo essa pauta. A minha pauta é essa que estou conversando contigo: como fazer para manter a garantia permanente do aluno na escola, para melhorar a qualidade de formação do professor, para atender essa população toda que entrou agora na escola…
“Quando se fala em meritocracia em um sentido de valorizar o mérito, nós estamos de acordo. Agora, quando a meritocracia vem acompanhada do valor competição, prêmio ou castigo, aí não é nossa pauta.”
Sul21 – Mas trata-se de uma questão que foi muito discutida durante a eleição. O governo de Pernambuco, que está na mão de um partido aliado (Eduardo Campos, do PSB) e é citado como exemplo de sucesso na administração da educação, adota um 14º salário como meio de incentivar os professores a buscar metas mais altas em termos de ensino. Como o governo Tarso vai lidar com essa questão?
JCA - O mérito nós temos que valorizar. Criar um método de formação dos professores pelo qual ele possa melhorar sua titulação, o que irá valorizá-lo no plano de carreira e qualificá-lo para participação em novos projetos: isso tudo é valorizar o mérito. O que nós não achamos interessante é estabelecer um processo de competição entre os professores ou entre as escolas. Temos tantos problemas com excluídos, e vamos criar outro mecanismo de exclusão, dentro das próprias escolas? Porque perder, em uma competição dessas, acaba sendo equivalente a uma exclusão. Quando se fala em meritocracia em um sentido de valorizar o mérito, nós estamos de acordo. Agora, quando a meritocracia vem acompanhada do valor competição, prêmio ou castigo, aí não é nossa pauta.
Bruno Alencastro/Sul21
José Clóvis de Azevedo | Foto: Bruno Alencastro/Sul21
Sul21 – E quanto ao plano de carreira do magistério? Vai haver alguma mudança? Isso vai ser discutido?
JCA – Não é necessário mexer no plano de carreira. Mexer ou não mexer no plano de carreira, na verdade, está muito mais ligado a uma questão ideológica do que uma necessidade. Existe uma cultura muito forte, incutida pelo neoliberalismo, que acha que todos os problemas se resolvem atacando o funcionalismo público. Eu penso que é o contrário, ou seja, que nós temos é que melhorar o setor público, aumentar sua autoconfiança. Os professores consideram seu plano de carreira uma conquista histórica, é o pouco que eles têm. Não temos necessidade de mexer no plano de carreira. Isso só poderia acontecer quando outras coisas se resolvessem, e os próprios professores chegassem à conclusão de que coisas poderiam ser mudadas ou melhoradas. Hoje, quando se fala em mexer no plano de carreira, geralmente se quer achatar os níveis. Eu até ouvi esses dias a governadora Yeda dizer algo do tipo: “nós queremos pagar bem para quem ganha pouco, mas os que ganham muito não querem deixar”. Na verdade, quem ganha “muito” no magistério está na minha situação – e eu, que me aposentei depois de 35 anos no ensino estadual, com pós-graduação e todas as produções possíveis, recebo 3 mil reais. Eu sou a elite, e ganho esse valor como aposentadoria. Então, não é o plano de carreira o problema. Geralmente, se fala em plano de carreira no sentido de nivelar por baixo, aumentando o salário para quem ganha 600 reais por mês para 1.500 reais, por exemplo, mas achatando os salários de quem ganha mais. Claro que esses professores (que ganham menos) merecem ganhar 1.500 reais ou até mais, mas a verdade é que todos merecem melhores salários. Não vamos entrar nesse debate com o magistério, não vamos mexer no plano. Queremos outros resultados, que eles sejam protagonistas, junto conosco, das melhoras no ensino, sem atacá-los.
“Acho que é possível conseguir uma melhora gradativa nos salários dos professores, mantendo o plano de carreira.”
Sul21 – Mas alguns especialistas argumentam que, do jeito que está, o plano de carreira criará uma situação impossível de administrar. Que, se os benefícios continuarem sendo incorporados ao salário do professor aposentado, podemos chegar a um ponto onde será impossível pagar a todos.
JCA – Eu acho que isso é uma falácia. Isso não é verdadeiro. Acho que é possível conseguir uma melhora gradativa nos salários dos professores, mantendo o plano de carreira. Claro que não temos muita margem de manobra dentro do orçamento do estado. Penso que vivemos um período de vinte anos de recessão, onde o estado teve graves dificuldades para se financiar, além de políticas fiscais muito abertas, privilegiando alguns grupos empresariais, o que também dificultou o financiamento do estado. Mas hoje nós estamos vivendo em outra situação, com a economia crescendo 7% ao ano e o RS crescendo acima do PIB nacional. Evidente que isso reflete nos cofres públicos, no aumento da capacidade de investimento do estado. Então, os 35% que o estado deve destinar para a educação, que nunca foram de fato executados, passam a ser um volume maior, graças à arrecadação. Isso não permite que se resolva todos os problemas, mas nos leva a acreditar que podemos reverter a curva.
Sul21 – A relação da entidade de classe dos professores gaúchos (Cpers) e o governo estadual sempre teve conflitos, mas as divergências se intensificaram nos últimos quatro anos. Restabelecer um diálogo construtivo com o Cpers é visto como um dos maiores desafios do governo Tarso. Como o senhor pretende conduzir as negociações com o Cpers?
JCA – A primeira coisa que vamos fazer é estabelecer uma mesa de negociação. Vamos dialogar com o Cpers em todos os níveis, porque queremos o protagonismo do Cpers na construção do nosso modelo pedagógico. Não queremos discutir só salário, queremos discutir questão pedagógica, o plano de reforma das escolas, a política de formação de professores… Queremos que eles digam o que pensam dessas coisas, e que nos apresentem as suas demandas. Pretendemos ter um diálogo muito amplo com a entidade de classe, e é claro que nenhum diálogo vai para frente se ele não tiver concretude, se ele não remeter a coisas concretas. Nenhum diálogo se sustenta em cima de promessas, queremos dialogar sempre no sentido de concretizar coisas. Isso não quer dizer que não haja conflitos. O sindicato tem suas demandas, a sua dinâmica, e o estado tem a sua. Mas é importante deixar claro que não vamos sempre valorizar o diálogo, em busca de soluções negociadas para as divergências que surgirem.

2 comentários:

Rogério Maestri disse...

O ensino de primeiro e segundo grau no Rio Grande do Sul está uma tragédia.

Achamos que o problema está localizado no ensino público, mas se olharmos as últimas avaliações nacionais veremos que o Ensino Privado está muito ruim para não dizer péssimo. Como um exemplo olhando os resultados do ENEM 2009 vemos que dos 100 melhores colégios avaliados pelo Enem 39 estão no Rio de Janeiro, 30 em São Paulo, 14 em Minas Gerais, 5 na Bahia, 3 no Piauí, 2 no Espírito Santo e Pernambuco e no final com 1 só colégio Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Paraná.

Podem alguns questionar os critérios do Enem, entretanto quando capitaneando em primeira posição se vê o eterno Colégio São Bento do Rio de Janeiro e logo após o Santo Agostinho, do mesmo estado se vê que pelo menos a lógica das primeiras posições foi impecável.

Além do Colégio Militar de Porto Alegre, que dentre os colégios militares do Brasil tem um desempenho pífio, não há nenhum dos colégios tradicionais. Anchieta, só o de Nova Friburgo no Rio e na Bahia, Israelita, bem colocado o do Rio de Janeiro, em resumo, temos um ensino fraco e deficiente que não se compara com nenhum colégio do Rio, São Paulo ou Minas Gerais.

Agora qual a importância desta comparação, simplesmente porque se seguir a tendência as nossas melhores universidades serão reservadas para pessoas de fora do estado, restando somente às privadas de segunda linha. No momento que o Enem se firmar como exame de seleção, provavelmente a UFRGS, a UCS e os melhores cursos da PUC e Unisinos, vão aderir ao Enem.

Ficamos discutindo muito o porquê do atraso do Rio Grande do Sul, culpamos partido A ou partido B, mas talvez esqueçamos que estamos simplesmente esquecendo-se do principal patrimônio que tem um povo, a educação.

http://engenheiro.blogspot.com disse...

Complementando o comentário, o ensino público do Rio Grande do Sul, apesar de todos os maltratos que sofre ainda não envergonha o Estado, por exemplo no Pisa, que testa o grosso da educação, se vê que nosso ensino público não está tão mal rankeado, há na realidade uma grande farsa perpectuada pelas as escolas privadas, que vendem e não entregam o produto.